[...] Eudes confiava tanto em si mesmo, em sua inteligência e nos seus talentos de liderança, que raramente precisou pedir favores aos outros. Um homem sumamente feliz, ele compartilhava sua alegria contagiante como todos os que o conheciam. Acho que essa autoconfiança que ele demonstrava tão visivelmente advinha em grande parte de sua fé no xangô e nos orixás iorubanos, os quais lhe proporcionavam uma proteção especial e uma sabedoria fora do comum. [...]
(Katarina Real, Eudes: o rei do maracatu, 2011. p. 132)
José Eudes Chagas, conhecido como o Rei do Maracatu, nasceu na cidade de Olinda, Pernambuco, em 1921. Mudou-se para o Recife ainda criança, indo morar de início no bairro de Água Fria e posteriormente no bairro do Pina, onde tinha um terreiro de xangô, exercendo o sacerdócio até sua morte em 1978.
Em 1934, aos treze anos de idade, Eudes vivia fraco e doente, sem que os médicos descobrissem a origem do problema. Por pertencer a uma família muito católica, em especial sua mãe, não admitia que fossem feitas consultas à religião Espírita.
Uma tia, no entanto, o levou a uma pessoa que possuía dons mediúnicos e trabalhava com o Caboclo Daniel. Segundo o Caboclo, seus problemas eram ocasionados por dois “africanos” que o acompanhavam e ele precisaria ser levado a um terreiro de Xangô. Foi essa mesma tia quem o levou, nos meados da década de 1930, ao terreiro de Dona Santa, sede do Maracatu Nação Elefante, que se encontrava fechada, na época, devido às perseguições policiais sofridas pelos cultos afro-brasileiros, principalmente durante o Estado Novo.
Dona Santa fez então o “batismo” de Eudes no Xangô, em dia de “toque de maracatu”, durante o primeiro ensaio do Maracatu Elefante, recomendando-lhe que seguisse a seita. Ele seria acompanhado pelos orixás Ogum e Xangô.
No dia 10 de outubro de 1938, Eudes (com dezessete anos), Dona Santa, Aluísio Gomes e José Cabral, apesar de toda perseguição policial, fundaram a Troça Carnavalesca Mista Rei dos Ciganos, que no carnaval sairia durante o dia e no resto do ano promoveria festas dançantes em louvor às divindades negras, assegurando dessa forma que o culto continuasse atuando disfarçadamente, evitando a repressão da polícia. A Troça logo se filiou à Federação Carnavalesca Pernambucana, que havia sido criada em dezembro de 1936.
A primeira festa dos “santos” foi realizada no mês de dezembro de 1938, com um baile dedicado a Orixalá, com todos os participantes vestidos de branco. Era necessário que a verdadeiro objetivo da troça fosse mantido em segredo. Assim, a Troça Rei dos Ciganos, cujo principal patrono era Ogum Guerreiro, conseguiu festejar, disfarçadamente, durante quinze anos todos os orixás africanos.
Eudes resolveu posteriormente transformar a Troça Rei dos Ciganos, no Maracatu Porto Rico do Oriente, mas um grande número de pessoas quis continuar com a Troça, que continuou existindo mesmo após a criação Maracatu.
O Maracatu Porto Rico do Oriente foi inaugurado no dia 26 de março de 1967, com sede no bairro do Pina e a coroação de Eudes como seu rei ocorreu no dia 10 de dezembro de 1967, na Casa 41, do Pátio do Terço, sendo presidida pelo bispo da Igreja Católica Brasileira Dom Isaac.
Eudes atuou como rei, babalorixá e diretor do Porto Rico do Oriente de 1967 até 1978.
Era muito estimado por sua generosidade, sempre oferecendo ajuda para dezenas de afilhados e pessoas necessitadas, assim como às pessoas que lhe procuravam para rituais e consultas no seu terreiro. Era solidário também com outros grupos carnavalescos, mesmo os possíveis rivais. Treinou o maracatu estudantil Rei do Congo, mesmo estando com problemas de saúde após sofrer um derrame cerebral.
José Eudes Chagas, o Rei do Maracatu Porto Rico do Oriente, morreu no Recife, em 15 de dezembro de 1978.
Segundo depoimento da antropóloga americana Katarina Real que o ajudou na criação da Troça e do Maracatu:
[...] Com a morte desse homem, o Recife sofreu uma perda irreparável. Mas, em vez de prantearmos a ausência de tão preclaro rei, babalorixá e carnavalesco, acho que devemos regozijar com sua nobre vida e sua notável atuação no carnaval pernambucano. [...]
Recife, 28 de julho de 2011.
Fontes consultadas
EUDES CHAGAS (foto neste texto). In: REAL, Katarina. Eudes: o rei do maracatu. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 2001.
KUBRUSLY, Clarisse Quintanilha. A experiência etnográfica de Katarina Real (1927-2006): colecionando maracatus em Recife. 2007. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://nuclao.webs.com/ClarisseQuintanilhaKubrusly.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2011.
REAL, Katarina. Eudes: o rei do maracatu. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 2001.
REAL, Katarina. A grande vitória: o carnaval de 1968. Suplemento Cultural D.O. PE, Recife, ano 15, p. 18-21, fev. 2001.
Como citar este texto
GASPAR, Lúcia. Eudes Chagas. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2011. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/eudes-chagas/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)