[...] A Pirata não foi apenas um movimento editorial, mas um animador cultural da cidade do Recife. [...]. (MENEZES, 1997, p. 103).
O movimento editorial pernambucano conhecido como Edições Pirata surgiu em 1979, liderado pelos poetas Jaci Bezerra, Alberto Cunha Melo, integrantes da Geração 65, e a escritora Eugênia Menezes.
Faziam parte do grupo inicial, ainda, Maria do Carmo de Oliveira, Nilza Lisboa, Amarindo Martins de Oliveira, Andréa Mota, Vernaide Wanderlei, Ednaldo Gomes, Myriam Brindeiro e Celina de Holanda.
No início, os livros eram produzidos às escondidas, ou seja, “pirateados”, na gráfica da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), daí a origem do nome do movimento. Posteriormente, seus editores adquiriam uma impressora de segunda-mão e alugaram um local para instalar o equipamento.
[...] Quitada e regulada a máquina, alugamos uma casa na rua Silvino Lopes, 130, em Casa Forte. Dei uma facada no meu pai, subversivo por natureza, e ele nos emprestou seu marceneiro para fazer um terraço para colecionar os livros. Começamos a funcionar, os vizinhos não gostaram do barulho e nos denunciaram à Prefeitura.
Saímos de lá na carreira para uma vacaria nos fundos da casa do jornalista Fernando Ricardo Menezes, na rua Luiz Guimarães, também em Casa Forte. Sendo o local muito úmido, o papel sanfonava, ficava frio, não rodava na máquina. Alugamos, então, uma casa na Rua Dois Irmãos 14, em frente a Fundaj de Apipucos, que chamávamos de filial, onde habitavam Jadson Bezerra, vulgo Perunga, e seu grumete Grafite. Dalí carregávamos os livros, fininhos a princípio, para uma grande mesa, dentro da Fundação, onde os colecionávamos no final do expediente. Fomos dedurados e nos mudamos para a casa de Myriam e Alberto Vasconcelos, na rua Apipucos 452, terraço do primeiro andar, nosso porto seguro. (MENEZES, 1997, p. 98).
A Pirata funcionou na casa de Myriam e Alberto, de novembro de 1979 até março de 1984. Segundo Brindeiro (1997, p. 109), no início só era feito o trabalho de colecionar as páginas. Depois, todo o processo – criação, montagem, embalagem, o planejamento dos livros e dos lançamentos, as reuniões e a divulgação – era realizado no local.
Os originais eram endereçados ou levados pessoalmente pelos autores para a casa da poetisa Celina de Holanda, na Rua Betânia, n.10/102, no Derby. (MENEZES, 1997, p. 99).
Os escritores participavam dos custos da edição e eram convidados a colaborar no processo de produção, montagem, divulgação e venda dos livros. Havia dificuldades na distribuição e comercialização das obras. (BRINDEIRO, 1997, p.109).
A Edições Pirata editou mais de trezentos títulos. O primeiro livro publicado com o seu selo, Pomar, de Arnaldo Tobias, foi lançado no dia 7 de julho de 1979, na Livro 7. Os lançamentos (quinze individuais e doze coletivos, inclusive um no Rio de Janeiro) eram feitos também no restaurante, O Pirata, em Casa Forte e no Pátio de São Pedro, no bairro de Santo Antônio. Os coletivos eram festivos e realizados, geralmente, no meio da rua, onde as pessoas paravam, folheavam os livros, ouviam o show e participavam com palmas e sorrisos, segundo depoimento de Eugênia Menezes (1997, p. 104).
Dos doze lançamentos coletivos, três foram da Coleção Piratinha, com livros dirigidos ao público infanto-juvenil.
Abaixo, alguns livros publicados com o selo da Pirata, por ordem cronológica e dentro desta, por ordem alfabética de título:
1979
Dez Poemas Políticos, Alberto Cunha Melo;
Inventário do fundo do poço, Jaci Bezerra;
Noticiário, Alberto Cunha Melo;
Pomar, Arnaldo Tobias (1979);
Sobre esta cidade de rios, Celina de Holanda;
Sonâmbulos, Domingos Alexandre.
1980
Folclorerotismo, Mário Souto Maior;
O ignorado, Ângelo Monteiro;
Livro de versos, Rubem Braga;
Pernambucânia dois, Mauro Mota;
Poesia reunida, Gilberto Freyre;
O soldado raso, Lêdo Ivo.
1981
A cor da onda por dentro: poesia para crianças de trinta autores brasileiros contemporâneos, Maria de Lourdes Hortas;
Hipopocaré: o rei da galhofa, Antonio Guinho;
Os pastos da minha lembrança, Jaci Bezerra;
Poemas a Mão Livre, Alberto Cunha Melo;
Quase contos, Walkirio Gadelha;
Signo de estrelas, Jaci Bezerra.
1982
Auto da renovação, Jaci Bezerra;
Cacimbas, Alberto Lins Caldas;
Clarear, Natanael Lima Junior;
Emílio Madeira, O Galo, Jaci Bezerra;
Livro de Olinda, Jaci Bezerra;
Nóis sofre... mas nóis goza!, Jaci Bezerra, organizador;
A questão racial negra em Recife: a necessidade e os impasses de uma ação política organizada, Sylvio José Barreto da Rocha Ferreira.
1983
Balada bacamarteira no Alto do Bom Jesus, Olimpio Bonald Neto;
A intromissão do verbo, Luiz Alberto Machado;
Clave provisória, Myriam Brindeiro;
Rota Batida: escritos de lazer e de ofício, Frederico Pernambucano de Mello. 1985
O mundo maravilhoso dos brinquedos: as aventuras do escravo Zelâo, Walkirio Gadelha.
As promoções da Edições Piratas não eram realizadas de forma isolada. Procurava-se interagir com outros seguimentos culturais, envolvendo diversas instituições, públicas e privadas. O movimento conseguiu sempre o apoio da mídia e de inúmeros artistas, por meio da cessão de ilustrações, desenhos de capas dos livros e apresentações sem cobrança de cachês. A marca da Coleção Piratinha foi criada por Cavani Rosas.
Além de apoio a dez pré-lançamentos e relançamentos de vários autores, editou três catálogos (1981, 1982 e 1984); o jornal Cultura e Tempo (n. 4 a 7, 1982) e três fascículos da revista Pirata Edições, em 1984 e 1986. A n. 1, de 1984, organizada por Maria de Lourdes Hortas e Zuleide Duarte, traz uma entrevista com Pedro Nava; a n. 2, organizada por Alberto Cunha Melo e Carlos Daconti, também de 1984, publica uma entrevista com João Cabral de Mello Neto e a última, n. 3, de 1986, uma entrevista com o folclorista Mário Souto Maior. A revista foi muito elogiada pela crítica.
A Pirata chegou a ter correspondentes no Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Paraíba, Sergipe, Argentina e na Universidade do Colorado, nos Estados Unidos.
O movimento perdurou até 1985, quando publicou seu último livro e extinguiu-se.
[...] Afirmei que a Pirata exauriu-se por excesso de sentimento, e muito falamos do sentido coletivo que presidiu nossa ação. É natural que tenhamos tomado outros rumos, cuidado de outras coisas. Mas tudo isso é vã filosofia, pois na verdade o movimento, como nós, teria que se encantar um dia. (MENEZES, 1997, p. 104-105).
Recife, 16 de agosto de 2013.
Fontes consultadas
BEZERRA, Jaci (Org.). Geração 65: o livro dos trinta anos. Recife: Fundarpe, 1997.
BRINDEIRO, Myriam. Uma das melhores experiências da minha vida. In: BEZERRA, Jaci (Org.). Geração 65: o livro dos trinta anos. Recife: Fundarpe, 1997. p. 107-110.
MENEZES, Eugênia. A Geração 65 e as Edições Pirata. In: BEZERRA, Jaci (Org.). Geração 65: o livro dos trinta anos. Recife: Fundarpe, 1997. p. 97-106.
Como citar este texto
GASPAR, Lúcia. Edições Pirata. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2013. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/edicoes-pirata/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)