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Terreiro Santa Bárbara de Nação Xambá / Ilê Axé Oyá Meguê

Autodenomina-se de nação Xambá, ou seja, relativo à tradição dos povos oriundos da região onde hoje é a fronteira entre Camarões e Nigéria.

Terreiro Santa Bárbara de Nação Xambá / Ilê Axé Oyá Meguê

Artigo disponível em: ENG ESP

Última atualização: 07/04/2022

Por: Júlia Morim - Consultora Fundação Joaquim Nabuco/Unesco - Cientista Social, Mestre em Antropologia

O nome do logradouro conta um pouco da história do lugar e demarca o território: Rua Severina Paraíso da Silva, 65, Portão do Gelo, Bairro de São Benedito, Olinda, Pernambuco. É lá que, desde o início da década de 1950, está instalado o Terreiro Santa Bárbara, ou Ilê Axé Oyá Meguê, fundado por aquela que dá nome à rua. Autodenomina-se de nação Xambá, ou seja, relativo à tradição dos povos oriundos da região onde hoje é a fronteira entre Camarões e Nigéria. Segundo Costa (2007, p. 202), “talvez seja este terreiro o mais importante representante desta nação na atualidade”.

Segundo a tradição oral, o babalorixá Artur Rosendo Pereira, fugido da repressão aos cultos afro-brasileiros em Alagoas, veio se estabelecer no Recife, no bairro de Água Fria, no início da década de 1920, onde formou vários filhos de santo de acordo com os preceitos da tradição Xambá. Dentre eles estava Maria das Dores da Silva, Maria Oyá, que fundou o Terreiro de Santa Bárbara em 1930. Naquele período, a coerção aos xangôs, como é denominada em Pernambuco a prática religiosa afro-brasileira, continuava intensa. Em 1938, o terreiro é invadido e fechado pela polícia. No ano seguinte, Maria Oyá faleceu. Durante doze anos, a tradição Xambá foi transmitida, de modo camuflado, por membros da família Paraíso, em especial por Severina Paraíso da Silva, a Mãe Biu (filha de santo de Maria Oyá). Em 1950, o terreiro é por ela reinaugurado e, em 1951, com a aquisição de um terreno próprio, é transferido para onde está atualmente, no Portão do Gelo.

Mãe Biu foi grande mobilizadora e articuladora e usou desses artifícios para construção e permanência do terreiro no local. Para tal, teve apoio de outras mulheres de grande importância para a existência do terreiro, as quais atuavam nas funções de madrinha e iabás. De acordo com Costa (2007, p. 206):

Mãe Biu, junto com outras mulheres — sua amiga e filha de santo Laura Eunice Batista (tia Laura) e suas irmãs Donatila Paraízo do Nascimento (madrinha Tila) e Maria Luiza de Oliveira (tia Luiza) — engendraram formas e estratégias para assegurar as práticas de seu culto xambá, garantindo a ocupação e a estruturação dos membros do terreiro no Portão do Gelo.

Após várias décadas presidindo a casa, Mãe Biu faleceu em 1993. Foi sucedida por Mãe Tila, como yalorixá, e por Adeildo Paraíso da Silva (Pai Ivo), seu filho, como babalorixá. Em 2003, após morte de Mãe Tila, Tia Lourdes assumiu o cargo de yalorixá da casa.

O Terreiro mantém um calendário de toques e festividades, momentos em que não é permitido o uso de roupas pretas. Os homens devem trajar calças compridas e as mulheres, saias ou vestidos longos. Durante as celebrações são servidos café e mungunzá, uma tradição da casa. De acordo com o site do Nação Xambá, a programação para 2014 é a seguinte:

• 19 de janeiro - Toque de Obaluayê;
• 23 de fevereiro - Toque de Oxum;
• 27 de abril - Toque de Ogum e Odé;
• 25 de maio - Toque de Yemanjá;
• 15 de junho - Toque de Xangô;
• 29 de junho - Coco de Xambá - Centenário de Mãe Biu;
• 18 de julho - Toque de Orixalá e Nanã;
• 28 de setembro - Toque de Bêji;
• 26 de outubro - Toque do Inhame;
• 14 de dezembro - Toque de Oyá.

Após a morte de Mãe Biu, seu filho, Pai Ivo, tomou a iniciativa de instalar um memorial para preservar a memória da mãe e, consequentemente, a do terreiro. Assim, nascia o Memorial Severina Paraíso da Silva, inaugurado em 2002. Para tanto, organizou-se um acervo documental e fotográfico incorporado ao museu mantido pelo terreiro — o primeiro museu afro de Pernambuco —, cuja missão é preservar e promover sua história. Em 2004, o Ministério da Cultura auferiu ao Terreiro Santa Bárbara o título de Ponto de Cultura Mãe Biu, o que acarretou em aporte de recursos, os quais foram utilizados no processo de identificação e digitalização do acervo do Memorial e na capacitação de jovens.

No âmbito da cultura, a comunidade Xambá mantém ainda uma biblioteca e um grupo cultural, o Bongar. O Grupo Bongar é formado por jovens integrantes do terreiro e toca ritmos da cultura popular pernambucana, além de promover oficinas de percussão, dança popular e confecção de instrumentos.

Em 2006, o Terreiro Santa Bárbara foi reconhecido pela Fundação Palmares como Quilombo Urbano, o terceiro do país. Ao reivindicar a identidade de remanescente de quilombo, passou a ter acesso a políticas públicas às quais não tinham direito anteriormente. De acordo com Costa citado por Guerra (2011, p. 289):

A relação da Comunidade Xambá com a Fundação Palmares vai além da sua regularização como remanescente de quilombo, mas também permite o acesso da comunidade a iniciativas nas esferas da educação, saúde, infraestrutura, habitação, emprego e geração de renda para a população. Até a concessão do título de Quilombo os recursos econômicos do Terreiro Santa Bárbara eram gerados exclusivamente pela própria dinâmica da prática afro-religiosa; [E Guerra continua:] hoje, dentro das políticas de reparação do governo federal, o título tornou-se politicamente viável, uma vez que confere acesso às políticas públicas, além de investimentos.

Em 2007, o terreiro foi tombado pela Prefeitura de Olinda, passando a ter o título de Patrimônio Cultural de Olinda e a ser protegido pelo governo municipal.

A importância da Nação Xambá para a comunidade onde está inserida, bem como para o município de Olinda e o estado de Pernambuco como um todo, reflete a capacidade de liderança, articulação e resistência de seus dirigentes e reforça o papel dos terreiros enquanto espaços religiosos, culturais e educacionais.

 

Recife, 5 de maio de 2014.

 

Fontes consultadas

COSTA, Valéria Gomes. Nação Xambá: criando e recriando estratégias de garantia de espaços sociais e religiosos no Recife. Ciências Humanas em Revista, São Luís, v. 4, n. 2, p. 11-29, dez. 2006. Disponível em: http://www.nucleohumanidades.ufma.br/pastas/CHR/2006_2/valeria_costa_v4_n2.pdf. Acesso em: 5 maio 2014.

COSTA, Valéria Gomes. Práticas culturais femininas e constituição de espaços num terreiro de Xangô de Nação Xambá. Revista Afro-Ásia, n. 36, p. 199-227, 2007. Disponível em: http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia36_pp199_227_ValeriaCosta.pdf. Acesso em: 5 maio 2014.

COSTA, Valéria Gomes. É do Dendê! – Histórias e memórias urbanas da Nação Xambá no Recife (1950-1992). São Paulo: Annablume, 2009.

GUERRA, Lúcia Helena. Memória e etnicidade no Quilombo Ilê Axé Oyá Meguê. Revista Ciências Sociais Unisinos, v. 47, n. 3, p. 284-291, set./dez. 2011. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/ciencias_sociais/article/view/csu.2011.47.3.11/628. Acesso em: 4 maio 2014.

HIERARQUIA da Nação Xambá. Disponível em: http://www.xamba.com.br/hie.html. Acesso em: 3 maio 2014. 

HISTÓRIA do Terreiro Xambá. Disponível em: http://www.xamba.com.br/his.html. Acesso em: 3 maio 2014.

MEMORIAL Severina Paraíso da Silva. Disponível em: http://www.xamba.com.br/mem.html. Acesso em: 3 maio 2014.

 

Como citar este texto

MORIM, Júlia. Terreiro Santa Bárbara De Nação Xambá / Ilê Axé Oyá Meguê. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2014. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/terreiro-santa-barbara-de-nacao-xamba-ile-axe-oya-megue/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)