Atualmente, a disputa entre os botos Tucuxi e Cor de Rosa é a primeira imagem que vem à cabeça quando se pensa na Festa do Sairé, que se realiza anualmente no distrito de Alter do Chão, em Santarém, Pará. Mas nem sempre foi assim. Ocorrendo há mais de 300 anos, não se sabe ao certo a origem do Sairé. Alguns dizem que seria o modo como os índios Borari, nativos da região, narravam a chegada e a permanência dos portugueses por lá. Outros dizem que os jesuítas o teriam inventado para ajudar na doutrinação dos indígenas. De toda forma, o que se conclui é que o Sairé é fruto do contato entre religiosos e nativos e, portanto, marcado por referências indígenas — a exemplo do uso da bebida fermentada de mandioca, o tarubá — e católicas — ladainhas em latim.
A celebração, na sua forma mais tradicional, guarda práticas cerimoniais do período colonial, mantidas pelos responsáveis pela organização da festa. O rito religioso envolve cortejo, ladainhas, mastros, música e dança. Durante a procissão a Saraipora, geralmente uma pessoa mais velha, leva o símbolo do Sairé (um escudo em semicírculo com três cruzes da Santíssima Trindade), acompanhada por foliões (rezadores) e rufadores (que tocam e cantam). Na beira do rio, dois mastros, um dos homens e outro das mulheres, são apanhados para serem levantados na praça. A derrubada do mastro, encerrando a festividade, é marcada pela ingestão de tarubá e dança.
Na década de 1940, a realização da festa foi proibida pela Igreja Católica. Após um hiato de três décadas, em 1973 os próprios moradores da região, após pesquisa sobre dança, música e ritos da localidade, reativaram a celebração. Nesse momento, foi incorporado à Festa do Sairé, que era eminentemente de caráter religioso, um lado profano: o Festival dos Botos, novas danças e o Espanta-Cão, formação musical que passou a acompanhar folias e ladainhas.
A transformação em festival folclórico teve início na década de 1990, quando o local da festa passou da orla para o Sairódromo, ou Praça do Sairé, e a disputa dos botos foi inserida na festividade. Essa nova estrutura, mais associada ao espetáculo, atraiu muitos jovens, que deixaram para os mais velhos as atividades de caráter religioso. Seguindo os moldes da disputa dos Bois de Parintins, o festival passou a receber mais investimento governamental. Para atrair um público maior, o período de realização do Sairé passou de junho para o mês de setembro.
Envolvendo muitas pessoas e investimentos e movimentando a economia local, a Festa do Sairé conforma-se hoje como a mais importante celebração do município de Santarém e da região do Baixo Amazonas, tanto em termos financeiros quanto simbólicos.
Recife, 23 de maio de 2014.
Fontes consultadas
BRAGA, Sérgio Ivan Gil. Manaus, Macapá e Alter do chão: imaginário, cultura popular e alguns “devaneios” sobre festas na Amazônia. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 26., 2008, Porto Seguro. Anais... Porto Seguro: [s. n.], 2008. Disponível em: <goo.gl/0yp6Ed>. Acesso em: 21 maio 2014.
FESTA do Sairé. [Foto neste texto]. Disponível em:<http://www.hotellondonsantarem.com.br/festa-do-saire/. Acesso em: 27 abri. 2017.
FESTA do Sairé: festival de cor, luz e muita dança. Diário do Pará Online. Disponível em: <http://diariodopara.diarioonline.com.br/impressao.php?idnot=67461>. Acesso em: 22 maio 2014.
FIGUEIRA, Cláudia Laurido. Tradição, memória e poder: Sairé, manifestação cultural reiventada – 1974 a 1996. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH, 26., 2011, São Paulo. Anais...São Paulo: [s.n.], 2011. Disponível em: <goo.gl/jshHpw>. Acesso em: 23 maio 2014.
Como citar este texto
MORIM, Júlia. Festa do Sairé (Pará). In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2014. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/festa-do-saire/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)