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Baianas de Acarajé

A comercialização do acarajé, segundo diversos pesquisadores, teve sua origem no período colonial brasileiro, quando as escravas de ganho, de aluguel ou ganhadeiras – que trabalhavam nas ruas para suas patroas – iam pela cidade vendendo mercadorias em seus tabuleiros, como mingaus, peixes fritos, acarajé, abará, bolos, especialmente em cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Recife.

Baianas de Acarajé

Artigo disponível em: ENG ESP

Última atualização: 02/08/2021

Por: Lúcia Gaspar - Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco - Especialista em Documentação Científica

[...] Às vezes nos sentimos órfãs porque trabalhamos sozinhas com nosso tabuleiro, de sol a sol, expostas ao frio, ao calor e mesmo à violência. Mas somos mulheres negras e perseverantes: se não vendemos hoje, venderemos amanhã. Somos um símbolo de resistência desde a escravidão. [...]

Maria Lêda Marques, presidente da Associação das Baianas de Acarajé e Mingau da Bahia (Abam).

A comercialização do acarajé, segundo diversos pesquisadores, teve sua origem no período colonial brasileiro, quando as escravas de ganho, de aluguel ou ganhadeiras – que trabalhavam nas ruas para suas patroas – iam pela cidade vendendo mercadorias em seus tabuleiros, como mingaus, peixes fritos, acarajé, abará, bolos, especialmente em cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Recife.

No século XIX, a maioria das mulheres brancas só exercia atividades domésticas. Quando eram obrigadas a complementar o orçamento familiar, bordavam, costuravam e faziam doces e outros quitutes para serem vendidos pelas ruas nos tabuleiros das ganhadeiras, que geralmente formavam grupos no centro das cidades, de acordo com a etnia, utilizando algumas esquinas que eram chamadas de “cantos”.

As escravas de ganho eram obrigadas a pagar certa quantia aos seus proprietários, podendo ficar com o resto do que arrecadavam. Esse comércio de rua proporcionou a muitas o sustento de suas famílias e, até em alguns casos, a compra de sua própria liberdade, usando os lucros a que tinham direito.

O ofício contribuiu também para a criação de irmandades religiosas e do candomblé. Grande número de filhas de santo iniciou a venda do acarajé para cumprir obrigações religiosas, que teriam que ser renovadas periodicamente.

Mesmo após o fim da escravidão, a venda do acarajé continuou como uma fonte de renda importante para muitas mulheres brasileiras afro-descendentes, sendo também uma das principais fontes de recursos dos terreiros de candomblés, através do trabalho das suas filhas de santo.

Seus trajes típicos, originários das etnias nagô-iorubá, para alguns pesquisadores, e de Daomé para outros, não sofreram muitas transformações: saias rodadas, batas de algodão, panos da costa (pedaço de pano geralmente retangular, branco ou de duas cores, usado sobre os ombros e tendo como principal função distinguir a posição feminina nas comunidades afro-brasileiras), turbantes, fios de contas e outros adereços como colares com as cores dos seus orixás, pulseiras e balangandãs (berloques com a imprescindível figa).

A indumentária era peculiar às negras e mulatas, só sendo utilizadas por mulheres brancas pobres, tidas como “sem sorte”. Apesar disso, a princesa Isabel fantasiou-se de preta baiana em um baile à fantasia realizado em Londres, no dia 7 de fevereiro de 1865, provocando surpresa e diversos comentários na Corte brasileira.

Conhecidas como Baianas de Acarajé ou Baianas de Tabuleiro, principalmente nas ruas de Salvador e em outras cidades da Bahia, são tradicionalmente acompanhadas por seus tabuleiros com acarajé, vatapá, camarão seco, além do abará, lelê, passarinha frita (baço do boi, também conhecido como fígado de alemão), bolo de estudante, cocada branca e preta.

Originalmente simples, confeccionados de madeira, os tabuleiros foram ficando mais sofisticados, com revestimento de vidro e utensílios caros. Atualmente, uma das inovações promovidas por órgãos de governo baianos é a sua padronização. Os bairros soteropolitanos do Bonfim, Pelourinho, Barra, Ondina, Rio Vermelho, Itapuã e Piatã, entre outros, são os pontos mias característicos das baianas do acarajé na cidade.

Mesmo sendo comercializado em contexto profano, o acarajé é considerado comida sagrada pela maioria das baianas, não devendo ser dissociado do candomblé, apesar da grande concorrência atual feita por bares e restaurantes baianos que o vendem como fast-food.

Algumas baianas, no entanto, acreditam que o acarajé é um alimento de Iansã e Xangô, porém sua venda não deve ficar restrita aos integrantes do candomblé, podendo ser comercializada por pessoas de outras religiões, desde que seja exigido o respeito às tradições.

As atividades das baianas de acarajé incluem muito trabalho diário. Levantam cedo para comprar os ingredientes, que devem ser de boa qualidade e a preços acessíveis, enfrentam problemas de local para a guarda dos seus tabuleiros além de um processo árduo de exposição ao sol, à chuva e à violência.

Com o objetivo de salvaguardar o ofício da baiana de acarajé, preservando suas raízes africanas, tradição e cultura, foi criada no dia 11 de abril de 1992, a Associação das Baianas de Acarajé e Mingau da Bahia (Abam).

O trabalho da Abam é voltado para a profissionalização da atividade, promovendo cursos de higiene alimentar e gestão financeira para auxiliar as baianas a administrar melhor seus lucros.

O Ofício das Baianas de Acarajé tornou-se patrimônio cultural imaterial do Brasil, em agosto de 2005. O inventário que instruiu o processo foi realizado pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular.

O registro inclui os rituais de produção do acarajé em Salvador, Bahia: seus recheios; a arrumação e o uso do tabuleiro; o local onde as baianas se instalam para a venda; sua comercialização e o uso do traje próprio, assim como todos os saberes e fazeres da produção e comercialização das chamadas comidas de baiana, feitas com dendê, além das cocadas, bolos e mingaus.

O Dia Nacional da Baiana, instituído pela Lei nº 12.206, de 19 de janeiro de 2010, é comemorado no dia 25 de novembro, iniciando-se as atividades comemorativas desde o dia 20, com o Dia da Consciência Negra.
 

 

Recife, 17 de novembro de 2010.

Fontes consultadas

BAIANAS do acarajé. Disponível em: <www.cultura.gov.br>. Acesso em: 27 dez. 2010.

CANTARINO, Carolina. Baianas do acarajé: uma história de resistência. Disponível em: <http://www.dc.mre.gov.br/imagens-e-textos/revista-textos-do-brasil/portugues/revista13-mat16.pdf>. Acesso em: 27 dez. 2010. Artigo originariamente publicado na Patrimônio – Revista Eletrônica do Iphan (ISSN: 1809-3965).

DAVID, Maria Lenilda. A baiana do acarajé: imagens do real e do ideal. Revista da Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo, v. 57, p. 147-155, jan./dez. 1999.

NASCIMENTO, Francesca Rêgo: SERPA, Angelo. A geografia das redes de produção e consumo do acarajé em Salvador: estratégias e conflitos na territorialização das baianas empresárias no bairro do Rio Vermelho. Cutlrua Vozes, ano 95, v. 95, n. 2, p.129-145, mar./abr. 2001.
 

Como citar este texto

GASPAR, Lúcia. Baianas de Acarajé. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2003. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/baianas-de-acaraje/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)