Conforme a memória dos mais antigos, no início do século XIX, as crioulas arrendaram três léguas em quadra de terra, cujo pagamento foi feito com o fruto do trabalho na fiação de algodão e sua venda. Além do trabalho, para serem proprietárias da terra, pediram auxílio a Nossa Senhora da Conceição. Com a graça alcançada, como pagamento, doaram parte da terra para a Santa e ergueram uma capela. Daí o nome da comunidade: Conceição das Crioulas.
A luta pela posse e uso da terra, considerada seu maior bem (ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA DE CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS, 2007, p. 4), permeia a história da localidade, situada no sertão nordestino, cuja colonização se deu no século XVII por meio de doações de terras. À medida que os brancos iam adentrando o território sertanejo, índios e negros, que haviam buscado refúgio no interior, fugidos das frentes de expansão da cultura da cana de açúcar e da pecuária, passavam a ocupar as serras. No caso de Conceição das Crioulas, suas terras fazem fronteira com a Terra Indígena Aticum e os relatos indicam que as relações entre os povos sempre foram amistosas e de trocas.
Até os dias atuais, os quilombolas de Conceição das Crioulas convivem com o cerceamento de suas terras. De acordo com Souza (2002, p. 114), “as melhores áreas [estão] sob o domínio de fazendeiros. Os trechos que sobram para os habitantes de Conceição apresentam muitas pedras e são impróprios para a agricultura.” Segundo a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas (2007, p. 4), apesar de a comunidade ter recebido o título de seu território em 2000 e ter sido certificada em 2005, ambos pela Fundação Palmares,
ainda há muito que fazer, porque só temos acesso livre a, aproximadamente, 30 % de todo o nosso território. Esta situação atrapalha muito nossa vida. As cercas nos impedem a coleta de matéria-prima, coleta de frutos, o acesso aos caldeirões de pedra (reservatórios naturais de água).
A importância do território para o povo de Conceição das Crioulas reside em suas dimensões social e cultural. É lá o lugar onde plantam, onde moram, onde festejam, onde trabalham, onde estabeleceram laços afetivos, onde a sua história e de seus familiares foi construída. Aquela terra tem sentidos e significados que garantem o sentimento de pertencimento e a unidade e a identidade do grupo.
Em 1998, a população de Conceição das Crioulas era de 1.780 habitantes, divididos em trezentos e cinquenta e seis famílias distribuídas em dezesseis núcleos populacionais (SOUZA, 2002, p.112). Em 2010, conforme Souza (2010, p. 2), havia 3.800 habitantes, formando setecentas e cinquenta famílias espalhadas em vinte núcleos populacionais. A distância entre a vila de Conceição, a principal da comunidade, e a sede do município de Salgueiro é de 42 km, dos quais 27 km são de estrada de terra, o que dificulta tanto o deslocamento quanto o escoamento da produção local.
Conceição das Crioulas destaca-se por ser uma das primeiras comunidades do estado a buscar seus direitos enquanto quilombolas, com um histórico de organização e mobilização fortemente marcado pela liderança feminina. No final da década de 1980, o contato com uma missão de freiras carmelita suscitou o interesse do povo pela sua própria história e estimulou o envolvimento com sindicatos, ONGs e movimentos sociais, a exemplo do movimento de trabalhadores rurais e do movimento negro. Em 2000, foi fundada a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas (AQCC), hoje responsável pela Comissão de Articulação Estadual das Comunidades Quilombolas de Pernambuco. De acordo com a Comissão Pró-Índio de São Paulo: “Além de sua liderança na atuação política do estado, a Comunidade de Conceição das Crioulas também se destaca pela formulação de um importante projeto de educação diferenciada nos quilombos e pelo inovador trabalho com o artesanato.”
O algodão foi fonte de renda para o povo de Conceição das Crioulas até 1987, quando houve uma praga na região. Hoje em dia, a agricultura de subsistência, a venda do umbu, as pequenas criações de caprinos, bovinos e suínos, e o artesanato têm sido as principais atividades econômicas da localidade. A fibra de caroá, para a confecção de bolsas, bonecas, jogos, e o barro, para a produção de panelas, copos, potes, colares, são as principais matérias primas utilizadas. Vale destacar que o artesanato não se resume apenas à fonte de renda é também um modo de perpetuação de sua história, uma vez que as bonecas representam lideranças femininas de grande importância na busca pelo desenvolvimento da comunidade.
Atualmente a comunidade dispõe de várias escolas, incluindo escola de segundo grau construída em 1995, posto de saúde, correios, mercado público, casa comunitária. Muitos desses serviços são frutos da organização do povo de Conceição das Crioulas em busca de seus direitos. No tocante à saúde, mesmo com a presença de agentes de saúde e da existência do Posto de Saúde, benzedores continuam a atender a população. A energia elétrica atende a 95% do território. Entretanto, assim como para os outros sertanejos, o acesso à água é precário.
No que diz respeito às celebrações mais representativas para a comunidade, estão a Festa de Nossa Senhora da Assunção, em agosto, considerada a grande festa, marcada por apresentações de bandas de pífanos e pela dança do trancelim, e a Festa de Nossa Senhora da Conceição, em dezembro. As novenas, missas e procissões também são momentos importantes, tanto no que diz respeito à religiosidade quanto à socialização. A Festa dos Concluintes, no final de dezembro, comemora a luta pelo acesso à educação.
A trajetória percorrida pelo seu povo resgatando sua história, valorizando sua cultura e se inserindo nos movimentos políticos faz de Conceição das Crioulas “referência de auto-estima e valorização da identidade étnica e cultural, contribuindo para despertar e sensibilizar pessoas de outros territórios sobre a importância de se auto-afirmar e de se reconhecer enquanto povo negro quilombola”. (ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA DE CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS, 2007, p. 3).
Fontes consultadas
ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA DE CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS (AQCC). Quilombolas de Conceição das Crioulas, Salgueiro, Pernambuco. Brasília: Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, 2007. Fascículo 6.
COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO. Conceição das Crioulas. Disponível em <http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/pe/pe_conceicao.html>. Acesso em: 28 mar. 2014.
LEITE, Maria Jorge dos Santos. Mulheres negras, história e política. In: CONGRESSO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 11., 2011, Salvador. Anais eletrônicos... Salvador: UFBA, 2011. Disponível em <http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1305836392_ARQUIVO_ArtigoUFBA.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2014
SOUZA, Maria Aparecida de Oliveira. A Comunidade de Conceição e o início da ocupação do território. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.9, p. 115-130, 2005. Disponível em: <http://seer.bce.unb.br/index.php/emtempos/article/viewFile/2647/2196>. Acesso em: 10 mar. 2014.
SOUZA, Vânia Rocha Fialho de Paiva e. Conceição das Crioulas, Salgueiro (PE). In: O’DWYER, Eliane Cantarino (Org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Editora FGV/ABA, 2002. p. 109-140.
Como citar este texto
MORIM, Júlia. Conceição das Crioulas. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2014. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/conceicao-das-crioulas/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)