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Mel de Engenho (Melado)

Dos derivados da cana-de-açúcar, os mais conhecidos são o açúcar e o álcool. No entanto, existem outros produzidos em menor escala como a cachaça, a rapadura e o mel de engenho.
 

Mel de Engenho (Melado)

Última atualização: 02/08/2022

Por: Lúcia Gaspar - Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco - Especialista em Documentação Científica

Tudo faz crer que o mel de engenho nunca tenha tido vez na mesa dos aristocratas do açúcar. Na hierarquia dos produtos da cana, o mel de engenho, com o seu cheiro gostoso invadindo a casa-grande e dominando os canaviais, com ares de plebeu, sempre foi considerado parente pobre do açúcar, igualzinho ao caldo de cana, ao açúcar bruto e à rapadura. (SOUTO MAIOR, 1973, p. 1).

Dos derivados da cana-de-açúcar, os mais conhecidos são o açúcar e o álcool. No entanto, existem outros produzidos em menor escala como a cachaça, a rapadura e o mel de engenho.

O mel de engenho – conhecido como melado no Sul do Brasil – é um xarope denso, obtido do caldo da cana (Saccharum officinarum), por meio de fervura e evaporação, antes do processo de cristalização do açúcar. A purificação é obtida com a retirada constante da espuma, onde se acumulam as impurezas.

Para sua fabricação, a cana deve ter atingido de doze a dezoito meses após o plantio, dependendo da variedade. A moagem deve ser realizada logo após o corte, não sendo aconselhável ultrapassar o limite máximo de 36 horas. 

Para conseguir um bom produto, além da matéria-prima de boa qualidade, é necessário seguir procedimentos básicos como a limpeza das moendas – que devem ser lavadas antes e depois da moagem da cana – dos reservatórios e dos tachos. É fundamental ainda para sua conservação, a embalagem e o armazenamento adequados, uma vez que o produto pode se deteriorar muito rapidamente. Um fator fundamental para a sua qualidade é o controle da densidade. Todo agricultor sabe que o mel de engenho “fino” “azeda” muito mais rápido do que o “grosso”.O modo mais prático, apesar de empírico, para saber o “ponto” ideal é mergulhar uma espumadeira no melado em ebulição, retirá-la de boca para baixo, elevá-la a altura dos olhos e observar como o mel se desprende de seus bordos.(BAYMA, 1973, p. 50).

Sua produção é uma atividade econômica e socialmente importante para pequenos produtores rurais, uma vez que é a maneira mais econômica e lucrativa de industrializar a cana-de-açúcar. Apresenta-se ainda como uma alternativa a mais para os fabricantes de rapadura e do açúcar mascavo.

Devido ao seu grande valor nutritivo – com alto teor de cálcio, ferro e sais minerais – é recomendado para substituir o açúcar industrializado, principalmente para o consumo diário das famílias e para utilização na merenda escolar.

É um alimento produzido artesanalmente e sem aditivos, muito consumido no Nordeste, assim como em outras regiões brasileiras e no mundo. Nos Estados Unidos, pelo menos até os anos 1940, a cultura da cana-de-açúcar nos estados do Texas, Mississipi, Geórgia, Alabama, Arkansas e Carolina do Sul era destinada apenas à produção do mel de engenho.

Na culinária americana e europeia, o melado é utilizado em caldas para panquecas, pães e bolos, combinado com outros ingredientes como especiarias, frutas cristalizadas, amêndoas e nozes, além de besuntar assados e preparar molhos para carnes e frutos do mar.

Há um ditado popular conhecido no Brasil que se aplica a uma série de situações figuradas, mas também à concreta: Quem nunca comeu melado quando come se lambuza. Quem não está acostumado a comê-lo pode sujar o rosto inteiro e derramá-lo sobre a roupa ou na toalha da mesa.

Na medicina popular esse subproduto da cana-de-açúcar é indicado para quem sofre de anemia, prisão de ventre – por seu efeito laxante – além e ajudar no desenvolvimento dos ossos e dos dentes. 

Na época da colonização, era bastante utilizado na alimentação dos escravos, assim como nas mesas dos senhores de engenho. No sertão nordestino é costume colocar-se mel de engenho sobre a macaxeira cozida, a bata-doce, queijo de coalho ou manteiga, ou misturá-lo com fubá ou farinha de mandioca

Segundo Gilberto Freyre, no seu livro Açúcar (1969, p. 51-52)

[...] O mel de engenho – ou melado – que é o açúcar na sua primeira como que encarnação como sobremesa, é como o chá: é preciso que de pequeno o indivíduo aprenda a saboreá-lo como ele deve ser saboreado. Lentamente e com colher. Ou de garfo, quando misturado à farinha; ou de garfo e faca quando acompanhado de macaxeira ou de mandioca; de cará ou inhame; de pão ou de queijo; de inhamebú ou fruta-pão. Que com qualquer desses acompanhamentos é uma delícia de sobremesa. Delicioso é também o mel de engenho – ou melado – misturado a um pouco d’água sob a forma de garapa; ou acrescentado a um pouco de aguardente como cachimbo que, entretanto, na sua forma ortodoxa deve ser preparado com mel de abelha; ou como ingrediente de certas batidas: a de maracujá, por exemplo. E como bebidas de açúcar não devem ser esquecidos os dois caldos tradicionais de cana: o doce e o picado. [...]

Hoje, o mel de engenho ou melado está sendo resgatado pela gastronomia brasileira, especialmente a pernambucana, no preparo de receitas dos mais variados tipos, ganhando ares de sofisticação com inovações de diversos chefs de cozinha.  

De entradas a pratos salgados – com carne-de-sol, galinha caipira, pernil de cabrito, bolinhos de mandioca – além de sobremesas como o bolo de mel e o queijo de coalho frito com mel de engenho, uma das mais antigas e tradicionais, o mel de engenho está presente em restaurantes especializados em culinária pernambucana e, de uma maneira geral, em cozinha regional nordestina.

 

 

 

Recife, 13 de dezembro de 2012.

Fontes consultadas

BAYMA, A. Cunha. A cana da pequena indústria. 2. ed. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, Serviço de Informação Agrícola, 1949. 


BAYMA, A. Cunha. A cana na pequena indústria: mel-de-engenho. Brasil Açucareiro, Rio de Janeiro, v. 30, n. 6, p. 11-17, dez. 1972;  v.31, n. 1, p. 48-52, jan. 1973.  

MEL de engenho é quase um camaleão.  Diario de Pernambuco, Recife, 18 ago. 2012. 

SOUTO MAIOR, Mário. Gostosuras populares da cana e do açúcar. Brasil Açucareiro, Rio de Janeiro, v.82, n.2, p.32-38, ago. 1973.

SOUZA, Carmelinda Maria de; BRAGANÇA, Maria da Graça L. Processamento artesanal da cana-de-açúcar: fabricação do melado. Disponível em:. Acesso em: 7 dez. 2012.

 

Como citar este texto

GASPAR, Lúcia. Mel de Engenho (Melado). In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2012. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/mel-de-engenho-melado/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)