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Companhia do Beberibe

A Lei nº 46, de 14 de junho de 1837, autorizou a contratação de uma empresa para fornecer água potável aos habitantes da cidade. Um ano depois, em junho de 1838, foi assinado um contrato entre a Companhia do Beberibe e o Governo da Província, para dotar o Recife de um serviço de água encanada.

Companhia do Beberibe

Artigo disponível em: ENG ESP

Última atualização: 29/09/2021

Por: Lúcia Gaspar - Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco - Especialista em Documentação Científica

As diversas tentativas para solucionar o problema do abastecimento d’água da cidade do Recife remontam ao início do século XIX.

A Lei nº 46, de 14 de junho de 1837, autorizou a contratação de uma empresa para fornecer água potável aos habitantes da cidade.

Um ano depois, em junho de 1838, foi assinado um contrato entre a Companhia do Beberibe e o Governo da Província, para dotar o Recife de um serviço de água encanada.

Com um capital inicial de quatrocentos contos de reis, a Companhia do Beberibe teve como primeiro presidente José Ramos de Oliveira e seu Conselho Deliberativo era composto por oito membros.

De 1842 a 1848, foi implantado o projeto dos engenheiros brasileiros Conrado Jacob Niemeyer e Pedro de Alcântara Bellegarde, que concluíram os serviços de captação de água do Açude do Prata, localizado no bairro de Dois Irmãos, com uma adutora de 10 Km de extensão, canalização de 300mm e a distribuição de água por meio de oito chafarizes.

Esses chafarizes eram localizados na Praça da Boa Vista, na subida da Ponte da Boa Vista, no Pátio do Carmo, no Pátio do Paraíso, na Ribeira, no Passeio Público, na Trempe (encontro da atual Rua Barão de São Borja com a Rua da Soledade) e na Soledade. Nos chafarizes, o preço da água era de vinte réis o balde de trinta litros.

Matéria sob o título Variedades, assinada por De L. (Louis Léger-Vauthier), na revista recifense O Progresso (tomo 1, n. 1, de julho de 1846) fala sobre as obras da Companhia do Beberibe:

No dia 21 do mês de maio próximo passado, teve lugar a inauguração da caixa-d’água, e dos três primeiros chafarizes provisorios, construidos na Boa-Vista pela companhia do Bibiribe. Este resultado, primeiro parto do espírito d’associação em Pernambuco, não se pôde conseguir sem grande trabalho, firmeza de caracter, e aturada paciencia das pessoas illustradas, que tomaram parte na direcção da companhia; [...] Quando se fez a inauguração, havia algumas semanas que os canos de ferro tinham levado o agoa até a caixa; mas tendo esta, quando se encheu pela primeira vez, deixado transudar alguma agoa – o que sem duvida é devido a ella ter sido feita de tijolo, e não de pedra, – foi preciso reboca-la interiormente com camadas bituminosas, o que parece ter satisfactorio resultado. [...]

Esse grande reservatório (ou caixa d’água), que trouxe água encanada para o centro da cidade, era conhecido como Caixa d’água da Boa Vista e ficava localizado na Rua do Pires, local onde hoje se encontra o Hotel Central (Av. Manoel Borba).

Em 1848, o Governo Provincial concedeu à Companhia do Beberibe o direito de exploração dos serviços de abastecimento d’água da cidade do Recife por 35 anos, em caráter exclusivo, devendo o fornecimento ser feito por meio de chafarizes.

Na Praça da Boa Vista, também foi construído um grande chafariz, conhecido como o chafariz Imperial, assim como em diversos bairros recifenses, atendendo a insistentes pedidos da população, que queria ter suas casas abastecidas com a água potável. Até mesmo o Palácio do Governo, por meio de um ofício datado de 25 de outubro de 1859, solicitou à Companhia do Beberibe a construção de um chafariz no largo da Presidência (hoje Praça da República), antes da chegada da família real a Pernambuco.

A Companhia era obrigada, por contrato com o Governo da Província, a fornecer água dos seus chafarizes gratuitamente, no caso de incêndios sem, no entanto, ter a obrigação de abrir os registros dos encanamentos.

Para o fornecimento domiciliar de água, utilizava o sistema de penas d’água, na base de mil litros diários. As pequenas residências só tinham direito a um terço desse total. A pena d’água é um limitador de consumo e, para aproveitar o máximo de água, o consumidor deve ter uma caixa d’água que a acumule. A Santa Casa de Misericórdia e os órgãos públicos federais, estaduais e municipais tinham direito a preços mais baixos.

Os custos de implantação dos ramais de encanamento eram pagos por quem contratava o serviço.

Em 1873, a Companhia ampliou o número de chafarizes chegando a um total de 22. Nesse mesmo ano, além dos chafarizes, fornecia água para 103 casas, nas freguesias do Poço da Panela, Capunga e Afogados, além de mais de dois milhões de litros, para as da Boa Vista, de Santo Antônio, de São José e do Recife.

Foi criada, nesse mesmo ano, outra companhia privada, a Recife Drainage Company Limited, com o objetivo de prestar serviços de esgotamento sanitário à cidade.

Três anos depois, em 1876, o engenheiro Gervásio Rodrigues Campelo concluiu a instalação de uma nova adutora, igual à primeira.

Com uma população de aproximadamente 70.000 habitantes, na época, a água fornecida à cidade era insuficiente, principalmente porque também era usada para a limpeza dos esgotos e havia muito desperdício.

Procurando aumentar sua capacidade de fornecimento, a Companhia consegue modificações e prorrogações de contratos com o Governo da Província. Implanta um novo projeto do engenheiro inglês Oswald Brown, construindo uma galeria filtrante na margem esquerda do açude do Prata, oito poços a montante do açude, com capacidade para 5.000 metros cúbicos diários, 70km de rede de distribuição e o reservatório do Alto de Dois Irmãos.

Em 1887, ficam prontos os serviços da Usina de Dois irmãos, onde foi construído um reservatório com 75 metros de altura. Houve com isso uma melhora considerável no sistema de distribuição d’água sob alta pressão.

Consciente do aumento constante da população, que em 1884 já subira para 80.0000, a Companhia do Beberibe realizou novos estudos e projetos para a ampliação do fornecimento d’água ao Recife.

Em 1891, surge o projeto do engenheiro Augusto Devoto, que propunha o aproveitamento dos riachos Utinga e Pitanga, situados em áreas do engenho Monjope, para aumentar a captação de água. Devido ao alto custo do projeto, no entanto, e apesar de ter adquirido os dois mananciais, a Companhia não pôde implantá-lo.

Com o aumento de reclamações da população contra os serviços e sem condições de fornecer a quantidade de água necessária à cidade, além de apresentar problemas de qualidade na que era oferecida, a Companhia do Beberibe entrou em uma grave crise.

Começaram a aparecer na população da cidade frequentes casos de cólicas intensas com vômito, comprometendo o sistema nervoso central, os rins e o coração das pessoas.

Houve diversas discussões de médicos ligados à área da saúde pública no Recife, entre eles Octávio de Freitas, sobre a causa do problema. Acusava-se a Companhia do Beberibe de fornecer água para as residências com um alto teor de chumbo por causa das tubulações utilizadas. As pessoas que se abasteciam em chafarizes não eram acometidas pelas cólicas, uma vez que não continham chumbo.

Um parecer subscrito pelos médicos José Francisco Martins Sobrinho, Alfredo d’Aquino Gaspar, Raul Azedo e Ermírio Coutinho, no dia 17 de fevereiro de 1900, comprovou cientificamente que a doença era causada pelos sais de chumbo existentes na água, fazendo com que a Companhia tivesse que substituir a tubulação de chumbo do interior das casas por encanamento de ferro.

Em 1909, o governador de Pernambuco, Herculano Bandeira, convidou o engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito para assumir a direção da recém criada Comissão de Saneamento, tendo como objetivo melhorar os sistemas de abastecimento d’água e esgotos sanitários, para atender adequadamente ao crescente desenvolvimento do Recife.

Desde 1900, constatava-se que a Companhia do Beberibe não tinha mais condições de atender a demanda do abastecimento d’água da cidade. Além disso, em 1911, descobriu-se o funcionamento clandestino de um sifão, que transvasava águas pantanosas de um manancial impróprio para outro em boas condições para reforçar o volume, sendo colocado à noite e retirado na manhã seguinte.

Com reclamações diárias da população e a incapacidade de fornecer a água necessária, inclusive para fazer o serviço de lavagem dos esgotos, o governo do estado, no dia 1º de outubro de 1912, incorporou a Companhia do Beberibe à Diretoria de Viação e Obras Públicas e depois à Comissão de Saneamento, extinguindo o órgão que durante mais de sessenta anos foi o responsável pelo abastecimento d’água do Recife.

No governo de Dantas Barreto, em 12 de dezembro de 1915, foi inaugurado o novo serviço de esgoto planejado por Saturnino de Brito e, no dia 14 de abril de 1918, um novo sistema de abastecimento d’água, utilizando como manancial de captação o rio Gurjaú, um dos afluentes do Pirapama.

 

 

Recife, 31 de maio de 2010.

Fontes consultadas

BRITO, F. Saturnino Rodrigues de. Saneamento de Recife. Recife: Typ. Da Imprensa Official, 1917.

EVOLUÇÃO histórica do saneamento em Pernambuco. Disponível em:  <http://www.compesa.com.br/index.php?option=content&task=view&id=31>. Acesso em: 27 maio 2010.

JUCÁ, Joselice V. Uma companhia urbana de Pernambuco no século XIX: a do Beberibe. Ciência & Trópico, Recife, v. 3, n. 1, p. 25-39, jan./jun. 1975.

PARAHYM, Orlando. História do abastecimento d’água do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1960. (Cadernos de Pernambuco, 13).

Como citar este texto

GASPAR, Lúcia. Companhia do Beberibe. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2010. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/companhia-do-beberibe/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)