Considerada uma das maiores manifestações culturais populares do Brasil, o samba, reconhecido ritmo musical que foi criado pelos escravos africanos, é considerado o símbolo da tradição cultural brasileira. Reconhecido pela Unesco em 2005 como Patrimônio Imaterial da Humanidade, comemora, esse ano de 2016, cem anos como “ritmo nacional por excelência”.
O samba é reconhecido também internacionalmente como símbolo brasileiro disputando espaço com o futebol e o carnaval pois ficou bastante conhecido após o sucesso de "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso.
Existem diferentes versões acerca da origem do termo "samba". No Brasil, existe a crença de que a origem do nome tenha sido uma má interpretação (corruptela) de “semba”, palavra de origem africana, que significa umbigada. As festas de danças dos negros escravos na Bahia por séculos eram chamadas de "samba" mas no Rio de Janeiro, só passou a ser conhecida dessa maneira ao final do século XIX quando eram ligadas justamente aos festejos da Bahia.
O samba, de acordo com Webnode (2011, p. 1), possui, entre suas características originais, uma dança acompanhada por pequenas frases melódicas e refrões de criação anônima, que são alicerces do samba de roda que nasceu no Recôncavo Baiano e foi levado, para a cidade do Rio de Janeiro pelos negros que migraram da Bahia e se instalaram na então capital do Império, na segunda metade do século XIX.
As ruas do Rio de Janeiro foram ocupadas no fim do século XIX por grupos carnavalescos chamados indiscriminadamente de cordões, ranchos ou blocos. A primeira música composta especialmente para o Carnaval foi: "Ô Abre Alas!", em 1890, por Chiquinha Gonzaga. Nessa época os foliões já costumavam frequentar os bailes vestidos com fantasias e as mais tradicionais e que até hoje são usadas eram as de Pierrot, Arlequim e Colombina, inspiradas na Commedia dell'arte (teatro popular que apareceu na Itália, no século XV e se afirmou até o século XVII).
O samba de roda influenciado por outros gêneros como a polca, o maxixe, o lundu e o xote, se transformou nesse gênero musical único surgido no Rio de Janeiro, no início do século XX nas casas conhecidas como “tias baianas” de migrantes da Bahia.
As tias baianas que mais se destacaram foram: Tia Amélia (mãe de Donga), Tia Bebiana, Tia Rosa Olé, Tia Veridiana (mãe de Chico da Baiana), Tia Mônica (mãe de Pendengo e Carmem Xibuca), Tia Prisciliana (mãe de João da Baiana), Tia Sadata, e, a mais conhecida delas: Hilária Batista de Almeida , a Tia Ciata.
Muito respeitada pela elite carioca, a Tia Ciata, avó do compositor Bucy Moreira, foi uma das responsáveis pela sedimentação do samba carioca porque ela confeccionava trajes de baianas para os clubes carnavalescos oficiais e comandava uma pequena equipe de baianas que vendia doces e quitutes.
O termo “batuque” que representava o som dos negros durante os festejos foi utilizado durante muito tempo e permaneceu até o início do século XX quando a palavra “samba” passou a definir os mais variados tipos de música dos escravos africanos de acordo com as peculiaridades de cada região onde foram assentados.
De acordo com Biblioteca (2016, p.1) "Em 6 novembro de 1916, Ernesto dos Santos, o Donga, entrega uma petição de registro para o samba carnavalesco Pelo telephone, no Departamento de Direitos Autorais, da Biblioteca Nacional. A partitura manuscrita para piano, feita por Pixinguinha estava dedicada a dois foliões, os carnavalescos Peru, Mauro de Almeida e Morcego, Norberto Amaral. Em 16 de novembro de 1916, Donga anexou à petição um atestado que afirmava ter sido o samba Pelo telephone executado pela primeira vez em 25 de outubro de 1916 no Cine-Teatro Velho. O registro da obra foi efetuado pela Biblioteca Nacional em 27 de novembro de 1916, com o número 3.295".
Em 1917, foi gravado em disco o primeiro samba do Brasil que fez grande sucesso no carnaval e contribuiu para a popularização do gênero musical dando origem a inúmeras paródias - "Pelo Telefhone":
O chefe da folia
Pelo telefone manda me avisar
Que com alegria
Não se questione para se brincar
Ai, ai, ai
É deixar mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás
Tomara que tu apanhe
Pra não tornar fazer isso
Tirar amores dos outros
Depois fazer teu feitiço
Ai, se a rolinha, sinhô, sinhô
Se embaraçou, sinhô, sinhô
É que a avezinha, sinhô, sinhô
Nunca sambou, sinhô, sinhô
Porque este samba, sinhô, sinhô
De arrepiar, sinhô, sinhô
Põe perna bamba, sinhô, sinhô
Mas faz gozar, sinhô, sinhô
O “Peru” me disse
Se o “Morcego” visse
Eu fazer tolice
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse-não-disse
Ah! ah! ah!
Aí está o canto ideal, triunfal
Ai, ai, ai
Viva o nosso carnaval sem rival
Se quem tira o amor dos outros
Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio
E o inferno habitado
Queres ou não, sinhô, sinhô
Vir pro cordão, sinhô, sinhô
É ser folião, sinhô, sinhô
De coração, sinhô, sinhô
Porque este samba, sinhô, sinhô
De arrepiar, sinhô, sinhô
Põe perna bamba, sinhô, sinhô
Mas faz gozar, sinhô, sinhô
Quem for bom de gosto
Mostre-se disposto
Não procure encosto
Tenha o riso posto
Faça alegre o rosto
Nada de desgosto
Ai, ai, ai
Dança o samba
Com calor, meu amor
Ai, ai, ai
Pois quem dança
Não tem dor nem calor
A versão mais popular de “Pelo telefone” brinca com a realidade e personagens da época. A versão que faz a alteração de “o chefe da folia” ao invés de “o chefe da polícia” servia para evitar problemas com as autoridades, pois estava relacionada, segundo o próprio Donga, a uma situação que envolveu Irineu Marinho, na época proprietário do jornal “A noite” que pretendia destituir seu desafeto, o chefe de polícia do Rio de Janeiro Aureliano Leal. De acordo com História (2014, p. 1), a “armação” seria montar uma roleta no Largo da Carioca apenas para desmoralizar Aureliano, já que ele havia determinado que seus subordinados informassem aos infratores antes, “pelo telefone”, a apreensão do material usado no jogo de azar.
"O chefe da polícia / Pelo telefone / Mandou avisar / Que na Carioca / Tem uma roleta /Para se jogar /Ai, ai, ai /O chefe gosta da roleta,/ Ô maninha / Ai, ai, ai / Ninguém mais fica forreta / É maninha. / Chefe Aureliano, / Sinhô, Sinhô, / É bom menino, / Sinhô, Sinhô, / Prá se jogar,/ Sinhô, Sinhô, / De todo o jeito, /Sinhô, Sinhô, / O bacará / Sinhô, Sinhô, / O pinguelim, / Sinhô, Sinhô, / Tudo é assim".
Os principais instrumentos do samba são o pandeiro, o cavaquinho, a cuíca, o violão de 6 cordas, o violão de 7 cordas, o surdo e o tamborim, porém, outros instrumentos também podem aparecer nesse cenário: o banjo, o reco-reco, agogô, tantã e repique de mão.
Segundo Diniz (2006, p. 237) , o pandeiro é um instrumento de percussão de origem árabe que é indispensável nas rodas de samba bem como o cavaquinho que tem sua origem em Portugal e o violão de 7 cordas que provavelmente é de origem russa. O autor afirma ainda que o Tamborim foi um dos primeiros instrumentos europeus trazidos para o Brasil e chegou a ser mencionado na carta de Pero Vaz de Caminha.
O samba urbano carioca deixou de ser considerado apenas uma manifestação local como acontece em outros estados do país para se tornar "símbolo nacional” entre o final da década de 1920 e meados da década de 1940.
A primeira escola de samba brasileira surgiu no bairro de Estácio de Sá. Esse bairro popular abrigava um grande contingente de pretos e mulatos e a “Turma do Estácio” " era inicialmente um bloco carnavalesco que se tornou a “Deixa Falar”, a primeira escola de samba a desfilar no carnaval carioca ao som de uma bateria (orquestra de percussões aos quais se juntavam pandeiros e chocalhos) . Desfilou na Praça Onze nos carnavais de 1929, 1930 e 1931, e não chegou a participar do primeiro concurso oficial das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, em 1932, organizado pelo jornal Mundo Sportivo.
As fantasias de carnaval desde sempre faziam alusões ao momento histórico, social e político do país e retratavam também as insatisfações do povo.
Ainda em 1888 apareceram grupos fantasiados de coronéis e tenentes da Guarda Nacional e como estávamos empenhados na campanha abolicionista, um jornal descreve: “dois máscaras figurando um escravizado e um faznedeiro, o primeiro dos quais deitava-se à porta de algumas casas protestando contra a violência do fazendeiro armado de bacalhau que jurara recorrer ao Supremo Poder da Rua do Lavradio (a polícia) para converter o rebelde”. (ENEIDA, 1958, p.97).
De acordo com Eneida (1958, p. 210) até 1930 os jornais cariocas estimularam, apoiaram e colaboraram para o brilho do carnaval, pois através do prestígio na massa popular tiveram forte influência para a instalação dos Folguedos de Momo na cidade do Rio de Janeiro.
Durante a década de 1930 as várias escolas de samba que foram aparecendo tinham o costume de na primeira parte do desfile apresentar um samba qualquer e na segunda parte os melhores versadores improvisavam com sambas saídos dos “terreiros” das escolas que são conhecidos atualmente como “quadras”. Assim surgiram a Mangueira, Portela, Império Serrano, Salgueiro e, posteriormente, a Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense, Mocidade Independente, entre outras.
A história do carnaval nos apresentou vários nomes de compositores que se tornaram famosos, dentre eles destacamos:
- Chiquinha Gonzaga (1847-1935): compôs a primeira marcha carnavalesca brasileira ''Abre alas!'';
- Pixinguinha (1898-1973): autor do samba-choro ''Carinhoso'', que fez sucesso na voz de Orlando Silva e tem a letra de João de Barro;
- Ari Barroso (1903-1964): autor do samba que ficou famoso em todo o mundo por ter exaltação patriótica - ''Aquarela do Brasil''';
- Lamartine Babo (1904-1963): compôs marchinhas e sambas para o carnaval a exemplo de ''Teu cabelo não nega'', criou o programa de rádio Trem da Alegria em 1942, no qual lançou os hinos que compôs na época para todos os times cariocas de futebol;
- Cartola (1908-1980): compôs o samba-enredo ''Chega de demanda'' para o primeiro desfile da Escola de Samba Mangueira;
- Ataulfo Alves (1909-1969): compôs ''Ai, que saudades da Amélia'' em parceria com Mário Lago);
- Noel Rosa (1910-1937): com mais de 200 composições, Noel tem clássicos como ''Com que roupa?'' e "Até amanhã";
- Adoniran Barbosa (1910-1982): Com ''Trem das onze'', de sua autoria, ganhou o concurso de Carnaval do IV Centenário do Rio de Janeiro, em 1965.
Todos os anos se pode acompanhar os famosos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro pessoalmente ou pela televisão. São Paulo também apresenta desfiles de Escolas de samba que vem crescendo a cada ano, algumas delas já bem conhecidas no país e que ganharam vários títulos, como: Vai-Vai, Nenê de Vila Matilde, Mocidade Alegre, Camisa Verde e Branco, Lavapés, Rosas de Ouro, Gaviões da Fiel, Império da Casa Verde e X-9 Paulistana.
CURIOSIDADES:
1. Toda escola de samba é dividida em seções chamadas alas, contendo cada uma delas, em torno de cem integrantes usando a mesma fantasia, de acordo com o enredo da escola. A Comissão de Frente apresenta um grupo de artistas que são responsáveis para chamar a atenção do público e dos jurados.
2. O mestre-sala e a porta-bandeira têm habilidades técnicas de passos e danças que vão encantar o público;
3. Os Carros alegóricos são decorados de acordo com o enredo e apresenta passistas fantasiados ricamente demonstrando a criatividade das escolas;
4. A bateria fica no centro de cada escola e é composta por um grupo de 250-300 percussionistas que determinam o ritmo para os passistas. A rainha da bateria é a figura da embeleza e anima mais ainda do desfile.
5. Toda escola apresenta um carro de som onde os intérpretes cantam o samba-enredo em conformidade com a bateria.
6. Um grupo de 15-20 passistas samba com passos impressionantes e frenéticos por todo o percurso.
7. O samba-enredo é uma das partes mais importantes para os integrantes das escolas, pois todas as decisões do desfile de cada escola giram em torno do enredo, que pode tratar de política, história, esportes, artes ou outros temas.
8. A comissão julgadora avalia os seguintes quesitos nos desfiles das Escolas de samba: FANTASIAS (os figurinos); EVOLUÇÃO (a movimentação dos desfilantes); MELODIA (a interpretação musical do enredo); HARMONIA (o perfeito entrosamento entre a bateria, a melodia e a evolução); BATERIA (Andamento rítmico: perfeita conjugação dos conjuntos dos sons emitidos pelo vários instrumentos); ALEGORIA (a representação plástica e ilustrativa do Enredo); COMISSÃO DE FRENTE (a apresentação da Comissão de Frente tem a função de saudar o público e pedir passagem para o desfile); LETRA DO SAMBA É a composição musical, geralmente uma síntese do enredo); ENREDO (HISTÓRIA – tema central) e, finalmente, MESTRE SALA E PORTA BANDEIRA (a dança, a postura e a criatividade do casal com respeito á manutenção das tradições Devem apresentar graça e leveza).
Recife, 31 de agosto de 2016.
Fontes consultadas
ADILSON. A História do Samba no Brasil, 29 jan. 2012. Disponível em: http://ahistoriadosambanobrasil.blogspot.com.br/2012/01/o-comeco-de-tudo-sore-o-samba.html. Acesso em 31 ago. 2016.
BIBLIOTECA Nacional. O Samba completa cem anos. 2016. Disponível em: https://www.bn.br/acontece/noticias/2016/02/samba-completa-cem-anos. Acesso em: 17 ago. 2016.
CARNAVAL Rio. [Foto nesse texto]. Disponível em: goo.gl/JDPDsA. Acesso em: 31 ago. 2016.
DINIZ, André. Almanaque do Samba: a história do samba, o que ouvir, onde ler, o que curtir. 2 ed. ver. ampl. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2006.
ENEIDA. História do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1958.
FERREIRA, Felipe. O Livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de janeiro: Ediouro, 2004.
HISTÓRIA do samba: conheça o primeiro samba gravado no Brasil: o sucesso de “Pelo Telefone” marcou o reconhecimento do samba como novo gênero musical. Opinião & Notícia, 2014. Disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/conheca-o-primeiro-samba-gravado-no-brasil/. Acesso em: 31 ago. 2016.
SALOMÂO, Graziela. Alguns dos principais sambistas de todos os tempos. Revista Época, Edição 340, 2004. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT865240-1655-3,00.html. Acesso em: 31 ago. 2016.
WEBNODE. Danças de salão. 2011. Disponível em: http://dancasdesalao.webnode.pt/dan%c3%a7as%20de%20salao/samba/. Acesso em 17 ago. 2016.
Como citar este texto
VERARDI, Cláudia Albuquerque. Samba: da Bahia ao Rio de Janeiro. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2016. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/samba-da-bahia-ao-rio-de-janeiro/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)