Dificilmente hoje em dia imaginamos nossa vida sem o café, tão forte é o costume de tomá-lo que no Brasil o desjejum é chamado de “café da manhã”.
Beber esse líquido negro e precioso que está presente em muitas ocasiões e em muitos lugares do mundo é um ato milenar quase ritualistíco e possui uma história de altos e baixos que se mantém ao longo dos séculos. Porém, é bem mais complicado do que se imagina todo o processo até o café chegar à mesa, uma vez que o cafeeiro, de acordo com Guimarães (2010), pode demorar até seis anos para germinar, pois a planta para frutificar depende muito das condições naturais.
O café foi descoberto na Etiópia por volta do ano de 525 (d.C.) e, posteriormente, atravessou o Mar Vermelho e foi levado para a Arábia. De acordo com Mistro (2012), o nome café não é originário de Kaffa como o nome sugere e, sim, da palavra árabe qahwa, que significa vinho. Por esse motivo, o café era conhecido como “vinho da Arábia”.
Os etíopes se alimentavam, segundo Martins (2010), de sua polpa doce, por vezes macerada ou misturada em banha, e também produziam um suco que, fermentado, se transformava em bebida alcoólica. As folhas eram aproveitadas para o preparo de chá ou simplesmente mastigadas. A partir do ano 1000 (d.C.) é que ocorreria a infusão do fruto (mergulhado em água fervente para obter dele outra substância) com as cerejas fervidas em água, para fins medicinais. No século XIV, com a torrefação, a bebida adquiriu finalmente a forma e o gosto como a conhecemos hoje. Admite-se, porém, a hipótese de que os árabes teriam começado a tomar café no século XV.
Existem várias especulações sobre a origem do café, mas diversos autores citam uma das mais importantes "lendas" da sua descoberta: conta-se que um pastor etíope foi quem percebeu que algumas de suas cabras mudaram seu comportamento após ingerir as folhas da planta de café, e esse fato influenciou o hábito de monges que se interessaram pelo produto.
A lenda de Kaldi, segundo Martins (2012), registrada em manuscritos do Iêmen, do ano de 575, é considerada a primeira referência alusiva ao café e vem merecendo várias versões como costuma acontecer com a narrativa lendária escrita ou oral, fruto da imaginação popular ou da imaginação poética. Mas inalterável é a descrição da descoberta do efeito estimulante da fruta sobre as cabras pelo referido pastor da Etiópia (Nordeste da África).
Da Etiópia, o café foi levado para a Arábia. Os árabes tentaram manter o privilégio da descoberta, pois foram os primeiros a cultivar essa planta "milagrosa", que, devido ao seu uso na medicina da época para a cura de diversos males, assumiu grande importância social. Da Arábia foi levado primeiramente para o Egito no século XVI e, em seguida, para a Turquia.
De acordo com Martins (2012, p.21), “O hábito de tomar café como bebida prazerosa, em caráter doméstico ou em recintos coletivos, deslancharia a partir de 1450”. E ainda nos conta a autora que, ao longo do século XVI, os arábes ampliaram as plantações e que a região de Moka, perto do Iêmen, foi uma das maiores responsáveis pelo cultivo bem como o maior exportador na época. Porém, cabe à Turquia o pioneirismo do hábito de tomar café como ritual de sociabilidade.
Em 1475, foi aberto o primeiro café do mundo: o Kiva Han em Constantinopla (atual Istambul, Turquia), marcando o início do consumo generalizado da bebida. Depois foram aparecendo luxuosas e suntuosas cafeterias pelo Oriente, quando também nasceu a ideia de adicionar açúcar à bebida.
Até o século XVII, somente os árabes produziam café, e alemães, franceses e italianos buscavam avidamente uma maneira de desenvolver o plantio em suas colônias. O Continente Europeu começou a saborear o café a partir de 1615, trazido dos países árabes por comerciantes italianos. Principalmente em Veneza foi desenvolvido o hábito de tomar café associado aos encontros sociais e à música nas alegres botteghe del caffè (lojas de café). Até hoje os cafés italianos têm tradição e fazem parte da cultura local. O Café Florian, em Veneza, ainda preserva o glamour do século XVII.
A Inglaterra, no entanto, foi o primeiro país da Europa a cultivar o hábito do café. Em 1652, foi aberto em Londres o Pasqua Rosée que levava o nome do proprietário, de origem grega. Ao longo do século XVIII, os famosos cafés ingleses faziam parte do cenário cotidiano, alguns deles de bastante destaque, como: Lloyd’s, Dick’s, Nando’s, Percy e Bedford Coffehouse, este último um dos mais tradicionais. Porém, em meados do século XIX, a cultura do chá substituiu a do café e, portanto, o produto deixou de ter tanta importância para os britânicos.
A França, por sua vez, a partir do século XVIII, se encarregou de manter as cafeterias como espaço de aprendizado e convívio social e foi o primeiro país da Europa a adicionar açúcar ao café. Paris possuía, em 1720, cerca de 380 estabelecimentos, chegando a 900 cafeterias no final do século anteriormente citado. Um dos mais famosos cafés parisienses foi aberto em 1686, o Café Procope, fundado por Procópio dei Coltelli, que é considerado o mais antigo café do mundo em atividade até os dias de hoje, tendo sido transformado no restaurante Le Procope (ver:http://www.procope.com/).
Diversos autores afirmam que o café chegou ao Brasil em 1727 vindo da Guiana Francesa, através de Francisco de Mello Palheta, que, inicialmente, estabeleceu uma modesta lavoura em Belém do Pará. A pedido do governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão*, em 1727, o Sargento-mor Francisco de Melo Palheta (posto que equivalia ao de atual Major) partiu numa missão para conseguir mudas de café, produto que, já naquela época, tinha grande valor comercial. Havia, porém, uma lei (Provisão Régia, de 8 de janeiro de 1721) que vedava aos colonos do Brasil o comércio com os franceses da Guiana (a que se juntou, depois, o bando de Claude d’Orvilliers, proibindo aos moradores da colônia francesa que vendessem aos portugueses café “capaz de nascer”).
Diante de tanta dificuldade, mas face ao imenso interesse na introdução da “rubiácea” (como era apelidada a planta do café) no Brasil, o próprio governador aconselhou, de acordo com Magalhães (1939, p. 85), ao cabo da expedição pura e simplesmente o furto de “Algum par de graons” de café. Não se pode censurá-lo por tal procedimento, ainda segundo o citado autor, tendo em vista que já naquele tempo era corrente na tradição oral portuguesa o adágio popular: “Quem furta a ladrão tem cem anos de perdão”. Essa referência a esse adagio se deve ao fato de que a introdução do café na França não teria sido feita de forma distinta. Palheta, no entanto, não obedeceu a ordem dessa maneira, pois teria, supostamente, durante a viagem à Guiana Francesa, se aproximado da esposa do governador e conseguido o produto por camaradagem.
De acordo com Basilio de Magalhães (1939, p. 66), tudo indica que o comandante da expedição tenha ido ao palácio da suprema autoridade de Caiena e ali lhe teriam servido uma xícara de café, que ele, ao tomar pela primeira vez na vida, lamentou não existir ainda na sua terra tão saborosa bebida. A esposa do governador, Madame Claude D’Orvilliers, “com a galanteria peculiar das francesas de bom-tom”, teria metido em um dos bolsos de seu casaco, à vista do marido sorridente, um punhado de grãos de café para que ele pudesse renovar, em casa, quando regressasse a Belém, o prazer que a bebida lhe havia proporcionado. Essa intervenção lendária ou real seria, segundo o referido autor, apenas um motivo poético, pois Palheta adquiriu em Caiena cinco pés de cafeeiro e muito maior porção de sementes do que as que a tradição atribui à fidalga mão de Madame Claude D’Orvilliers.
Francisco de Melo Palheta não subtraiu criminosamente, mas comprou legitimamente (apenas violando a citada provisão régia de 1721) as cinco mudas e mil e tantas sementes da preciosa planta, que havia de tornar-se o “Brasiliae fulcrum”, na bela expressão de Afonso Taunay (MAGALHÃES, 1939, p. 57).
As primeiras plantações foram feitas em Belém (Região Norte), e as mudas posteriormente foram usadas para plantios na Região Nordeste (Maranhão e Bahia).
Segundo Magalhães (1939, p.85), entre 1760 e 1762, por iniciativa do desembargador João Alberto Castelo-Branco, vieram do Maranhão para o Rio de Janeiro as sementes da rubiácea, que, plantadas na capital do vice-reino, forneceram os germes dos cafezais da província fluminense e, em seguida, dos de Minas Gerais, São Paulo e outras regiões, como Espírito Santo e Bahia.
De acordo com Guimarães (2010, p.24), foi no Rio de Janeiro, principalmente nas regiões mais elevadas, que o arbusto encontrou essas características ideiais para o cultivo, como solo e clima. Ainda de acordo com o autor, no início do século XIX, o cultivo foi expandido para o oeste do Rio de Janeiro, chegando à região do Vale do Paraíba fluminense e paulista, o “oeste velho” paulista. A vinda da Corte para o Rio de Janeiro em 1808 foi um marco nesse incremento da expansão cafeeira.
Na primeira parte do século XX, o sucesso da lavoura cafeeira em São Paulo fez com que o estado se tornasse um dos mais ricos do país, fato que teve influência na política. Fazendeiros destacados indicavam ou se tornavam presidentes do Brasil.
O café não ditou apenas a economia brasileira: a riqueza produzida na lavoura também guiou os rumos políticos do país durante muitas décadas. Dos barões do café às medidas de valorização adotadas por Getúlio Vargas, os cafezais tiveram grande influência no círculo do poder (ELIAS, 2010, p. 27).
Durante o período imperial (1822-1889), era preciso uma negociação maior entre os grandes produtores de café e o centro do poder político. A Constituição de 1824 tinha caráter centralizador e o poder estava nas mãos do imperador. A partir da Constituição de 1891 (republicana e federalista), as elites econômicas locais passaram a ter mais força no centro da decisão política. A influência dos grandes cafeicultores se fortaleceu com os governos dos militares Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894). O primeiro presidente civil Prudente de Moraes (1894-1898) nascido em uma fazenda de café e com o estabelecimento da chamada “política dos governadores” por seu sucessor, Campos Salles (1898-1902). Foi montada a fórmula da sucessão presidencial: as elites do estados produtores de café (principalmente São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) escolhiam um candidato à Presidência que disputaria com um candidato fadado desde o início à derrota. Isso acontecia porque o resultado das eleições era submetido a uma comissão de verificação diretamente ligada ao governo e ao grupo político e econômico instalado no poder.
Ao longo da Primeira República, o sistema político ficou conhecido como Política do Café com Leite, o que se referia à preponderância dos estados mais ricos da Federação: São Paulo (o maior produtor de café) e Minas Gerais (grande produtor agropastoril, com destaque para a pecuária, e excelente produtor de leite).
A Política do Café com Leite foi rompida em 1930 com a eleição presidencial e o movimento revolucionário que levou Getúlio Vargas ao poder. No entanto, o próprio Getúlio teve que adotar medidas de proteção aos produtores do café que enfrentavam, na época, uma crise econômica, conservando seu importante papel no comércio nacional e no panorama político.
O café, com certeza, continuou a frequentar os palácios do Rio de Janeiro e, a partir de 1960, os de Brasília. Mas agora emprestando seu sabor às decisões que atendem a outros interesses econômicos, nem sempre mais nobres que os dos velhos cafeicultores (ELIAS, 2010, p. 27).
O maravilhoso produto não se ateve simplesmente a influenciar a economia e a política, inspirou também, entre outras manifestações artísticas e literárias, alguns versos populares como demonstra, segundo Magalhães (1939, p. 198), uma quadra popular ouvida na Bahia:
Parece história, parece,
Mas fantasia não é:
A vaca branca dá leite,
E a preta é que dá café.
Atualmente, o Brasil ocupa a posição de maior produtor e exportador de café (em grãos) do mundo. Responsável por mais de um terço da produção mundial, o país está também entre os maiores consumidores.
A rica e curiosa história do café que teve influência na economia, na política, na cultura, na arte e inclusive na literatura nos permite avaliar o quão precioso é esse produto para o Brasil e para o mundo desde seu surgimento até os dias de hoje. Não é à toa que Martins (2012, p.3) cita o ditado mais que justo sobre o maravilhoso líquido negro: “Segure uma xícara exalando o aroma de um bom café e você estará com a história em suas mãos”.
* Em 1534, a Coroa Portuguesa dividiu o Brasil em 14 capitanias. O Grão-Pará foi uma das capitanias da América Portuguesa, que integrava, inicialmente, o Estado do Grão-Pará e Maranhão. Em janeiro de 1751 o Estado do Maranhão passou a denominar-se Estado do Grão-Pará e Maranhão, tendo a sua capital sido transferida da cidade de São Luís para a de Belém do Pará.
Curiosidades:
- No século XIV, o café, impregnado na cultura islâmica, foi incluído até mesmo na legislação turca, segundo a qual as esposas podiam pedir divórcio caso os maridos não provessem a casa de uma cota de café. E coube à Turquia o pioneirismo do “hábito do café”, que ali se transformou em ritual refinado. (MARTINS, 2010);
- O café sofreu algumas resistências entre os próprios árabes, pois alguns consideravam suas propriedades contrárias às leis do profeta Maomé, indo, portanto, de encontro às suas crenças religiosas. O poder do café venceu os preconceitos e até os doutores maometanos aderiram à bebida para favorecer a digestão, alegrar o espírito e afastar o sono, segundo os escritores da época.
- Maiores produtores de café: Brasil, Vietnã, Indonésia, Colômbia, Índia e Etiópia.
- Principais consumidores de café: EUA, Brasil, Alemanha, Japão, China.
Fontes consultadas
ELIAS, Rodrigo. Do cafezal ao cafezinho. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, a. 5, n. 57, p. 27, jun. 2010.
GUIMARÃES, Carlos Gabriel. O café e a conta. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, a. 5, n. 57, p. 24-26, jun. 2010.
MAGALHÃES, Basílio de. O Café na História, no Folclore e nas Belas-Artes. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,1939. (Série 5ª - Brasiliana, v. 174). Disponível em : <http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/02385800#page/4/mode/1up>. Acesso em : 24 ago. 2015.
MARTINS, Ana Luíza. Elixir do mundo moderno: fruto exótico em sua origem africana, o café se tornou um produto cobiçado, sinônimo de luxo e elegância. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, a. 5, n. 57, p. 20-23, jun. 2010.
MARTINS, Ana Luiza. Historia do Café. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012.
MELLO, Sueli. A Saga do café. São Paulo. Problemas Brasileiros, a. 42, n. 367, p. 4- 9, jan./fev. 2005.
MISTRO, Julio César. A cultura do café. São Paulo: Instituto Agronômico (IAC/APTA), 2012. Disponível em: <https://petfaem.files.wordpress.com/2013/10/a-cultura-do-cafc3a9.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2015.
NEVES, C. A estória do café. Rio de janeiro: Instituto Brasileiro do Café, 1974.
TAUNAY, A. de E. História do café no Brasil: no Brasil Imperial: 1822-1872. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1939.
Como citar este texto
VERARDI, Cláudia Albuquerque. Café: origem e tradição. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2015. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/cafe-origem-e-tradicao/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)