A matéria prima para se fazer a farinha de mandioca (jatropha manihot), é uma planta da família das Eufrobiáceas, um tubérculo conhecido, cultivado e convenientemente aproveitado pelos índios em produtos alimentícios, como puderam constatar os portugueses quando chegaram ao Brasil.
Os índios chamavam as suas plantações, ou roças de mandioca, demandiotuba. A mandioca amolecida, fermentada ou apodrecida para o fabrico de farinha ou extração da goma, de mandiopuba, e a farinha misturada com água, o pirão, de uypeba.
Em Pernambuco existiam várias espécies de mandioca: branquinha, cruvela, caravela ou mamão, engana-ladrão, fria ou da mata, landim, manipeba, vermelha, entre outras, além da mandioca brava, muito venenosa.
A casa de farinha é o local onde se transforma a mandioca em farinha, ingrediente usado na fabricação de vários alimentos, entre os quais o beiju, conhecido pelos índios como mbyú, muito apreciado na região Nordeste do Brasil. Em 1551, o padre jesuíta Manoel da Nóbrega quando escreveu sobre sua visita a Pernambuco, já fala sobre o beiju e as farinhas fabricados pelos indígenas.
No período colonial, a farinha de mandioca era usada para a alimentação dos escravos, dos criados das fazendas e engenhos, além de servir também como suprimento de viagem para os portugueses (farnel de viajantes).
Em algumas regiões, objetivando tornar o alimento menos perecível, misturava-se a farinha de mandioca com a farinha de peixe seco, socada em pilão.
O processo de produção da farinha de mandioca começa no plantio das manivas. Depois da colheita da raiz (tubérculo), a mandioca é levada direto da roça para a casa de farinha, onde é descascada e colocada na água para amolecer e fermentar ou pubar. Em seguida, é triturada ou ralada em pilão ou no ralador ou caititu. A mandioca ralada vai caindo em um cocho, sendo depois prensada no tipiti (tipi = espremer e ti = líquido, na língua tupi) para retirar um líquido venenoso chamado manipueira (ácido anídrico). Depois de peneirada e torrada, a farinha está pronta para o consumo.
O líquido que sobra da pubagem tem um alto teor alcoólico. No Pará, esse líquido, depois de ser submetido à ação do sol ou do fogo para retirar sua toxidade, é usado no preparo do tucupi, espécie de molho muito apreciado na cozinha amazônica como o famoso pato no tucupi.
A massa da mandioca, que decanta durante a pubagem, é utilizada como goma para engomar roupa ou para a fabricação de alimentos como mingau, papa, sequilho, bolo, tapioca.
Na casa de farinha as tarefas são divididas: alguns homens são responsáveis pelo processo de arrancar a mandioca da roça e transportá-la para a casa de farinha. As mulheres e crianças raspam os tubérculos e extraem o amido ou polvilho. O trabalho se estende pela noite, quando acontecem as chamadas farinhadas. Aparecem os sanfoneiros, violeiros, dançadores e entre goles de cachaça, café com beiju e muita alegria, o trabalho continua a noite inteira.
A farinha de mandioca é mais usada para se fazer vários tipos de farofa, pirão, beiju e em uma grande quantidade de receitas da culinária brasileira.
A casa de farinha ajudou a fixar o homem à terra, transformando a mandioca num importante alimento, responsável pela diminuição da fome em algumas regiões brasileiras.
Recife, 24 de julho de 2003.
Fontes consultadas
ARAÚJO, Alceu Maynard. Brasil: história, costumes e lendas. São Paulo: Ed. Três, 1982. p. 170. v. 2.
CASA de farinha. Disponível em: <http://www.tvliberal.com.br/revistas/npara/edicao8/farinha.htm>. Acesso em: 25 jun. 2003.
CASA de farinha. Foto nesse texto. Disponível em: <www.vivaubatuba.com.br>. Acesso em: 9 ago. 2016.
DIAS, Celina Silva Paiva de Mello. Casa de farinha. Disponível em: <http://www.reservataua.com.br/Casa_de_Farinha.htm>. Acesso em: 26 jun. 2003.
PAIXÃO, Ana Rita; LEMOS, Fernando. Casa de farinha. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Ciência e Cultura. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, 1986.
PEREIRA DA COSTA, Francisco Augusto. Anais pernambucanos. 2.ed. Recife: Fundarpe, Diretoria de Assuntos Culturais, 1983. p. 398-401. v. 6. (Coleção pernambucana, 7, 2ª fase).
Como citar este texto
GASPAR, Lúcia. Casa de farinha. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2003. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/casa-de-farinha/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)