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Liga Pernambucana contra a Tuberculose

A luta contra a tuberculose, em Pernambuco, encontrou na figura do médico Octávio de Freitas seu principal aliado.

Liga Pernambucana contra a Tuberculose

Artigo disponível em: ENG ESP

Última atualização: 28/06/2022

Por: Virgina Barbosa - Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco - Especialista em Biblioteconomia e História

A luta contra a tuberculose, em Pernambuco, encontrou na figura do médico Octávio de Freitas seu principal aliado. Antes dele, apenas o médico Joaquim de Aquino Fonseca, quando dirigia o Conselho Geral de Salubridade da Província de Pernambuco, em 1849, se preocupou e alertou o governo sobre a crescente marcha da tuberculose na Província.

Octávio de Freitas ocupou-se do problema a partir de 1894, quando exerceu os cargos de médico assistente no Hospital Pedro II e o de demografista na Repartição de Saúde Pública. A partir de dados mensais e anuais pesquisados, desde o ano de 1852, o médico observou que os óbitos por tuberculose tiveram progresso contínuo.

Com a descoberta do bacilo de Koch como o agente causador da tuberculose, em 1882, pelo alemão Dr.Heinrich Robert Koch (1843-1910), e após a virada do século XX a luta contra a tuberculose cresceu, os centros médicos europeus se debruçaram sobre o assunto e as decisões e propostas vindas daquele continente repercutiram na América Latina, que não demorou para se engajar nessa batalha. Em 1901, no Congresso Médico realizado no Chile, foi constituída a Comissão Internacional Permanente para a Profilaxia da Tuberculose, que teve como presidente o higienista Emílio Coni. A primeira ação da Comissão foi a de criar, nos vários países latino-americanos, ligas contra a tuberculose.

No Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, o Dr. Hilário de Gouveia tornou-se o representante dessa Comissão que, junto com a sociedade médica, criou a Liga Brasileira Contra a Tuberculose. Em pouco tempo os estados brasileiros foram fundando, cada um, a sua Liga.

Em Pernambuco, alguns médicos sensibilizados com os dados alarmantes sobre a mortalidade pela tuberculose apresentados pelo doutor Octávio de Freitas,  se uniram e fundaram, a 19 de julho de 1900, a Liga Pernambucana contra a Tuberculose (LPCT) solenemente inaugurada no Teatro Santa Isabel, a 19 de agosto do mesmo ano. Sua primeira diretoria foi constituída pelos médicos Octávio de Freitas (presidente), Antonio Hermenegildo de Castro, Costa Ribeiro, Martins Sobrinho e Bernardino Maia. Um dos objetivos era a construção de um hospital para o tratamento de pacientes com tuberculose.

No início, a Liga enfrentou muitas dificuldades devido à falta de apoio da sociedade pernambucana, principalmente da classe social mais abastada. Para desenvolver o seu programa, a LPCT tomou algumas iniciativas: distribuiu 1000 cartas endereçadas às pessoas de alto poder aquisitivo solicitando doações; realizou conferência no Teatro Santa Isabel, solicitando, ao seu término e na saída do teatro, ajuda financeira aos convidados; e visitou casas comerciais para pedir colaboração. Infelizmente, o resultado dessas tentativas foi decepcionante. A única iniciativa que trouxe um significativo retorno financeiro foi uma corrida no Hipódromo de Campo Grande: dois contos de réis.

Com o intuito de obter maior participação de representantes da sociedade na luta contra a tuberculose, a LPCT elegeu uma nova diretoria: Octávio de Freitas, Costa Ribeiro e Martins Sobrinho (médicos), Oswaldo Machado (advogado), Lino Braga e Alberto Dias Fernandes (comerciantes) e Manoel Medeiros (banqueiro).

Para restabelecer o entusiasmo e o empenho para continuar na luta contra a devastadora doença, a imprensa, através de Gonçalves Maia, do jornalA Província, e de Oswaldo Machado, do Jornal do Recife, aderiram à causa. Juntando-se a eles a Cia. Ferro Carril – emitiu cupons que ela própria resgatou em nome da Liga –, as lojas A Primavera, Maison Chic, Regulador da Marinha,Salão Pequeno, Café São João, F. Barbosa, Armazém dos Arcos, entre tantas outras, levantaram recursos entre seus clientes, além de quermesses realizadas por senhoras da sociedade.

Com os valores arrecadados adquiriu-se um terreno na rua Gervásio Pires, no bairro da Boa Vista, para a construção, pelo engenheiro Theóphilo de Freitas (irmão do Dr. Octávio de Freitas), de um Dispensário Modelo para a profilaxia da tuberculose. A pedra fundamental foi assentada no dia 10 de julho de 1903 e sua inauguração em 10 de janeiro de 1904. A Liga Pernambucana Contra a Tuberculose foi a 4ª Liga criada no Brasil, e a primeira a possuir um Dispensário Modelo.

Muitos médicos ali prestaram serviços gratuitos, uma vez que a Liga Pernambucana Contra a Tuberculose não tinha recursos suficientes para pagá-los. Ao Dispensário foi dado o nome de Octávio de Freitas e era composto de dois gabinetes, quatro salas e uma saleta. Havia a sala de espera e a secretaria, os gabinetes de consultas, a saleta do zelador, a farmácia e sala de aparelhos. O corpo administrativo era composto por um diretor, um farmacêutico, um zelador, quatro médicos (dois da vigilância sanitária e dois para o serviço interno). A sua organização e funcionamento foram elogiadas por muitos médicos, inclusive por Oswaldo Cruz quando aqui esteve em 1906.

A intenção de Octávio de Freitas era construir, além do Dispensário, um Asilo para Tuberculosos, mas este segundo empreendimento não foi possível. Inclusive, o Dispensário fora construído em lugar diferente do desejado. A idéia primeira era a construção de dois pavilhões anexos ao Hospital Pedro II para o isolamento dos doentes, mas a Santa Casa de Misericórdia, órgão que administrava aquele Hospital, não aceitou. Anos depois, ele conseguiu autorização da Santa Casa para a construção, no então Hospital Santa Águeda (atual Oswaldo Cruz), do Pavilhão Muniz Machado com a destinação  específica de acolher tuberculosos. Foi a primeira unidade de internamento, no Recife, de portadores da doença.

Em 21 de janeiro de 1912, o médico Octávio de Freitas fundou o segundo Dispensário, que teve o nome de Lino Braga, em prédio construído na rua Conselheiro Peretti (antiga rua da Roda), no bairro de Santo Antonio. Enquanto o primeiro servia exclusivamente para o tratamento da tuberculose, o segundo era voltado para os inúmeros serviços que beneficiavam a saúde da mulher. Da mesma forma, assistia crianças pobres no primeiro ano de vida, medicando-as e auxiliando-as na sua alimentação. Quando necessário, as crianças eram visitadas em suas residências. Para elas, o Dr. Otávio de Freitas criou o programa Gota de Leite

Com a atuação desses dois Dispensários, foi possível conseguir dos governos estadual e municipal a adoção de várias medidas que fortaleciam e auxiliavam na campanha contra a tuberculose. Aliás, na primeira fase de sua existência (1900-1923), a LPCT, além das conquistas junto aos governos, deu assistência a aproximadamente 5.000 tuberculosos no seu Dispensário Octávio de Freitas.

No período de 1922 a 1926, quando o Departamento de Saúde Pública foi dirigido pelo Dr. Amaury de Medeiros, a campanha contra a tuberculose ganhou apoio oficial. Dessa forma, houve um acordo entre a Liga e o Departamento de Saúde: os serviços dos Dispensários e os da Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose em Pernambuco, cuja direção fora entregue ao Dr. Octávio de Freitas, seriam realizados sob a responsabilidade daquele Departamento. Funcionariam da seguinte forma: os serviços do Dispensário Octávio de Freitas num espaço dentro do Departamento, e o Lino Braga numa dependência do prédio ocupado pelo Grupo Escolar Amaury de Medeiros, em Afogados. Quantoaos edifícios ocupados pelos Dispensários, a diretoria da Liga achou por bem vendê-los e depositar a importância resultante numa agência bancária da cidade do Recife. Os resultados colhidos desse acordo foram bastante animadores. Entretanto, quando da implantação do governo revolucionário, a 10 de outubro de 1930, a Inspetoria de Profilaxia de Tuberculose foi extinta e, com essa resolução, as atividades da LPCT ficaram comprometidas.

Em 1931, a Liga voltou a trabalhar sozinha e o seu presidente empenhou-se em construir um edifício para sediar a benemérita instituição e o novo Dispensário Modelo para a profilaxia anti-tuberculose. O dinheiro da venda dos dois Dispensários foi aplicado na construção do prédio num terreno no Derby, nas proximidades da Faculdade de Medicina, atual Memorial de Medicina, requerido e cedido pelo governo estadual. As obras, sob a responsabilidade do Sr. Manoel Carneiro de Sá Barretto, foram iniciadas a 1º de agosto de 1931 e concluídas em 13 de março de 1937. Nesse período, a Liga enfrentou muitos obstáculos criados pelo governo municipal, na pessoa do prefeito Antonio de Góes que, para atender aos apelos da elite preconceituosa residente naquele bairro populoso, alegou ser o lugar inconveniente para a construção de um dispensário anti-tuberculose. Todas as correspondências enviadas à Prefeitura e as respostas da autoridade municipal sobre este assunto encontram-se na publicação O Dispensário da Tuberculose, no Derby, de autoria do doutor Octávio de Freitas.

O Dispensário da Liga (atual Centro Médico Octávio de Freitas), no bairro do Derby, funcionou “como gabinete de consultas e de tratamento; como centro de imunização pela BCG e de aplicação dos testes tuberculínicos de Mantoux e Von Pirquet; como centro de exames radiológicos, e como centro de estudos e de aulas para médicos e estudantes de medicina que desejarem se especializar em tisiologia” (FREITAS, 1948).

Em 7 de agosto de 1948, o comando da luta contra a tuberculose passou para a área governamental com a criação da Divisão de Tuberculose integrando o Departamento de Saúde Pública do Estado. A partir de então, a LPCT ficou realizando um trabalho auxiliar e independente.

A Liga, por muito tempo órgão executivo único da luta contra a tuberculose foi, também, um centro de discussão didática sobre tisiologia, donde emanavam todas as iniciativas de combate à tuberculose. Foi um organismo muito atuante dentro da especialidade. Além do trabalho rotineiro ligado às funções específicas de tratar doentes e defender sadios, realizava cursos e promovia debates que tiveram muita influência no aprendizado dessa especialização (TÁVORA, 1993).

Atualmente, a Liga Pernambucana Contra a Tuberculose tem nova denominação social: Centro Médico Octávio de Freitas (Cemof). Esta alteração foi decidida no dia 23 de outubro de 1991, quando da reunião da Assembléia Geral Extraordinária da Liga.

Por fim, cabe assinalar e realçar o extraordinário papel desempenhado pelo Dr. Octávio de Freitas à frente da Liga Pernambucana Contra a Tuberculose, e em todas as iniciativas que se destinavam a fortalecer a luta contra a doença no Estado de Pernambuco, entre outras: no Hospital Oswaldo Cruz, a Divisão de Tuberculose; nos Centros de Saúde, unidades específicas para trabalhar contra a tuberculose; o Sanatório – Hospital do Sancho (atual Hospital Geral Otávio de Freitas); a criação da Sociedade Pernambucana de Tuberculose.

 

 

 

Recife, 29 de outubro de 2008.
 

Fontes consultadas

COSTA, Veloso. Medicina, Pernambuco e tempo. Recife: Fundação de Cultura da Cidade, 1983. v. 3. p. 151-170.

DISPENSÁRIO Octávio de Freitas. Almanach de Pernambuco para o ano de 1908, Recife, ano 10, 1908.

FREITAS, Octávio de. O Dispensário da Tuberculose, no Derby. Recife: Imprensa Industrial, 1932.

FREITAS, Octávio de. Histórico da luta anti-tuberculosa em Pernambuco. Recife: [s. n.], 1948. Edição do IV Congresso Nacional de Tuberculose.

SHEPPARD, Dalila de Sousa. A literatura médica brasileira sobre a peste branca: 1870-1940.Tradução de Marta de Almeida. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702001000200008&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 23 out. 2008.

TÁVORA, José Geraldo. Octávio de Freitas: um homem à frente do seu tempo.  Recife: Ed. Octávio de Freitas, 1993. p. 64-88.

Como citar este texto

BARBOSA, Virgínia. Liga Pernambucana Contra a Tuberculose. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2008. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/liga-pernambucana-contra-tuberculose/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)