Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (Recife, PE)
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Última atualização: 04/05/2022
Situada na rua Larga do Rosário, no bairro de Santo Antônio, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi edificada em 1630 pela Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, uma associação formada por escravos negros.
Cabe ressaltar que os africanos, que foram transportados como escravos para o Brasil, pertenciam a tribos (ou nações) distintas, tais como as de Angola, Benguela, Cambinda, Moçambique, Congo, Cassanges, entre outras. E cada uma delas possuía as suas línguas (ou dialetos), os seus costumes (conselho de anciãos, festas), e rituais sagrados e religiosos específicos (ritos de Xangô, festas dos mortos e festas dos reis magos).
No Congo, em particular, os negros possuíam certos privilégios, podendo eleger um rei (no idioma pátrio, o seu Muchino riá Congo), e reinar sobre as pessoas das demais nações da África, fossem elas crioulas ou africanas, livres ou escravas. Neste sentido, o primeiro compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, autorizando a coroação de um rei do Congo, em suas festas, está registrado no dia 8 de maio de 1711.
Foi para sobreviver à dor da escravidão e do exílio (tanto da terra natal, quanto dos familiares e amigos) que os escravos trataram de se unir no novo habitat, harmonizando os seus ritos ancestrais, da melhor forma possível. Dessa maneira, as agremiações religiosas representavam um elo importante, através das quais os negros podiam expressar as suas necessidades de defesa e proteção, os seus desejos de liberdade, de caridade para com o próximo e de solidariedade humana.
As festas da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos eram constituídas, então, por danças e batuques que não faziam parte da liturgia católica. Sendo assim, os rituais manifestados por esses irmãos chegaram, até, a ser proibidos pela Inquisição.
Os quilombos, em particular, tanto o de Palmares quanto os demais, entre o Cabo de Santo Agostinho e o rio de São Francisco, eram expressões do espírito associativo dos africanos. E essa tendência associativa, advinda dos quilombos (que se situavam em pleno meio rural), estendeu-se, também, às zonas urbanas.
A Irmandade conservava o sistema de coroação presente na África, com os rituais e as procissões em maracatu, mantendo os arqueiros à frente, dois cordões de damas de honra, os símbolos religiosos, as bonecas enfeitadas, os jacarés, os gatos, os dignitários e, finalmente, o rei e a rainha do Congo, seguidos por músicos. No primeiro domingo de outubro de 1645, segundo os registros, Henrique Dias festejou, com os seus irmãos negros, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, todas as pompas de sua padroeira.
Também estão registrados nos livros da Irmandade, até o ano de 1888, todos os coroamentos que se fizeram dos reis e rainhas da Angola, do Congo e de Cambinda. Foi mediante essas coroações que se originou o maracatu, uma das manifestações mais belas e expressivas do folclore nordestino.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no período do Brasil colonial, a despeito da condição miserável dos seus integrantes, não mediam esforços para construírem templos tão ricos quanto aqueles erigidos pela nobreza, fosse através do fornecimento de mão-de-obra gratuita ou fosse através da aquisição de materiais.
Quanto a isto, existem as escrituras feitas pelos vários tesoureiros, ao longo dos séculos. Por vezes, os irmãos pagavam os débitos através da confecção de doces. Em um dos registros, por exemplo, lê-se as seguintes rubricas como forma de pagamentos: "aos tocadores das danças sete patacas e cordas de viola 640 e mais dois pares de sapatos aos dançantes, com uma esmola que se pagou ao capelão".
Em 1739, a fachada do templo estava em ruínas. A Irmandade decidiu, então, construir um novo frontispício. Pela Igreja dos Homens Pretos passaram famosos entalhadores, tais como Manuel Pais de Lima (que se encarregou do frontispício) e Manuel Alvarez, além de uma série de oficiais marceneiros e carpinteiros que trabalharam arduamente, durante muito tempo, para recuperar o edifício.
O templo teve a sua reconstrução iniciada em 1750 e, em 1777, as obras foram concluídas. Inspirada nos conventos franciscanos, a igreja se tornou um ícone da arte barroca. Em se tratando de estilo, portanto, a construção é típica daquelas existentes na segunda metade do século XVIII.
A construção possui um estilo colonial, mas um conjunto dos seus altares conserva o estilo rococó. O mesmo se diz de sua fachada: simples e autenticamente do século XVIII: apresenta uma só torre, um frontispício alto com volutas e um rosário que ocupa o lugar dos brasões tradicionais das igrejas pernambucanas. A igreja tem cinco grandes portas em sua fachada. No nicho de uma delas, por sua vez, observa-se uma imagem secular de Nossa Senhora do Rosário, proveniente do tempo em que a igreja foi fundada, como também uma antiga imagem de São Benedito, presente no consistório, datando de 1753.
Bastante conservados são as talhas no altar-mor, o painel, pintado em seu forro primitivo (a imagem da Virgem Maria, ladeada por querubins mulatos, entregando o rosário a São Domingos, inspirador da Ordem), e os móveis presentes na sacristia. Há uma galeria de arte no corredor lateral.
A imagem da padroeira, um dos mais belos exemplos da arte luso-brasileira, merece destaque: possui tamanho natural, é feita em madeira policromada, e apresenta olhos de vidro e alfaias de prata. Em seu interior, as pilastras, as arquitraves e os arcos são jaspeados.
Excetuando-se Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora da Boa Hora e São Domingos, todas os outras imagens presentes nos altares representam santos negros. São eles: São Benedito, São Baltazar, Santa Efigênia e São Moisés, Santo Antônio de Catalagirona e Santo Elesbão.
O sistema religioso da Irmandade se modificou após o advento da República, passando a receber pessoas de qualquer cor, com direito a voto e a julgamento, bem como o direito a modificar as festas religiosas e o sistema administrativo. Desse modo, a Irmandade dos Homens Pretos passa a se enquadrar nas conjunturas e cânones vigentes nas irmandades católicas e ordens religiosas.
No começo do século XX, ocorreu um incidente desagradável entre as irmandades de São Benedito e a Ordem Terceira de São Francisco: ao se instalarem no convento de Santo Antônio do Recife, os irmãos pretos começam a notar o desprezo dos irmãos da Ordem Terceira, como ainda uma série de exigências descabidas por parte desses últimos - homens brancos, ricos e de destaque.
No dia 29 de setembro de 1907, após uma assembléia geral, em decorrência desse desprezo, os irmãos pretos de São Benedito decidiram sair em procissão, carregando o andor com a imagem do seu padroeiro - o venerado santo preto - abandonaram a Igreja da Ordem Terceira, e pediram guarida no templo dos irmãos de Nossa Senhora do Rosário.
Recife, 30 de setembro de 2003.
Fontes consultadas
BARBOSA, Antônio. Relíquias de Pernambuco: guia aos monumentos históricos de Olinda e Recife. São Paulo: Editora Fundo Educativo Brasileiro, 1983.
FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.
GUERRA, Flávio. Velhas igrejas e subúrbios históricos. Recife: Fundação Guararapes, 1970.
SILVA, Leonardo Dantas. Pernambuco preservado: histórico dos bens tombados no Estado de Pernambuco. Recife: Ed. do Autor, 2002.
Como citar este texto
VAINSENCHER, Semira Adler. Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (Recife, PE). In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2003. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/igreja-de-nossa-senhora-do-rosario-dos-homens-pretos-recife-pe/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)