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Ruas do Recife

O Recife teve os nomes de seus becos, vielas, travessas e ruas ligados aos nomes de seus primeiros moradores, à sua localização física, igrejas, prédios públicos ou algo que indicasse o seu uso comum pela comunidade.

Ruas do Recife

Última atualização: 03/05/2021

Por: Lúcia Gaspar - Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco - Especialista em Documentação Científica

Conhecido, no início do seu povoamento, como arrecifes dos navios, sendo apenas uma simples vila de pescadores, o Recife teve os nomes de seus becos, vielas, travessas e ruas ligados aos nomes de seus primeiros moradores, à sua localização física, igrejas, prédios públicos ou algo que indicasse o seu uso comum pela comunidade.

As construções das casas que iam formando os arruados não seguiam planejamento algum. Eram edificados de acordo com a conveniência dos que ali se estabeleciam e normalmente eram locais bem estreitos, como, por exemplo, o Beco do Passa a Perna, “que se podia atravessar com uma simples passada”.

Começaram a surgir normas que vieram a disciplinar os espaços urbanos.

O historiador José Antônio Gonsalves de Mello, no seu livro Tempo dos flamengos, cita algumas ruas recifenses existentes na época do domínio holandês (1630-1654): Rua Rela;, do Vinho (Wijnstreat, atual trecho da Avenida Alfredo Lisboa); do Mar (Seestraet); da Balsa (atual Avenida Marquês de Olinda); do Carcereiro (Geweldigers Straet); Nova (Nienwstraet); do Mercado Velho; do Dique de Orange; do Dique do Porto (Havensdijck); do Bode(Bechestraet, antiga Rua da Cruz, dos Judeus, do Comércio, hoje do Bom Jesus); do Mouro; Terreiro dos Coqueiros, local onde ficava o grande mercado da cidade Maurícia, conhecido no século XVIII como Praça da Polé e, hoje,Praça da Independência, chamada popularmente de Praça do Diario, onde fica o prédio que abrigava a redação do jornal Diario de Pernambuco (hoje apenas um escritório para anúncios no jornal), o mais antigo em circulação na América Latina (1825).

Segundo Pereira da Costa, só a partir de 1808

[...] foi feito no Recife e em Olinda a numeração das casas, bem como inscritos à entrada das ruas os seus respectivos nomes, correndo as despesas do serviço por conta daquelas municipalidades.
Por lei de 15 de novembro de 1831, foram isentas do imposto da décima urbana as povoações de vilas que não tivessem mais de cem casas dentro do arruamento[...]

Por portaria [do presidente da província Francisco do Rego Barros, Conde da Boa Vista] de 20 de julho de 1839, foi determinado que a numeração dos prédios da cidade até os seus traçados limites para a imposição do imposto da décima urbana, começaria do Norte para o Sul e do Leste para Oeste, ficando do lado direito com os números pares, a partir de 2, e do esquerdo com os ímpares, a começar do 1; sendo [os] números inscritos a tinta branca em um disco preto, precedendo-os as letras D.N. – Décima, Número.Enfim, em virtude de uma resolução da prefeitura do Recife de 1916 e respectivo contrato, passou a numeração dos prédios a obedecer à metragem da rua, sendo porém o serviço executado no ano seguinte. Assim, a numeração das casas vai, sucessivamente, indicando a extensão da rua até chegar ao ser termo. [...] a casa n. 100, por exemplo, indica que a rua tem, até chegar à mesma, a extensão de cem metros.

Um fato interessante relatado por Pereira da Costa: quando ainda não havia numeração nas casas e era necessária a visita de uma médico para ver um doente, estendia-se uma toalha, na frente da casa, presa no postigo superior fechado para que a casa fosse identificada.

Além dos rios Capibaribe e Beberibe, um dos encantos do Recife está nos seus becos, vielas e ruas, com casas de porta a janela, seus velhos sobrados, convivendo com ruas modernas e largas avenidas.

Entre 1809 e 1815 as ruas do bairro do Recife já eram todas calçadas, ao contrário das do bairro da Boa Vista, cuja rua principal, a da Imperatriz Tereza Cristina, ficava localizada num aterro, em área anteriormente inundada pela maré.

Em 1870, houve uma primeira grande mudança de nomes nas ruas do Recife, feitas pela municipalidade. A Câmara Municipal publicou uma relação substituindo diversos nomes tradicionais por outros, ligados à Guerra do Paraguai que havia terminado: a Rua do Crespo passou a chamar-se Primeiro de Março, numa referência ao dia final daquele conflito; a antiga Estrada do Chora Menino passou a chamar-se Rua do Paissandu; a antiga Rua do Canal, de Rua do Riachuelo e o Beco da Lapa, no bairro da Boa Vista, deTravessa do Tuiuti.

Também no início do século XX, em 1918, a prefeitura realizou uma revisão geral dos nomes das ruas da cidade, promovendo diversas modificações. A população, no entanto, continuou chamando algumas delas pelos seus nomes antigos e tradicionais, inscritos na história da cidade.

Segundo Gilberto Freyre, a cidade começou a expandir-se com nomes de ruas e becos: Alecrim, Sol, Aurora, Saudade, padre Inglês, Sarapatel, Peixe-Frito, Cirigado, Encantamento, Rosário [...] que mereciam ser eternas.

Tradicionais, poéticos, curiosos, os nomes das ruas do Recife contam histórias e têm sido cantadas por poetas e compositores como Manuel BandeiraAntônio Maria e Alceu Valença.


[...]

Rua da União...
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)

Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
(Evocação do Recife, Manuel Bandeira)


[...]

Vou ver a Rua Nova,
Imperatriz, Imperador
Vou ver, se possível
Meu amor.
(Frevo nº 2, Antônio Maria)
 
[...]
Na Madalena 
Revi teu nome 
Na Boa Vista 
Quis te encontrar 
Rua do Sol, da Boa Hora 

Rua da Aurora  

Vou caminhar 
Rua das Ninfas 
Matriz, Saudade 
Da Soledade de quem passou 
Rua Benfica, Boa Viagem [...]  .
(Pelas ruas que andei, letra Alceu Valença)
 
Visando preservar a memória dos nomes das ruas, a Fundação de Cultura Cidade do Recife, em 1981, iniciou a catalogação de seus nomes antigos para colocá-los abaixo dos nomes atuais nas placas indicativas das ruas do Recife.

Algumas ruas recifenses, seus nomes e suas origens:

RUA DAS ÁGUAS VERDES: localizada entre os bairros de Santo Antônio e São José, seu nome se originou de um canal que ali existia e onde, na época de estiagem, as águas que ficavam estagnadas adquiriam uma cor esverdeada por causa do lodo.

RUA DO ARAGÃO: no bairro da Boa Vista, sua denominação vem do sobrenome de um português que ali morou e construiu várias casas. Já se chamou Visconde de Pelotas (década de 1920).

RUA DO BOM JESUS: uma das mais importantes ruas do bairro do Recife era chamada de Rua do Bode (Bechestraet), na época dos holandeses. Teve também as denominações de Rua da Cruz, dos Judeus e do Comércio. O nome Bom Jesus provém do antigo Arco do Bom Jesus, que existia, até 1850, como uma das portas da cidade. Em 1635, no local foi construída a primeira sinagoga das Américas.

RUA DA CADEIA VELHA: atual Avenida Marquês de Olinda (Pedro de Araújo Lima), no bairro do Recife, deve seu nome antigo ao fato de lá ter sido construída a primeira cadeia da cidade. A Rua da Cadeia Nova, onde foi construído o prédio da segunda cadeia, é hoje a Rua do Imperador Pedro II. A construção da Avenida Marquês de Olinda contribuiu para o desaparecimento das Ruas da Cadeia Velha; do Encantamento; do Carcereiro; da Balsa e do Beco do Catimbó.

 

RUA DA CONCÓRDIA: localizada no bairro de São José, seu nome nasceu de uma disputa entre dois de seus moradores, Manuel José e José Fernandes. Cada um reivindicava o privilégio de ter o seu nome na rua. Em 1840, por iniciativa do presidente do Conselho Municipal, Maciel Monteiro, 2º Barão de Itamaracá, o impasse foi resolvido: lendo uma poesia de sua autoria, intitulada A Concórdia, propôs aos contendores que a rua se chamasse Rua da Concórdia, o que foi aceito por ambas as partes.

RUA DO CRESPO: denominação antiga da atual Rua Primeiro de Março, no bairro de Santo Antônio. Seu antigo nome era uma homenagem a Manuel de Souza Crespo, um marinheiro português natural da cidade do Porto, que chegou ao Brasil em 1648, tornou-se comerciante e ali residiu por vários anos. Como já informado, o nome foi mudado após a Guerra do Paraguai (1870) como uma homenagem ao dia da principal batalha daquele conflito.

RUA DAS FLORES: denominação antiga da Rua Mathias de Albuquerque, no bairro de Santo Antônio. A origem do seu nome se deve ao fato de que, até meados do século XIX, lá residiam diversas prostitutas, que eram chamadas pela sociedade da época de “Flores” ou “Camélias”.

RUA DO FOGO: localizada no bairro de Santo Antônio, conserva a sua antiga denominação até hoje. O nome se deve a um incêndio provocado por um foguete que caiu no telhado de um de seus prédios, durante uma festa da Igreja do Rosário.

RUA DA HORA: localizada no bairro do Espinheiro, tem seu nome como uma homenagem ao médico Pedro da “Hora” Santiago, morador do local durante muitos anos.

RUA DO IMPERADOR: situada no bairro de Santo Antônio, antigamente era formada por três pequenas vias: a Rua do Colégio, que vai da Praça 17 até a Rua Primeiro de Março; a Rua da Cadeia Nova, da Primeiro de Março até o antigo prédio da cadeia nova, hoje o Arquivo Público Estadual; e a Rua de São Francisco, o trecho que fica nas proximidades da Igreja de São Francisco. Teve seu nome mudado para Rua 15 de Novembro, em homenagem à proclamação da República, porém povo sempre a chamou pelo antigo nome.

RUA NOVA: uma das mais tradicionais e conhecidas vias do bairro de Santo Antônio teve sua origem por volta de 1746, quando da construção da Matriz de Santo Antônio. No local, na época dos holandeses, foi construída a Casa da Pólvora, um depósito onde era armazenada a pólvora para os armamentos bélicos. Em 1752, o depósito foi transferido para um outro local mais distante, despovoado, sendo a casa vendida e demolida, surgindo no lugar o novo templo. Em 1870, o nome oficial passou a ser Rua Barão da Vitória, imposto pela Câmara Municipal, em homenagem ao general José Joaquim Coelho, agraciado com o título, pelos relevantes serviços prestados à pátria. A população, no entanto, continuou chamando-a de Rua Nova até hoje.

RUA DO PADRE INGLÊS: antigo beco, localizado no bairro da Boa Vista. A origem do nome é de 1837, quando ali residiu o reverendo inglês Charles Adye Austin, primeiro capelão da Igreja Anglicana da Santíssima Trindade, construída pela colônia inglesa do Recife, na esquina da atual Avenida Conde da Boa Vista(antiga Rua Formosa) com a Rua da Aurora, demolida posteriormente. Seu nome já foi mudado oficialmente para Rua Pereira da Costa (1918), mas continua sendo conhecida e referenciada pelo seu antigo nome.

RUA QUARENTA E OITO: localizada no bairro do Espinheiro, seu nome é uma homenagem à Revolução Praieira, que eclodiu em 1848. Um grupo de revolucionários da revolta costumava se reunir no antigo Sítio do Feitosa, naquela localidade. No início do século XX, era denominada de Rua Nunes Machado, principal vulto da Praieira.

RUA DO SOL: localizada no bairro de Santo Antônio, segue a margem do rio Capibaribe, desde a Ponte da Boa Vista até a de Santa Isabel. Já em 1835, há registros no Diario de Pernambuco referindo-se ao local com o nome de Rua do Sol. Sua denominação vem do fato de receber os raios solares na maior parte do dia. Já foi chamada de Cais do Machado. A Prefeitura, em 1884, mudou seu nome para Rua Dr. Ivo Miquelino e, em 1818, seu nome oficial era Rua Major Codiceira. É conhecida e  chamada até hoje de Rua do Sol pela população.

RUA TOBIAS BARRETO: situada entre os bairros de Santo Antônio e São José era denominada, já em 1789, de Sete Pecados Mortais, porque era um beco com sete casas habitadas por mulheres fadistas.

RUA DA UNIÃO: localizada no bairro da Boa Vista, conserva até hoje a mesma denominação. A origem do nome vem de uma antiga tipografia que editava o jornal União. Local onde Manuel Bandeira passou parte da sua infância, abriga hoje no nº 263, o Espaço Cultural Pasárgada, em homenagem ao poeta.

Algumas das antigas estradas suburbanas, ou seja, os caminhos mais longos que levavam aos subúrbios da cidade, ainda mantêm até hoje o nome de Estrada, como, por exemplo, a de Belém, no bairro de Campo Grande, cujo nome vem do antigo Engenho Belém, que existia onde hoje se encontra localizada a Igreja de Belém; a dos Remédios construída em 1850, que ligava os bairros da MadalenaAfogados, cujo nome vem da antiga Capela de Nossa Senhora dos Remédios ali existente; a do Encanamento, assim denominada porque pelo local passava a tubulação da Companhia do Beberibe, que levava água do Açude do Prata, em Dois Irmãos, para abastecer parte da cidade. Outras estradas foram transformadas em avenidas como a de Caxangá, que já se chamou de Estrada de Paudalho e, em 1875, era conhecida como Estrada do Ambolê, e a Estrada da Imbiribeira, cuja denominação oficial é Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes, uma homenagem ao comandante das tropas brasileiras na II Guerra Mundial.

 

Recife, 18 de maio de 2007.

 

Fontes consultadas

CAVALCANTI, Carlos Bezerra. O Recife e suas ruas: “Se essas ruas fossem minhas...” Recife: Edificantes, 2002.

CAVALCANTI, Carlos Bezerra. Se essas ruas fossem minhas. Suplemento Cultural Diário Oficial de PE, Recife, ano 16, p. 12-14, abr. 2002.

FRAGOSO, Danillo. Velhas ruas do Recife. Correio da Manhã: Caderno do Nordeste, Rio de Janeiro, 13 jan. 1967. p.20, Suplemento especial.

PERNAMBUCO: ruas do Recife: diccionario completo das ruas do município do Recife, com os nomes antiguíssimos, antigos e modernos e ligeiro histórico dos bairros. Recife: Papelaria Ingleza, 1921. 112 p.

SILVA, Leonardo Dantas. Se essas ruas fossem minhas, os seus nomes não seriam mudados. Recife: Fundaj. Inpso; Coordenadoria de Estudos Folclóricos, 2001. (Folclore, n. 287).

 

 

Como citar este texto

GASPAR, Lúcia. Ruas do Recife. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2007. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/ruas-do-recife/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)