A história da Odontologia no Brasil remete para o século XVI, quando os donatários trouxeram mestres de ofício que eram licenciados de acordo com a determinação da Carta Régia de 25 de outubro de 1448, do rei D. Afonso de Portugal. Nela, o ofício de dentista não existia, mas a prática de extrair dentes ficava a cargo dos barbeiros, cujas atividades eram baseadas em parcos conhecimentos médicos que se limitavam ao tratamento de fraturas e luxações, a cura de feridas, a aplicação de ventosas, injeção e sanguessugas, a abrir abscessos, extrair dentes e, também, para justificar o título, cortar cabelo e fazer a barba. Dentro deste contexto, atuou Tiradentes.
Em meados do século XVIII, aparece “pela primeira vez em um diploma oficial, português, a palavra dentista” e a Lei de 17 de junho de 1782, criou mais esta categoria, com atribuições específicas. No Brasil, a primeira Carta [que seria o diploma de hoje] de dentista foi dada, em 1820, a um francês, Eugênio Frederico Guertin.
A trajetória da Odontologia no país se consolidou aos poucos com a criação da Junta de Higiene, em 1850, que tornava obrigatório o registro de médicos, cirurgiões, boticários (os farmacêuticos, dentistas e parteiras); a realização de exames para dentistas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1854; e, por fim, o Decreto 9.311, de 25 de outubro de 1884, que instituiu os primeiros cursos odontológicos no Brasil que funcionaram junto às Faculdades de Medicina (RJ e BA).
Dentre os concluintes do curso de Odontologia, na Bahia, estava o cirurgião dentista Nelson de Albuquerque Melo que, de volta ao Recife, fez parte da diretoria da Sociedade de Medicina de Pernambuco. Por iniciativa desta Sociedade, foi criada a Escola de Odontologia (1913). No início, a Escola funcionou junto com a de Farmácia. Depois, com a fundação da Faculdade de Medicina de Pernambuco (1915) passou a ser um de seus cursos anexos. Hoje, o curso faz parte do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal de Pernambuco.
Trinta e um anos depois da criação da Escola de Odontologia, o Dr. Nelson fundou, em 22 de maio de 1944, no Recife, o Hospital Magitot, totalmente dedicado à Odontologia, primeiro do gênero na América do Sul. Sua denominação foi uma homenagem ao médico francês, Dr. Émile Jean Magitot (1833-1897) que dedicou seus estudos ao desenvolvimento e estrutura dos dentes humanos, às doenças da boca e dentes e também à necrose óssea maxilar causada por fósforo (doença Magitot).
O Hospital Magitot foi instalado num casarão situado na Av. Dezessete de Agosto, 2187, no bairro de Casa Forte e ali funcionou até o início da década de 1950, quando o prédio foi desapropriado. Atendia gratuitamente e possuía em suas dependências salas de clínica, de cirurgias, de radiologia e três enfermarias.
Mudou de endereço e ocupou edificação na rua Benfica, 881, bairro da Madalena, com o auxílio da Secretaria de Saúde do Estado, de doações (inclusive de seu fundador) e do trabalho voluntário de dentistas. Ali, já se faziam grandes cirurgias, tendo como destaque “a intervenção em uma jovem, portadora de osteossarcoma na mandíbula, realizada pelo próprio diretor e sua equipe, com êxito”. Em prédio anexo, funcionava uma clínica dentária infantil.
Nessa época, a Escola de Odontologia já era denominada Faculdade de Odontologia da Universidade do Recife, inclusive a sua sessão de fundação foi realizada no Hospital Magitot, em 18 de março de 1955.
Não demorou muito, o auxílio governamental tornou-se escasso e a direção do Hospital viu-se obrigada a se mudar. Desta vez, foi para o bairro da Várzea, num casarão de dois pavimentos, localizado onde hoje se encontra a rua Azeredo Coutinho, esquina da Praça Pinto Dâmaso, o seu último endereço. Mesmo sem as mesmas condições de antes, continuou a oferecer serviços de clínica dentária especializada, cirurgia bucomaxilofacial, além de atendimentos para doenças da boca. Com a morte do seu fundador e sem apoio institucional ou político, o Hospital encerrou suas atividades no final da década de 1960.
O casarão ficou esquecido. Aos poucos, a área externa foi envolvida por fiteiros, barracas de frutas e verduras. A área interna, o quintal, é ocupado por uma família. A construção abandonada apresenta paredes, janelas e portas quebradas, não tem piso no andar térreo. Em 1992, um incêndio destruiu o telhado e o assoalho do primeiro pavimento. Mesmo em degradação pode ser recuperado. Na década de 1990, foi cogitado para ser Imóvel Especial de Preservação (IEP), mas não foi classificado. A comunidade, entretanto, reivindica junto a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), a restauração do prédio. A arquiteta da Fundarpe, Terezinha Pereira, com o apoio da Prefeitura do Recife e de alunos de arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), projetou para o local um centro cultural voltado para a juventude onde “funcionariam cursos profissionalizantes, de produção artesanal, escolas de música, moda e gastronomia, além de restaurante”. A proposta está lançada. Os entraves burocráticos, técnicos e de apoio político-institucional são muitos. Entretanto, se o casarão, único representante do estilo chalé romântico com dois pavimentos do Recife, for recuperado, voltará a ser um ponto de apoio para a população local.
Recife, 20 de junho de 2013.
Fontes consultadas
CAVALCANTI, Maria de Lourdes. Terceiro milênio sem cárie: flúor 50 anos. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1995. 107 p. p. 97-99.
CHALÉ na lista dos esquecidos. Jornal do Commercio, Recife, 11 set. 2011. Cidades.
CIRUGÍA Oral y Maxilofacial. Recordando a Emile Magitot. Disponível em: <http://cirugiamaxilofacialcolombia.blogspot.com.br/2012/04/recordando-emilio-magitot.html>. Acesso em: 19 jun. 2013.
COMUNIDADE quer reformar antigo hospital. Disponível em: <http://www.cremepe.org.br/leitorClipping.php?cd_clipping=>. Acesso em: 19 jun. 2013.
MELO, José Roberto de. História da Odontologia brasileira. Recife: Bagaço, 1984.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Centro de Ciências da Saúde. Odontologia: histórico. Disponível em: <http://www.ufpe.br/ccs/index.php?option=com_content&view=article&id=297&Itemid=372>. Acesso em: 19 jun. 2013.
Como citar este texto
BARBOSA, Virgínia. Hospital Magitot. PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2008. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/hospital-magitot/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)