Um dos mandamentos da Igreja Católica é abster-se de carne [vermelha] e observar o jejum nos dias por ela estabelecidos [Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira Santa]. Essa convenção remonta ao século XI, quando o Papa Urbano II a determinou como prática de penitência. O peixe, símbolo profundo na tradição cristã, tornou-se assim, uma opção para o consumo de carne na Semana Santa. Em grego, a palavra peixe – ichtys – servia para a identificação entre os seguidores de Cristo quando eram perseguidos. São as letras iniciais da seguinte frase, em grego: “Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador”.
Em quase todas as regiões brasileiras o peixe reina em inúmeras receitas culinárias elaboradas especialmente para o período da semana santa. A variedade de pescados típicos do litoral brasileiro estimula o seu preparo nas mais diversas formas. Os ingredientes locais, herança das culturas étnicas – portuguesa, hispânica, africana e ameríndia –, são responsáveis pela adequação dos alimentos do período pascal ao paladar de cada região. Neles são acrescentados condimentos africanos, indígenas, muito de adaptação do povo brasileiro aos costumes portugueses – azeite, vinhos e bacalhau –, temperos e iguarias.
Incorporem-se a esse sincretismo gastronômico pratos feitos com coco, como o bredo – erva de cujas folhas são feitos os caldos encorpados de legumes e ensopados que acompanham os frutos do mar –; o feijão e o purê de jerimum, conhecido por quibebe (palavra originária de um dos dialetos africanos). O quibebe tem o seu preparo variado: pode ser temperado com cebola e salsinha picada e, também, em alguns estados do Nordeste brasileiro, com carne-seca desfiada, alho, cebola, salsa e pimenta-do-reino quando, é claro, quem for degustá-lo não siga nenhuma recomendação religiosa no que se refere ao consumo de carne.
A presença do bacalhau na mesa brasileira remonta as primeiras décadas da colonização portuguesa e sua origem é, basicamente, do mar da Noruega. Bacalhau é o nome “genérico” de quatro peixes, o Saithe, o Ling, o Zarbo e, o mais nobre deles, o Cod. Com o bacalhau são elaborados pratos que, muitas vezes, seguem à risca a maneira como o povo lusitano o prepara ou de outra forma, com adaptações ou acréscimos, sem comprometer o sabor.
Em Portugal, na Páscoa, come-se também a carne de cordeiro. Segundo o Antigo Testamento, na Páscoa dos judeus, um cordeiro era sacrificado e degustado na ceia. O animal deveria ser macho, de um ano e sem defeito, assado inteiro, sem quebrar os ossos, acompanhado de ervas amargas e pão ázimo. No Brasil, poucos fieis adotariam esse cardápio. A maioria prefere o bacalhau, camarão, lagosta, crustáceos e peixes de todos os tipos.
A presença dos ovos na Páscoa remonta à antiga Pérsia – onde eram utilizados ovos de galinha – para evocar a vida no final do inverno.
Os orientais tinham como costume cozinhá-los com beterraba e, após a infusão de ervas como açafrão, embrulhá-los com cascas de cebola. Os egípcios, persas e chineses distribuíam os ovos, que depois de retirados da casca ficavam com desenhos mosqueados, no início da primavera. Para eles, o ovo significa, sobretudo, a origem da vida. O hábito foi adotado, séculos depois, pelos cristãos como símbolo oficial da Páscoa representando a ressurreição da Humanidade.
Os ovos naturais foram utilizados durante alguns séculos pelos católicos, mas com o decorrer dos anos foram substituídos pelos de chocolate.
Vindos de Paris, chegaram ao Brasil na segunda década de 1900 e poucos tinham acesso à guloseima. Depois do avanço dos processos industriais, que permitiu maior produção e diminuição do custo, o ovo de chocolate ganhou espaço na mesa de quase todas as famílias.
Segue uma das receitas tradicionais da culinária pernambucana para a Domingo de Páscoa:
BACALHAU DE COCO ACOMPANHADO DE FEIJÃO DE COCO, QUIBEBE E BREDO
Ingredientes:
2 kg de bacalhau
2 cocos ralados
azeite
1 cebola
1 pimentão vemelho
2 dentes de alho
3 tomates
cheiro verde
pimenta do reino
sal
batatas cozidas
Preparo:
Na véspera, ponha o bacalhau de molho na geladeira. Troque a água várias vezes. Retire pele e espinhas. Corte em pedaços grandes, enxugue, passe no trigo, frite ligeiramente e reserve.
Prepare o molho de coco: na panela, azeite, cebola, alho, pimentão, tomate e cheiro verde. Refogue ligeiramente. Junte o leite de coco e deixe ferver, mexendo de vez em quando. Retire o cheiro verde, passe no liquidificador, coe e volte ao fogo.
Junte o bacalhau, deixe ferver novamente. Junte as batatas cozidas.
Tempere com pimenta e sal, se necessário.
Para o feijão de coco
Ingredientes:
1 kg de feijão mulatinho
2 cocos
azeite
cebola
tomate
cheiro verde
sal e pimenta a gosto
Preparo:
Cozinhe o feijão em água e sal e reserve.
Raspe os cocos e passe no liquidificador com 2 xícaras do caldo onde foi cozido o feijão
Refogue todos os temperos no azeite. Passe o feijão no liquidificador e depois peneire.
Junte o refogado ao creme de feijão, o leite de coco, e leve ao fogo mexendo sempre até engrossar. Tempere com sal e pimenta.
Para o quibebe
Ingredientes:
1 kg de jerimum (abóbora)
1 cebola picadinha
2 dentes de alho amassados
azeite, sal e pimenta
250 ml de leite de coco
Preparo:
Refogue a cebola e o alho no azeite. Junte o jerimum e deixe cozinhar até ficar macio. Vá juntando água aos poucos, se necessário, para que não peque no fundo da panela. Amasse ou passe pelo espremedor ou processador. Volte ao fogo com o leite de coco e deixe ferver mexendo até engrossar. Sirva quente como acompanhamento de peixes e crustáceos.
Para o bredo
Ingredientes:
2 maços de bredo
250 ml de leite de coco
4 tomates
1 cebola média picada
2 dentes de alho amassados
coentro picado
2 colheres de sopa de azeite de oliva
sal e pimenta a gosto
Preparo:
Destaque as folhas do bredo, lave-as e leve para escaldar para tirar o visgo. Escorra e reserve. Faça um molho fritando a cebola e o alho no azeite. Junte os tomates e deixe cozinhar até encorpar. Junte o coentro e tempere com sal e pimenta. Acrescente o bredo e deixe cozinhar cerca de 10 minutos. Junte o leite de coco e assim que levantar fervura apague o fogo.
Recife, 25 de março de 2013.
Fontes consultadas
CAVALCANTI, Maria Lectícia Monteiro. A Páscoa do Cordeiro de Deus. Continente Multicultural, Recife, ano 1, n. 4, p. 52-53, abr. 2001.
LEÃO, Carolina. Culinária e tradição das refeições da Semana Santa no Nordeste. Suplemento Cultural [do] Diário Oficial do Estado de Pernambuco, Recife, ano 15, p. 10-11, abr. 2001.
Como citar este texto
BARBOSA, Virginia. Semana Santa: tradições culinárias. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2013. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/semana-santa-tradicoes-culinarias/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)