Uma cidade no Pará, a 120 km de Santarém e a 850km da capital do estado, Belém, carrega até hoje o nome de um dos maiores expoentes do capitalismo do século XX. Fordlândia foi criada pelo empresário que durante muito tempo foi sinônimo do capital: Henry Ford. Nascido em 1863, Ford entrou para a história ao fundar a Ford Motor Company e instaurar, nas suas fábricas, a linha de produção que mais tarde seria denominada de “fordismo”: trabalhadores enfileirados repetiam a mesma tarefa o dia inteiro, margeando esteiras sobre as quais circulavam as peças dos automóveis. O alcance de Ford era tanto que um dos modelos mais populares, o Ford T, vendou mais de quinze milhões de unidades em dezenove anos de circulação. Em 1921, por exemplo, 50% dos carros que apareciam nas ruas das metrópoles do planeta inteiro eram dessa marca.
Disposto a investir mais e mais na incipiente indústria automobilística, Ford criou um ambicioso plano de expansão em solo brasileiro com o intuito de driblar o monopólio inglês da produção do látex. Em 1923, o governo norte-americano enviara uma missão para o Brasil, a American Rubber Mission, com o intuito de constatar a viabilidade da produção de borracha e da adoção da borracha brasileira no mercado ianque. Fordlândia, um sonho de cidade, não demorou a se tornar realidade: em 1927, decidido a investir na extração do látex no Brasil, Ford adquiriu, por US$ 127 mil, terras de um milhão de hectares ao cafeicultor Jorge Dumont Villares e criou a Companhia Ford Industrial do Brasil. O detalhe é que o Governo do Brasil havia se comprometido em ceder os terrenos gratuitamente, de modo que Ford já entrou no Brasil no prejuízo. Isso, contudo, não arrefeceu seu ânimo ou seu ímpeto expansionista.
Assim, em 1928, começaram as frentes de desmatamento para erguer a cidade, que cresceria às margens do rio Tapajós. Os navios Lake Ormoc e Lake Farge vieram dos Estados Unidos com madeira, telhas e algumas mudas de seringueira nos porões. A implantação seguiu o modelo norte-americano e, logo, em Fordlândia, havia campos de golfe, quadras de tênis, igreja, cinema e hidrantes nas ruas. Os seringais foram plantados em quadras divididas nas margens do rio. Três mil pessoas foram contratadas para derrubar a mata e plantar as seringueiras. Como o pagamento era em dinheiro, uma raridade por ali, e quinzenal para quem trabalhava no campo, choviam solicitações de candidatos a emprego. Mas havia, ainda, a dificuldade na contratação da mão-de-obra.
Com o passar dos anos, se por um lado a cidade crescia e englobava o melhor hospital da região e a Vila Americana, onde moram os administradores vindos da América do Norte, por outro, as regras rígidas incomodavam os nativos brasileiros que ali haviam encontrado um meio de vida. Havia proibição de consumo de bebida alcoólica; uma sirene marcava o início e o término dos turnos de trabalho; e havia repetições no cardápio servido aos trabalhadores, fatores que levaram a uma revolta conhecida como “quebra-panelas”: os caboclos se revoltaram contra a obrigatoriedade de comer espinafre e exigiram a dieta básica do peixe com feijão e farinha. Assim, em 1930, explodiu um motim no refeitório, o que evidenciou as diferenças culturais entre as pessoas que ali estavam.
Concomitantemente, a plantação foi atacada por um fungo conhecido como mal-das-folhas, que prejudicava bastante a produção do látex. Em 1931, existiram novecentos hectares plantados, muito pouco para a previsão inicial de duzentos mil hectares e rendimento de 1,5 mil quilos de borracha por cada hectare. No ano seguinte, a companhia contratou um especialista em borracha, o botânico inglês James Weir. Em 1936, Weir aconselhou o fim das atividades em Fordlândia e a migração do cultivo para Belterra, um município a 48 quilômetros de Santarém. Com um terreno mais retilíneo e melhores condições climáticas, a plantação sobreviveu, no entanto sem muitos êxitos.
Em 1945, com o fim da II Guerra Mundial, surgiu a borracha sintética. Produzida no Japão, na Alemanha e na Rússia, passou a ser mais prática e mais barata do que a extração do látex que originaria a borracha natural. Duas décadas depois de chegar ao Brasil, e sem nunca ter pisado em solo brasileiro, Henry Ford vendeu suas terras ao governo nacional por cerca de US$ 250 mil dólares e abandonou suas atividades na Amazônia. Fordlândia, hoje parte do município de Aveiro, é um retrato de uma época que não vingou. Em todas as biografias de Henry Ford, é dos poucos capítulos que descrevem um fracasso na carreira do homem que se tornou referência do capitalismo mundial.
Recife, 23 de maio de 2014.
Fontes consultadas
FORDLÂNDIA. [Foto neste texto]. Disponível em: <goo.gl/dbRM06>. Acesso em: 27 abr. 2017.
LOURENÇO, Elaine. Epopéia Amazônica. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <goo.gl/OBsRVp>. Acesso em: 15 maio 2014.
MADEIRO, Carlos. No meio da Amazônia, Fordlândia vive era de desmanche e furto à espera de tombamento. In: UOL. 3 abr. 2012. Disponível em: <goo.gl/oF5oiY>. Acesso em: 10 maio 2014.
OLIVEIRA, Daniela de. Fordlândia, sonho e realidade: a história de uma cidade e de seu criador. Hist. Cienc. Saude-Manguinhos, v. 20, n. 2, Rio de Janeiro, April/June 2013. Disponível em:<goo.gl/v2tXfG>. Acesso em: 11 maio 2014.
ZIEGLER, Maria Fernanda. Fordlândia: a derrapada do Ford. Aventuras na História, 1º set. 2009. Disponível em: <goo.gl/X6JXy0>. Acesso em: 9 maio 2014.
Como citar este texto
MORIM, Júlia. Fordlândia. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2014. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/fordlandia/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)