Rabeca é um instrumento musical de origem árabe, precursor do violino, de feitura popular, que soa por fricção, tocado com um arco, e possui, originalmente, o corpo em forma de pêra onde são colocadas três ou quatro cordas. Tornou-se popular na Península Ibérica no período da invasão dos mouros e, provavelmente, foi trazida para o Brasil ainda na época da colonização portuguesa. Segundo Calmon (1982, p. 22, grifo nosso), existe referência ao instrumento na festa popular realizada quando do casamento da Princesa do Brasil (D. Maria) com seu tio D. Pedro, na Bahia, em 1760:
No dia onze fizeram os sapateiros e corrieiros [pessoas que fabricam ou comercializam correias ou outros produtos que utilizam couro como matéria-prima] a sua demonstração em uma dança de ricas e vistosas farsas, que em nada cedia à dos alfaiates, e discorreram pelas ruas ao som de várias rebecas [ou rabecas] destramente tocadas.
A rabeca é tida por muitos como um violino mal acabado. A maioria dos rabequeiros desmente essa afirmativa com o argumento de que cada um tem sua potencialidade e que a rabeca é outro instrumento. Os primeiro violinos foram feitos na Itália entre o fim do século XVI e o início do século XVII. Basicamente, suas características eram as da rabeca, que fora utilizada intensamente por menestréis medievais. Entretanto, o violino, construído com técnica e ferramentas mais precisas e acabamento perfeito – produzindo o timbre limpo e execução mais rica em recursos musicais –, chamou a atenção da nobreza. A partir daí, a rabeca não teve mais espaço na sociedade nobre. Continuava a ser confeccionada pela população menos favorecida, com poucos recursos materiais, por processos artesanais rústicos e transformou-se no instrumento musical dos pobres. Foi com essa conotação que a rabeca chegou ao Brasil. Provavelmente, por isso, Mário de Andrade, no seu Dicionário Musical Brasileiro diz: “Rabeca é como chamam ao violino os homens do povo do Brasil”.
Antes, restrita às festas populares e religiosas, hoje, o instrumento pode ser encontrado praticamente em todo o Brasil: nos fandangos paranaenses, nos bois de reis e cavalos-marinhos da zona da mata nordestina, nas folias de Reis de Minas Gerais, na música caiçara do litoral paulista, nos reisados e danças de São Gonçalo em todo o Nordeste, em comunidades de índios Guaranis em São Paulo e no Rio Grande do Sul, na marujada no litoral paranaense.
Não há padrão em seu processo de construção, seja no material utilizado, formato, tamanho, número de cordas ou afinação. O número de cordas, por exemplo, varia de três a seis e a maneira de tocar modifica-se conforme a região. O material utilizado também é diversificado: madeira de cabaça ou de bambu, de mangueira, cajueiro, jenipapo, caixeta, pinho virado, mandacaru. Assim sendo, uma rabeca, mesmo que construída por uma mesma pessoa, não produzirá som igual ao de outra.
Aprender a tocar o instrumento é um processo que exige intuição e método. Não existe ‘cartilha’. Observar e conviver, se possível, com os veteranos ajuda muito no aprendizado, uma vez que não existe um jeito certo de tocar e o aluno precisa, por intermédio de suas próprias experimentações, encontrar a afinação de sua preferência.
A posição para tocar rabeca difere da do violino. Enquanto este é normalmente colocado sob o queixo do músico, aquela é frequentemente apoiada sobre o peito ou sobre o ombro esquerdo do tocador, à maneira de alguns instrumentos medievais (embora possa ser tocada na mesma posição do violino).
No Brasil, existem inúmeros rabequeiros. Da sua arte e da rabeca existem registros bibliográficos e muitos artistas estão catalogados na internet em site dedicado ao instrumento musical, a exemplo do Rabeca.org.
Em Pernambuco, o agrupamento de rabequeiros e fabricantes de rabeca é muito significativo, principalmente em Ferreiros, cidade da Zona da Mata do Estado, conhecida como terra da rabeca. “Aliás, para ser um ‘rabequeiro completo’, muitos consideram que o tocador deve ser também fabricante, pois ‘rabequista é o caba que toca e faz’”. (NASCIMENTO, 2000, p. 66). Entre os mais famosos, destacam-se: Mestre Salustiano (1945-2008), Manuel Pereira, Mané Pitunga [Manoel Severino Martins] (1930-2002) e Siba (Sérgio Veloso).
Recife, 19 de setembro de 2013.
Fontes consultadas
CALMON, Francisco. Relação das faustíssimas festas. Rio de Janeiro: Funarte; Instituto Nacional do Folclore, 1982. Reprodução fac-similar da edição de 1762 (Etnografia e Folclore/Memória; n. 1).
HOUAISS, Antônio. Rabeca. In: ______. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. . p. 1600.
ISTO não é um violino. Revista Raiz, n. 1, 2003. Disponível em: http://revistaraiz.uol.com.br/portal/index.phpoption=com_content&task=view&id=53&Itemid=67. Acesso em: 15 ago. 2013.
LINS, Thiago. Ferreiros: município de 11 mil habitantes ganha fama como terra da rabeca. Continente, Recife, ano 9, n. 102, p. 38-41, jun. 2009.
NASCIMENTO, Mariana Cunha Mesquita do. Família Salustiano: três gerações de artistas populares recriando os folguedos da Zona da Mata. Recife, 2000. p. 65-70. Monografia vencedora do Prêmio Katarina Real de Cultura Popular, organizado e realizado pela Fundaj.
A RABECA. In: RABECA.ORG: um mapa e banco de dados da rabeca brasileira, portuguesa e o rawé guarani. Disponível em: http://rabeca.org/?ip=bibliografia. Acesso em 15 ago. 2013.
RABECA [Foto neste texto]. Disponível em: http://www.todosinstrumentosmusicais.com.br/fotos-do-instrumento-rabeca.html. Acesso em: 16 out. 2018.
Como citar este texto
BARBOSA, Virginia. Rabeca. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2013. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/rabeca/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)