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Adoniran Barbosa: o patrono do samba paulista

Data Nasc.:
06/08/1910

Data de falecimento.:
23/11/1982

Ocupação:
Cantor, Compositor, Humorista, Ator

 

Adoniran Barbosa: o patrono do samba paulista

Artigo disponível em: ENG ESP

Última atualização: 24/11/2023

Por: Cláudia Verardi - Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco - Doutora em Ciência da Informação

Nascido na Cidade de Valinhos em 6 de agosto de 1910, , interior de São Paulo, o cantor e compositor João Rubinato, filho de imigrantes italianos, adotou seu nome artístico “Adoriran”, que pegou emprestado de um amigo, e o sobrenome “Barbosa” para homenagear o sambista Luiz Barbosa, porque achava que João Rubinato não era um nome adequado para um  sambista.

Rubinato desde cedo abandonou os estudos para trabalhar, pois necessitava ajudar financeiramente a família numerosa de sete irmãos, e por outro lado, também não gostava de estudar. Um dos seus primeiros ofícios foi como entregador de marmitas, por volta dos seus catorze anos, tendo trabalhado também como engraxate, vendedor, ajustador mecânico, tecelão, pintor de parede, serralheiro, garçom e entregador de marmitas.

De acordo com Adoniran (2017) o quase analfabeto do interior do Estado veio para a capital no início da década de 1930 quando começou a frequentar a rádio Cruzeiro do Sul de São Paulo para participar de programas de calouros. Admirador dos sambas de Sinhô, Noel Rosa e Luís Barbosa, se destacou por suas interpretações de samba de breque e por ter introduzido o chapéu de palha como acompanhamento rítmico nos programas de rádio e em gravações.

Detentor de uma voz rouca e fanha, Adoniran passou por diversas frustrações no inicio da carreira, mas não desistiu do sonho de ser artista, mesmo após ser rejeitado diversas vezes ao tentar ingressar no palco e na rádio e, tanto pela falta de reconhecimento do seu talento, quanto pela falta de instruções adequadas ou “padrinhos”.

Adoniran escolheu outros caminhos para realizar seu desejo de ser artista acreditando que sua habilidade era “nos bastidores” compondo músicas, porém, não tinha retorno financeiro, pois quem saia lucrando eram os cantores. Nesse contexto, o compositor decide atuar como interprete, e, buscando seu espaço como cantor, participou de diversos programas de calouros. . Em 1933 foi primeiro lugar no programa de calouros de Jorge Amaral com a canção "Filosofia" de Noel Rosa. Aos poucos conseguiu iniciar carreira na rádio como ator radiofônico, conquistando um relativo sucesso, que não durou muito tempo. Com seu modo de falar simples e com pequenos erros gramaticais somado às experiências vividas no decorrer desta trajetória, foi construindo uma variação linguística sociocultural.

Segundo Martins (2017?), a característica de Adoniran em suas composições era maneira errônea de falar, que agradou o grande público, quebrando paradigmas e preconceitos linguísticos.

Com um vocabulário muito informal Adoniran marcava uma variação linguística regional com a utilização de um linguajar popular e gírias quebrando assim os tabus ligados ao preconceito linguístico.

No samba “As Mariposa” podem-se observar os traços linguísticos com alternância de palavras (muié/mulher) (lâmpida/lâmpada), bem como a falta de concordância das palavras, pois a intenção do compositor era a ironia e a despreocupação com a linguagem culta do português e era justamente isso que o aproximava do seu público.

As mariposa

As mariposa quando chega o frio
Fica dando volta em volta da lâmpida pra se esquentar
Elas roda, roda, roda e dispois se senta
Em cima do prato da lâmpida pra descansar
Eu sou a lâmpida
E as muié é as mariposa
Que fica dando volta em volta de mim
Toda noite só pra me beijar

Outro exemplo dessa despreocupação e genialidade linguística de Adoniran utilizando colocações bem próximas das pessoas de seu entorno, retratando seu modo de viver e de pensar, se reflete em "Samba do Arnesto”:
O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás
Nós fumos, não encontremos ninguém
Nós voltermos com uma baita de uma reiva
Da outra vez, nós num vai mais
Nós não semos tatu!

O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás
Nós fumos, não encontremos ninguém
Nós voltermos com uma baita de uma reiva
Da outra vez, nós num vai mais
No outro dia encontremo com o Arnesto
Que pediu desculpas, mas nós não aceitemos
Isso não se faz, Arnesto, nós não se importa
Mas você devia ter ponhado um recado na porta

O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás
Nós fumos, não encontremos ninguém
Nós voltermos com uma baita de uma reiva
Da outra vez, nós num vai mais

No outro dia encontremo com o Arnesto
Que pediu desculpas, mas nós não aceitemos
Isso não se faz, Arnesto, nós não se importa
Mas você devia ter ponhado um recado na porta
Um recado assim ói: "Ói, turma, num deu pra esperá
Ah, duvido que isso num faz mar, num tem importância
Assinado em cruz porque não sei escrever"
Arnesto.

Seu primeiro grande sucesso foi o clássico samba “Trem das onze”, com esta canção, alcançou o tão esperado apogeu de sua carreira musical. Foi gravada em 1951 pelo compositor e na época, ainda não fazia sucesso, mais adiante, porém, foi regravada pelos “Demônios da Garoa”, onde a música, desta vez, obteve grande sucesso.

Trem das onze

Não posso ficar
Nem mais um minuto com você
Sinto muito amor
Mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã

Não posso ficar
Nem mais um minuto com você
Sinto muito amor
Mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã

E além disso mulher
Tem outra coisa
Minha mãe não dorme
Enquanto eu não chegar
Sou filho único
Tenho minha casa pra olhar
Eu não posso ficar

Não posso ficar
Nem mais um minuto com você
Sinto muito amor
Mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã...

A filha do cantor, Maria Helena Rubinato, única herdeira de Adoniran, foi procurada, em 1989, por Juvenal Fernandes, que era um grande amigo de Adoniran, para assinar um contrato permitindo o lançamento de canções inéditas deixadas pelo sambista. Eram várias folhas rabiscadas com a letra de seu pai, com cerca de 100 músicas. Essas canções que exibiam em seus versos o humor e o vocabulário muito característico de sua personalidade foram editadas em 1990, mas não foram gravadas. Depois da morte de Juvenal foram descobertas pelo produtor de cinema Cassio Pardini, da Latina Estudio quando ele levantava dados para fazer um documentário sobre o sambista. Cassio juntamente com o produtor musical Lucas Mayer, do selo DaFne Music tiveram a ideia de reunir artistas contemporâneos de diferentes estilos para gravar algumas dessas músicas em sua homenagem.

O Projeto intitulado “Adoniran – Se Assoprar Posso Acender de Novo” lançou em 2016 (34 anos após a morte do compositor) um disco e um DVD, trazendo 14 faixas inéditas do artista. A grandiosa produção trabalhou com diversos intérpretes que imprimiram sua marca pessoal nas canções, entre eles: Ney Matogrosso (cantando “Passou”, de Adoniran e Pepe Ávila); Criolo (cantando “Até Amanhã”, de Adoniran e Wilma Camargo); Liniker (cantando “O Barzinho” de Adoniran em parceria com Renato Luiz); Fernanda Takai com Leo Cavalcanti (cantando “O Rostinho de Maria” de Adoniran e Pepe Avila) e Simoninha (cantando "Foi na Mosca".

Em "O Sol e a Lua", o cantor Diogo Poças abre a faixa com uma sonoridade abafada, para lembrar os velhos "radinhos" de pilha, e dispara versos que são puro Adoniran: "Foi assim que eu e a nêga/ Nóis briguemo sem parar/ No barraco da favela/ Nada ficou no lugar". (MENEZES, 2016).

De acordo com Menezes (2016), a exaltação da vida boêmia também transparece em várias músicas: “Em "Só Vivo de Noite", o roqueiro Kiko Zambianchi e sua filha Ana Julia cantam a madrugada em dueto entusiasmado: "De dia eu não sou nada/ De noite sou alguém/ Que toca o violão".

O boêmio, Adoniran, continuou financeiramente instável por toda a vida, nasceu e morreu pobre, mas sua riqueza deixada como herança consiste em seu vasto e irreverente repertório de composições, sendo “eternizado” principalmente pelos sucessos "Saudosa Maloca", "O Samba do Arnesto" e "Trem das Onze".

Saudosa Maloca

Se o senhor não tá lembrado
Dá licença de contá
Que aqui onde agora está
Este adifício arto
Era uma casa véia, um palacete assobradado|

Foi aqui seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construimos nossa maloca
Mas um dia
Nóis nem pode se alembrá
Veio os home com as ferramenta
E o dono mandô derrubá

Peguemos todas nossas coisas
E fumos pro meio da rua apreciá a demolição
Que tristeza que nóis sentia
Cada táuba que caía
Doía no coração

Matogrosso quis gritar
Mas em cima eu falei
Os home tá cá razão
Nóis arranja outro lugar
Só se conformemo
Quando o Joca falou
Deus dá o frio conforme o coberto

E hoje nós pega a paia
Nas grama do jardim
E pra esquecer nóis cantemos assim
Saudosa maloca, maloca querida
Dim dim donde nóis passemo os dias feliz de nossa vida
Saudosa maloca, maloca querida
Dim dim donde nóis passemo os dias feliz de nossa vida.

 

 

Recife, 16 de junho de 2017. 

Fontes consultadas

ADONIRAN Barbosa. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/noticias/personalidades,adoniran-barbosa,897,0.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017.

ADONIRAN Barbosa. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: < http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12474/adoniran-barbosa>. Acesso em: 09 jun. 2017.

ADONIRAN Barbosa [Foto neste texto]. Disponível em: < http://www.radiopositiva.net/site/texto-do-dia/obra-de-adoniran-barbosa-ganha-status-de-patrimonio-de-sao-paulo/>. Acesso em: 15 jun. 2017.

HISTÓRIA do sambista Adoniran Barbosa e Peteleco. 2017. Disponível em: <http://www.revista4patas.com.br/single-post/2017/02/16/Hist%C3%B3ria-do-sambista-Adoniran-Barbosa-e-Peteleco>. Acesso em: 15 jun. 2017.

LUNGARETTI, Celso. Adoniran Barbosa: "O trem nunca foi das onze". Disponível em: <.Acesso">http://vermelho.org.br/noticia/134499-1>.Acesso em 08 jun. 2017.

MENEZES, Thales de. 100 anos de samba. 2016. Disponível em: <http://temas.folha.uol.com.br/100-anos-de-samba/ontem-e-hoje/guardadas-por-amigo-ineditas-de-adoniran-barbosa-sao-lancadas.shtml>. Acesso em 9 jun. 2017.

Como citar este texto

VERARDI, Cláudia Albuquerque. Adoniran Barbosa: o patrono do samba paulista. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2017. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/adoniran-barbosa-o-patrono-do-samba-paulista/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)