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Guerra dos Bárbaros: Índios Tapuias Versus Colonizadores Portugueses

Todos os conflitos que se estabeleceram durante a metade do século XVII e início do século XVIII, envolvendo os colonizadores e os índios, culminaram na expressão “Guerra dos bárbaros” 

Guerra dos Bárbaros: Índios Tapuias Versus Colonizadores Portugueses

Última atualização: 11/03/2022

Por: Cláudia Verardi - Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco - Doutora em Biblioteconomia e Documentação

O fim da União Ibérica em 1640 e a expulsão dos holandeses em 1654 colocou o Nordeste brasileiro em evidência para o reino português que passou a investir na conquista e ocupação da região. Portugal visava ganhar maior autonomia, expandir a atividade pecuária e evitar novos invasores estrangeiros na Colônia e impor a distribuição de terras.

O Brasil do século XVII (1 de janeiro de 1601 – 31 de dezembro de 1700), era bem distinto do atual, a colônia americana do Império Português era formada, até metade do século, pelo Estado do Grão Pará e Maranhão, área composta quase em sua totalidade por litorais. De acordo com Silva (2009, p. 39), a área mais rica naquela época, era a zona do açúcar, que se estendia pelo litoral desde o Recôncavo baiano até a Paraíba, alcançando as áridas costas do Rio Grande do Norte, onde haviam cidades e vilas prósperas.

Dessas vilas partiram homens que, empurrados pela Coroa portuguesa e pela elite canavieira, fizeram guerra aos povos indígenas nos interiores daquelas capitanias, terminando por conquistar o sertão e ajudar na formação de uma nova sociedade colonial. (SILVA, 2009, p. 39).

O conflito envolvendo os colonizadores e os povos nativos conhecidos como Tapuias no território que corresponde atualmente aos sertões nordestinos, da Bahia até o Maranhão culminou na “Guerra dos Bárbaros” (1650 e 1720).

A Guerra dos Bárbaros mais se aproximou de uma série heterogênea de conflitos entre índios e luso-brasileiros do que de um movimento unificado de resistência. Resultado de diversas situações criadas ao longo da segunda metade do século XVII, com o avanço da fronteira da pecuária e a necessidade de conquistar e “limpar” as terras para a criação de gado, esta série de conflitos envolveu vários grupos e sociedades indígenas contra moradores, soldados, missionários e agentes da coroa portuguesa. (PUNTONI, 1999, p. 196).

Os Tapuias eram os grupos indígenas que habitavam o interior e tinham diversidade linguística e cultural, diferentemente dos Índios Tupi, que eram os índios “conhecidos” que falavam a mesma língua e habitavam o litoral.

Na verdade, o que moveu essa disputa por terras foi o crescimento da sociedade canavieira que buscava novas áreas de exploração. A exploração colonial no sertão partiu, sobretudo, dos senhores de Salvador e Olinda, dois dos maiores núcleos urbanos da América portuguesa.

Os pecuaristas que chegaram nessas terras para se estabelecerem ao longo dos rios do sertão começaram a expulsar os índios que habitavam a região. Como eles ofereciam resistência, começaram a chamá-los de tapuias que significa bárbaros.

Todos os conflitos que se estabeleceram durante a metade do século XVII e início do século XVIII, envolvendo os colonizadores e os índios Tapuias, culminaram na expressão “Guerra dos bárbaros” usada tanto pela Coroa de Portugal como pela sociedade açucareira. Dessa forma, os índios além de serem considerados selvagens, foram generalizados como se todos pertencessem a um mesmo grupo.

Os conquistadores atuavam sempre da mesma forma em todas as investidas, eles usavam suas tropas para desalojar os indígenas. A Coroa portuguesa se limitava a conceder os títulos e patentes militares e a conquista das novas terras cabia aos novos proprietários.

As primeiras lutas armadas de caráter genocida aconteceram no Recôncavo Baiano e o conflito ficou conhecido como “A guerra do Recôncavo” (1651-1679).  Às margens do Rio Açú no sertão do Rio Grande do Norte se estendendo por Pernambuco, Piauí e Paraíba, os conflitos foram mais violentos, os que envolveram os índios Tarairiús  resultou na conhecida “Guerra do Açú” (1687-1704). O Governador da Paraíba, na época, era o pernambucano João Fernandes Vieira, antigo líder na Guerra que expulsou os holandeses, que comandou a capitania entre 1655 e 1657. Nesse caso, haviam várias “nações” indígenas envolvidas e os da Etnia Tarairiú, comandados pelo seu “rei” Canindé, eram aliados antigos dos holandeses e dominavam técnicas de guerra e quase conseguiram expulsar os colonos da capitania do Rio Grande do Norte. Foi então que o Governador geral Francisco Barreto de Meneses escreveu ao capitão-mor de São Vicente para acertar um contrato com os mercenários paulistas, pois acreditava que a experiência dos bandeirantes poderia lograr a “pacificação” da região.

Em 1708, o governador de Pernambuco, Manoel de Sousa Tavares, teve mais uma prova de como era terrível guerrear contra eles. Em carta ao Conselho ultramarino – Órgão do governo responsável pelas colônias portuguesas -, relatou que os tapuias, não satisfeitos em destruir fazendas e matar seus moradores, invadir igrejas e derrubar as imagens sacras, eram capazes de atos cruéis e desumanos, como fizeram com o padre Amaro Barbosa, de quem arrancaram o coração! (ARAÚJO, 2009, p. 65).

O conceito de “Guerra Justa” surgiu a partir da visão dos portugueses a respeito da reação dos índios, segundo eles, capazes de cometer verdadeiros atos de selvageria. A partir do momento em que foi decretada a Guerra Justa, os colonos passaram a ter o direito de usar luta armada contra os índios que se recusassem a aceitar a fé católica ou quebrassem os pactos de paz oferecidos por eles.

Essa imagem reforçou os argumentos do conquistador de impetrar uma “guerra justa” para extirpar os “maus” costumes nativos, satisfazendo tanto as necessidades de utilização de mão de obra pelos colonos quanto à garantia aos missionários do sucesso na imposição da catequese. O resultado foi a criação de dispositivos legais que legitimavam uma guerra de extermínio. (PIRES, 2015, p. 3).

Muitas dessas tribos eram canibais e para os colonizadores se justificava ainda mais o uso da força para garantir a segurança daqueles que trabalhavam “a serviço de Deus” em prol da civilização.

Em muitos momentos os índios levaram a melhor e os portugueses começaram então a mudar o rumo da guerra buscando atrair tapuias como aliados para equilibrar o número de combatentes e aprimorar as táticas de guerra e os meios de sobrevivência na mata. Alguns deles lucravam colaborando com os colonizadores porque recebiam terras ao final dos conflitos.

Em 1690, frei Manuel da Ressurreição, que ocupava interinamente o governo-geral do Brasil, decidiu adotar mudanças radicais na estratégia de guerra, para finalmente dar cabo dos tapuias nas capitanias do Norte. (ARAÚJO, 2009, p. 67).

Matias Cardoso de Almeida, que recebeu a patente de mestre de campo e governador de guerra, passou a ser o único responsável pelas ações contra os tapuias. De acordo com Araújo (2009, p. 67), “a ordem era degolar, ou no mínimo escravizar, quantos tapuias fosse possível, destruindo suas aldeias”.

Embora tenha tido uma longa duração, cerca de setenta anos, e tenha sido contemporânea à existência do quilombo dos Palmares, a Guerra dos Bárbaros pouco aparece na historiografia, sendo praticamente desconhecida. A omissão dessa guerra nos livros didáticos e os raros livros de estudiosos especialistas sobre o episódio revelam o desprezo dado ao tema da resistência indígena e do violento processo de conquista lusitano no sertão nordestino. (PIRES, 2015, p. 2).

A luta travada nesse longo período pela conquista de terras no processo de ocupação do sertão através, principalmente, da expansão da atividade pecuária, entre colonos portugueses e índios brasileiros, acabou se transformando em um verdadeiro massacre que culminou no extermínio de diversas “nações” indígenas e a transformação de alguns tapuias em caboclos que migraram pouco a pouco para a Região Norte do Brasil.

 

Recife, 31 de janeiro de 2019.

Fontes consultadas

ARAÚJO, Soraya Geronazzo. Quem tem medo dos bárbaros? Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, a. 4, n. 46, p. 64-67, jul. 2009.

BITTENCOURT, Circe (Org.). Dicionário de datas da História do Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2012.

GUERRA dos Bárbaros [Foto neste texto]. Disponível em: <https://www.editoracontexto.com.br/blog/wp-content/uploads/2015/08/BrasilAntigo-809x499.gif>. Acesso em: 31 jan. 2019.

PIRES, Maria Idalina. Guerra dos Bárbaros – O terrível genocídio que a História oficial não conseguiu esconder. Disponível em: <https://www.editoracontexto.com.br/blog/guerra-dos-barbaros-o-terrivel-genocidio-que-a-historia-oficial-nao-conseguiu-esconder/>. Acesso em: 30 jan. 2019.

PUNTONI, Pedro. A Arte da Guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militar na expansão da fronteira da América Portuguesa, 1550-1700. Novos Estudos, n. 53, p. 189-204, mar. 1999

SILVA, Kalina Vanderlei. Rumo ao sertão: a guerra dos bárbaros e a expansão do Brasil. Revista Continente, a. 9, p. 39-41, jul. 2009.

Como citar este texto

VERARDI, Cláudia Albuquerque. A Guerra dos bárbaros: índios tapuias versus colonizadores portugueses. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2019. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/guerra-dos-barbaros-indios-tapuias-versus-colonizadores-portugueses/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6.ago.2020.)