Imagem card

Samba de Roda

A manifestação envolve música, dança e poesia. O formato de círculo, ou semicírculo, é estrutural e dá nome ao bem: samba de roda.

Samba de Roda

Artigo disponível em: ENG ESP

Última atualização: 29/03/2022

Por: Júlia Morim - Consultora Fundação Joaquim Nabuco/Unesco - Cientista Social, Mestre em Antropologia

Estou com as pernas travadas de reumatismo, a pressão circulando, a coluna também. Mas quando toca o pinicado do samba eu acho que fico boa. Eu sambo, pareço uma menina de 15 anos.
(Dalva Damiana de Freitas. In: IPHAN, 2006, p. 57).

Considerado patrimônio cultural do Brasil (2004) e da Humanidade (2005), o samba de roda é uma expressão cultural com ocorrência em todo o estado da Bahia, com variações conforme características históricas, sociais e ecológicas, e tem maior incidência no Recôncavo Baiano, região que circunda a Baía de Todos os Santos.

A manifestação envolve música, dança e poesia. O formato de círculo, ou semicírculo, é estrutural e dá nome ao bem: samba de roda. Os tocadores, utilizando principalmente o pandeiro, o prato-e-faca e a viola, fazem parte do círculo. Os demais integrantes acompanham com palmas. A dança acontece dentro da roda. A coreografia típica, o miudinho, é um “quase imperceptível sapatear para frente e para trás dos pés quase colados no chão, com a movimentação correspondente dos quadris” (IPHAN, 2006, p. 23). A dança é predominante feminina, enquanto os homens estão geralmente tocando os instrumentos (com exceção do prato-e-faca). Os dançarinos revezam-se no centro da roda, muitas vezes fazendo a troca dos bailarinos com uma umbigada. Todos podem participar e não há local exclusivo para ocorrer: a roda pode ser formada em um bar, uma praça ou dentro de casa.

Assim como não há local característico, não há ocasião específica para se ter um samba de roda. Apesar de estar presente no calendário das festividades civis e religiosas, não há data fixa para sua ocorrência, podendo acontecer a qualquer momento. Contudo, o samba de roda está fortemente associado e é imprescindível nas festas do catolicismo popular, a exemplo da festa dos santos Cosme e Damião, na Folia de Reis e depois das festas de candomblé nagô ou angola.

A combinação de tradições culturais de negros escravizados e de portugueses, notadamente os instrumentos e a língua, é a base do samba de roda. Não obstante, “tal mescla assim como outras mais recentes, não exclui o fato de que o samba de roda é essencialmente uma forma de expressão de brasileiros afrodescendentes, que se reconhecem como tais.” (IPHAN, 2006, p. 24).

As principais características do samba de roda, como a umbigada e o uso da viola, podem sem verificadas desde o século XVII. Os primeiros registros de algo semelhante ao samba de roda datam de 1803. No final do século XIX e início do século XX a manifestação começou a chamar atenção de intelectuais e desde então foi objeto de pesquisas, dissertações e teses.

Pode-se dividir o samba de roda em dois grandes tipos: o samba corrido e o samba chula, este também chamado de samba de parada, samba amarrado ou samba de viola. A diferença entre os dois está no modo de dançar e no modo como a música é executada. No samba corrido, dança, toque e canto acontecem na mesma hora e uma ou mais pessoas podem dançar no centro da roda ao mesmo tempo. No samba chula, mais rigoroso, a dança nunca acontece na mesma hora que o canto e apenas uma pessoa pode dançar no meio da roda (os instrumentos podem ser tocados nos dois momentos).

A dança é permeada pelo erotismo presente tanto nos movimentos das dançarinas quanto nas interjeições dos cantadores. O homem toca estimulando a mulher a dançar e ela dança instigando o homem a tocar. Quem se habilita a dançar tem que correr a roda, ou seja, dançar em todo o espaço reverenciando os músicos e demonstrando sua dança, de modo a entusiasmar a plateia.

Não há traje certo ou característico no samba, mas verifica-se a preferência de saias compridas e rodadas pelas mulheres. Os homens usam roupas comuns, cotidianas. No caso de grupos que fazem apresentações por meio de contratos, observa-se, pelas mulheres, o uso do traje típico da baiana, com colares, pulseiras e sandálias (mas também podem se apresentar descalças).

A falta de pandeiros, atabaques, timbales, violas, violões, cavaquinhos ou prato-e-faca (este o instrumento mais nobre) não impede que o samba de roda aconteça, pois este pode ocorrer com palmas e a batida em objetos. A parte cantada do samba, ou a estrofe principal, se chama chula, e dá-se o nome de “relativo” à resposta da estrofe principal. O que se chama de “tirar samba” é cantar a estrofe principal, papel mais alto da hierarquia do samba.

No processo de reconhecimento da forma de expressão como patrimônio nacional, foram averiguadas as dificuldades enfrentadas pelos sambadores e sambadeiras e elaborado um plano de salvaguarda do bem, com objetivos de curto, médio e longo prazo, divididos nas seguintes linhas de ação: organização, transmissão, difusão e documentação. Nesse contexto, foi articulada uma rede e instituída a Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (ASSEBA) (http://www.asseba.com.br/). Entre outras conquistas, a ASSEBA estruturou um Pontão de Cultura, nos moldes do Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, e a Casa do Samba, que é um “centro de referência, apoio, estudo e difusão do samba de roda da Bahia” (ASSOCIAÇÃO...).

Há mais de duzentos anos presente no cotidiano do povo do Recôncavo, o samba de roda é a forma mais comum de festejar, envolvendo jovens e idosos, além de ser marcador de identidade. Aprende-se a rufar o pandeiro, tirar a chula e responder à toada por observação e imitação, quando, com oito ou dez anos, a criança começa a participar ativamente das rodas. Desde cedo, o samba de roda é o Recôncavo e o Recôncavo é o samba de roda.

 

Recife, 15 de maio de 2014.

 

Fontes consultadas

ASSOCIAÇÃO DOS SAMBADORES E SAMBADEIRAS DO ESTADO DA BAHIA. Institucional. Disponível em: http://www.asseba.com.br/institucional/exibe/15. Acesso em: 11 maio 2014. 

IPHAN. Samba de Roda do Recôncavo Baiano. Brasília, 2006.

SANDRONI, Carlos. Samba de roda, patrimônio imaterial da humanidade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 69,  p. 373-388, 2010. Disponível em:  http://www.scielo.br/pdf/ea/v24n69/v24n69a23.pdf. Acesso em: 11 maio 2014. 

 

Como citar este texto

MORIM, Júlia. Samba de Roda. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2014. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/samba-de-roda/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)