A taieira é uma dança-cortejo, de cunho religioso e profano, cujos participantes entoando cantigas religiosas e populares, dançando e tocando instrumentos de percussão, acompanham a festa de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, os santos padroeiros negros, comemorada no dia seis de janeiro (Dia de Reis).
Os mais antigos registros da taieira no Brasil datam, ao que tudo indica, do século XVIII, por ocasião das comemorações do casamento de Dona Maria I, realizadas em 1760, em Santo Amaro, na Bahia.
Há algum tempo, essa manifestação folclórica era encontrada em várias cidades alagoanas, sergipanas e baianas. Hoje, no entanto, a traieira continua existindo, de forma regular, em poucos locais, como nos municípios de Laranjeiras, São Cristóvão e Japaratuba, em Sergipe.
As danças da traieira são executadas em roda ou em duas fileiras. Seus personagens são compostos pelas Taieiras, dançarinas vestidas com blusa vermelha e saia branca enfeitada com fitas coloridas; Guias ou as chefes dos cordões ou fileiras, que usam uma faixa verde na cintura e outra amarela cruzando o peito (as cores são invertidas no outro cordão), pulseiras, colares, um chapéu branco com fitas e flores vermelhas, além de uma pequena cesta pendurada no braço ; as Lacraias (corruptela de lacaia), moças que seguram as sombrinhas para as rainhas e que não usam trajes especiais; Capacetes, meninos que guardam os reis; Ministro, menino que acompanha o rei; Patrão, o rapaz que toca o tambor; Rei, o menino coroado e as Rainhas, mulheres que usam traje de passeio comum, com uma mantilha de renda sob os ombros, um lenço branco de forma triangular na cabeça, preso por uma fita, e uma coroa de papelão enfeitada com areia prateada, colares e pulseiras. Um pedaço de pau com cerca de 70 cm, recoberto de papel e encimado por flores de plástico, lhe serve de cetro.
Os trajes dos personagens masculinos são semelhantes, distinguindo-se apenas por pequenos detalhes. Todos usam calças vermelhas, com listras amarelas na lateral, camisas de mangas compridas azuis, também com tiras amarelas. Os acessórios é que identificam os personagens: o Patrão usa chapéu branco e seu tambor é enfeitado de amarelo e vermelho; os Capacetes vestem um manto vermelho, uma coroa de papel prateado e uma espada de madeira; o Ministro, um manto branco, capa azul, espada e coroa dourada encimada por uma meia-lua e o Rei, um manto amarelo, capa azul com enfeites de arminho, luvas, espada, coroa dourada com uma estrela dourada, medalhas e “condecorações”.
Os instrumentos musicais utilizados são os querequexés, um tipo de ganzá feito de flandre, e o tambor. Em algumas danças, chamadas combate, as varetas funcionam como instrumentos de marcação do ritmo.
A dança possui uma coreografia simples, com passos ora lentos ora mais rápidos, sincronizados com o canto e o bater das varetas. Estas ocupam um lugar de destaque, não só pela frequência, como pela beleza do movimento apresentado. Durante os "combates", as dançarinas batem ritmicamente as varetas que trazem consigo e executam movimentos sinuosos chamados de “meia-lua”.
As Rainhas são coroadas durante a missa, com a coroa de Nossa Senhora do Rosário, que o padre toma nas mãos, pousa nas suas cabeças, as abençoa e se retira. Depois disso, as coroas de papelão voltam às cabeças das Rainhas. Em seguida, as taieiras formam duas alas na nave central da Igreja, fazem genuflexão e ao som do tambor e dos querequexés louvam os santos, oferecendo-lhes flores:
Sinhô São Binidito, taiê
São Binidito valei-se
Aqui está sua devota, taieira
Com sua devoça, istarei
Depois das louvações, retiram-se do templo sem dar as costas para o altar e seguem pelas ruas da cidade executando sua dança-cortejo.
A taieira é apresentada na Igreja, para a coroação das Rainhas, e a louvação dos santos nas residências das pessoas mais destacadas da cidade ou na frente da Matriz.
Os cantos, com temas religiosos e profanos, louvam e pedem proteção aos santos, assim como refletem situações sociais do presente e do passado, relembrando a realeza do Congo:
Senhora do Rosário
Senhora do mundo
Dê-me um copo d’agua
Se não vou ao fundo!
Catarina mubamba mandou me chamá
Louvô em terra louvô no má
A rainha do Congo mando me chamá
Tradicionalmente ligada às festividades do ciclo natalino católico, a traieira atualmente é apresentada também em festivais culturais e encontros folclóricos. Em Laranjeiras, a dança também faz parte da festa de Bom Jesus dos Navegantes.
Recife, 26 de outubro de 2010.
Fontes consultadas
DANTAS, Beatriz G. Taieira. Rio de Janeiro: Funarte, 1976. (Cadernos de folclore, 4).
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 11. ed. São Paulo: Global, 2001. p. 659-660.
RIBEIRO, Hugo Leonardo. Etnomusicologia das traieiras de Sergipe: uma tradição revista. 2003. Dissertação (Mestrado em Musica) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufba.br/tde_arquivos/14/TDE-2005-03-03T142254Z-6/Publico/Dissertacao_S.pdf. Acesso em: 22 out. 2010.
ROCHA, Jose Maria Tenório. Folguedos e danças de Alagoas: sistematização e classificação. Maceió: Comissão Alagoana de Folclore, 1984.
Como citar este texto
GASPAR, Lúcia. Taieira. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2010. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/taieira/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)