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Mustardinha (Bairro, Recife)

 A história da Mustardinha gira em torno da própria história da escravatura no Brasil. O bairro está localizado na zona Norte do Recife, RPA 5, fazendo limite com os bairros de Bongi, San Martin, Mangueira e Afogados.

Mustardinha (Bairro, Recife)

Última atualização: 31/08/2022

Por: Rosângela Araújo de Lima - Professora da Escola Municipal Professor Antônio de Brito Alves
Isabela Cabral de Melo Dantas Pirauá - Historiador e Pesquisador

A história do bairro da Mustardinha, aqui contada, começa com uma viagem no tempo. Nos caminhos da memória, nas lembranças, nos encontros e desencontros que conduziram a uma organização social que se fez presente e está presente, na força de um povo e nas suas lutas por um espaço ao sol. A trajetória do bairro da Mustardinha, as suas conquistas, perdas, ganhos e sonhos serão aqui relatados, a partir de pesquisa bibliográfica, relatos orais (entrevistas com os moradores mais antigos) e visitação a espaços e áreas de convivência do bairro.

 

O bairro está localizado na zona Norte do Recife, RPA 5, fazendo limite com os bairros de Bongi, San Martin, Mangueira e Afogados. Segundo dados da Prefeitura da Cidade do Recife, o bairro apresenta uma área territorial de 63 hectares, e a população residente é de 12.429 habitantes, dentre os quais a população parda se destaca, por representar 60.41%. O bairro foi delimitado por Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), onde há, nos espaços públicos, um comércio atuante e desordenado, além de ausência de saneamento básico e limpeza, somando-se isso a um tráfego intenso de pessoas e transportes diversos.

 

O resgate histórico do bairro, quanto à sua origem e construção, baseou-se nos relatos de três moradores bastante conhecidos e atuantes na comunidade: Flavio Reis da Silva, ativista ambiental envolvido com a cultura local, líder de projetos para o bem-estar dos idosos, além de outros projetos ambientais; Antônio Dias da Silva Filho, economista, cientista político e social, integrante da comunidade cristã jesuíta; Eufrásio Elias de Oliveira, 95 anos, aposentado, ex-presidente da Associação dos Moradores, residente no bairro há mais de 60 anos.

 

De acordo com os entrevistados, a história da Mustardinha gira em torno da própria história da escravatura no Brasil. Conta-se que estas terras pertenciam a um antigo engenho de moagem de cana-de-açúcar, o então Engenho Mocotó. Este engenho era propriedade da família Andrade, que constituía uma pequena elite econômica. Dessa forma, a cultura da Mustardinha hoje é reflexo da cultura negra e africana. Embora a religiosidade tenha se mantido viva, a população negra sofreu marginalização e foi negligenciada após a abolição da escravatura. Essa desestruturação social fez com que, durante sua história, o bairro tivesse graves problemas econômicos, de habitação, de saneamento e de saúde.

 

Nas redondezas do engenho, foram-se constituindo pequenas vilas e agrupamentos, em sua maioria ocupados por trabalhadores. Ali residia um senhor de nome Manoel Andrade Mustardinha; faceiro e muito popular, caiu nas graças do afeto de dona Joana Francisca de Azevedo, uma das filhas do senhor de engenho. A história desse amor se confunde com a do próprio bairro, pois o casal era conhecido por realizar festanças a cada primeira moagem de cana, atraindo, assim, muitas pessoas para a região e ajudando a desenvolver a ocupação e a vida social nos entornos do engenho.

 

Quando o engenho fechou, os herdeiros passaram a alugar o chão, e moradias foram construídas de forma desordenada. Por serem áreas alagadas e não haver nenhuma forma de saneamento, ali proliferaram doenças graves, como filariose e hanseníase, que acometiam muitos moradores. A intervenção do poder público ficava cada vez mais necessária. Para tanto, os moradores passaram a se organizar em associações, e o casarão do Engenho Mocotó representou a força da luta desses indivíduos em busca de qualidade de vida.

 

Com 97 anos de história, o bairro da Mustardinha passou por mudanças significativas. Fábricas surgiram, canais foram saneados, moradias foram construídas e o espaço público foi, aos poucos, tomando forma. Segundo relatos, a proposta de renomear o bairro de Engenho Mocotó para Mustardinha aconteceu em 1922, por intermédio de um vereador que queria prestar uma homenagem ao senhor Mustardinha; entretanto, não existem documentos oficiais que comprovem este fato. Durante o período do Estado Novo, Antônio Dias alega que “todas as assembleias tiveram seus livros queimados,” inclusive onde estariam os documentos da renomeação do bairro.

 

Como resquícios da memória histórica do bairro, pode-se citar o casarão do Engenho Mocotó, hoje Centro Social Urbano; a paróquia de Nossa Senhora do Rosário, construída em 1850, que integrava as propriedades do engenho; a sede carnavalesca do Clube dos Lenhadores; e sua festa “Matinê Branca”, que ocorre há mais de cem anos.

 

O bairro conta ainda com duas praças: a Praça do ABC e a Praça do Abrigo, ou Praça Irmã Douracy. A Praça do ABC recebe este nome por conta de uma fábrica de rádio e TV existente na região. A fábrica costumava levar uma televisão para a praça, exibindo jogos e outras programações e criando, assim, um espaço de lazer e sociabilidade na comunidade. Mesmo com o fechamento da fábrica, os moradores não perderam o hábito de se reunir e conviver nesse espaço público. Entretanto, o aumento da criminalidade e a falta de segurança aparecem com frequência nas queixas dos frequentadores. Já a Praça do Abrigo ou Irmã Douracy é uma homenagem à irmã Douracy, freira que chegou à comunidade e se envolveu com projetos sociais e de evangelização, para melhorar as condições de vida dos habitantes.

 

A religiosidade é bastante presente na localidade. O bairro possui igrejas católicas, igrejas protestantes e centros espíritas. Outra marca são os projetos sociais, principalmente no que se refere ao saneamento básico e à conscientização da população para o descarte adequado do lixo.

 

Através da luta de moradores dedicados, verdadeiros ativistas políticos e sociais, a história da Mustardinha foi se desenvolvendo. Contribui-se, assim, para a preservação de seus patrimônios materiais, mas, principalmente, da memória do bairro.

 

 

Recife, 10 de outubro de 2019

 

* Este texto faz parte do projeto Interagindo com a História do Seu Bairro, uma parceria da Fundação Joaquim Nabuco com o Programa Manuel Bandeira de Formação de Leitores.

Fontes consultadas

DIAS, Antônio. [Entrevista]. Entrevistadora: Rosângela Araújo de Lima. Recife, 30 de jul. de 2019.

 

ELIAS, Eufrásio. [Entrevista]. Entrevistadora: Rosângela Araújo de Lima. Recife, 18 de jul. de 2019.

 

REIS, Flávio. [Entrevista]. Entrevistadora: Rosângela Araújo de Lima. Recife, 7 de ago. de 2019.

 

MUSTARDINHA. In: Site da Prefeitura do Recife. Recife, [2019]. Disponível em: http://www2.recife.pe.gov.br/servico/mustardinha. Acesso em: 15 de jul. de 2019.

Como citar este texto

PIRAUÁ, Isabela Cabral de M. Dantas; LIMA, Rosângela Araújo de. Mustardinha (Bairro, Recife). In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2019. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/mustardinha-bairro-recife/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)