Exposição Geral de 1924, A
Última atualização: 26/08/2022
Recife, 17 de outubro de 1924. A cidade amanheceu agitada. Durante toda a semana, os jornais não paravam de noticiar o que consideravam um grande acontecimento:
Nas vésperas da inauguração, os trens extraordinários correm em busca de forasteiros... vão chegando famílias e da manhã à noite há em torno do local um crescente movimento de curiosidade. À tarde de ontem havia, em toda a extensa área, um formigamento humano.²
Afinal, o que estava gerando tamanha euforia e movimentação? Qual o evento que estava mobilizando toda a imprensa do Recife, ocupando colunas diárias nos jornais e revistas? Os habitantes do Recife daquela época sabiam. A maioria estava acompanhando a finalização do grande edifício, no Bairro do Derby, onde seria montada a Exposição Geral de Pernambuco. A imponente construção fora erguida em poucos meses, com a finalidade de, logo após o evento, sediar o Quartel da Força Pública.
A moda das grandes exposições universais iniciou-se na Europa em meados do século XIX. Estas grandes feiras mundiais reuniam vários países, constituindo-se em verdadeiras “festas da modernidade.” Estimuladas pelos ideais de “progresso” da humanidade, a partir do desenvolvimento da ciência e da indústria, as exposições exibiam os mais diversos produtos e invenções modernas, além de expor as tradições e costumes de diversos povos. Na medida em que divulgavam a crença na supremacia da técnica e no progresso material da cultura ocidental, sobretudo da Europa, as Exposições Universais transmitiam a ideia da superioridade das potências imperialistas europeias, exibindo um mundo dividido entre o que consideravam os países “avançados” e os “atrasados”.
As primeiras exposições universais foram montadas em Londres (1851), Filadélfia (1876) e Paris (1878), entre outras. Em Pernambuco, a primeira exposição ocorreu em 1861, ainda no período imperial, com a exibição da produção de seis províncias. Cinco anos depois, em 1866, foi organizada a Exposição dos Produtos Agrícolas, Industriais e Obras de Arte em Pernambuco, apresentando apenas a produção do Estado.³ De acordo com Marcelo Mac Cord:
Quando de seu encerramento, os organizadores informaram que 6.551 visitantes conheceram os 427 produtos agrícolas, industriais e artísticos expostos. Considerando que o censo de 1872 registrou 126.671 habitantes na cidade do Recife, não é de se desprezar o público que visitou o Palácio do Governo para apreciar as mais variadas riquezas locais – aproximadamente 5% do contingente populacional da capital.
Percebe-se, portanto, que não era à toa a movimentação no Recife, naquelas primeiras semanas de outubro de 1924. A inquietação dos habitantes da cidade se devia à inauguração da Exposição Geral de Pernambuco, evento que refletia a atmosfera de cosmopolitismo, progresso e otimismo das grandes mostras internacionais. Planejado para marcar as comemorações do Centenário da Confederação do Equador, o evento foi inaugurado pelo governador Sérgio Loreto, em outubro de 1924. De acordo com os jornais, a festa foi deslumbrante: mais de duzentas lâmpadas elétricas iluminavam o prédio, bandas de música tocavam dobrados, cerca de duzentos automóveis seguiram em cortejo, fogos de artifício e discursos políticos marcaram a abertura do evento, citado pelos periódicos da época como o “reflexo do nosso progresso e operosidade incessante.”
A exibição reunia uma grande variedade de empresas, fábricas, agricultores e produtores rurais, instituições públicas e privadas, artistas, além de profissionais independentes, ansiosos por expor o que consideravam “as potencialidades e riquezas de Pernambuco.” Nos mostruários, uma infinidade de produtos, objetos, animais, vegetais, peças artísticas e artesanais, serviços e curiosidades foi exibida: desde máquinas industriais de grande porte, até almofadas bordadas, panos de crochê e trabalhos escolares. Da exposição de animais, também participaram, além do gado bovino, equino, caprino e das aves, diversas curiosidades, como: duas onças, uma cobra cascavel de duas cabeças e uma coleção de insetos, conforme matéria do Jornal do Commercio. Segundo o presidente da comissão organizadora do evento, Samuel Hardman, que exercia o cargo de secretário de Agricultura, Comércio e Indústria do Estado:
Nenhum produto, por mais banal que pareça, deixa de ter interesse. É sempre o testemunho, ou da uberdade da terra, ou da técnica do lavrador, senão também da perícia do artesão.
A Exposição funcionou no período de 18 de outubro a 15 de novembro, abrindo diariamente às 14h e encerrando as atividades, às 23h. A afluência de visitantes era grande. Muitos vinham de outras cidades e estados, somando, ao final da mostra, um público de mais de 140 mil pessoas, segundo os jornais da época. De acordo com matéria do Jornal Pequeno, apenas no dia da inauguração, um sábado, a frequência chegou a vinte mil pessoas! Se considerarmos a população da cidade nesse período e o fato de o evento ter funcionado por apenas 28 dias, podemos avaliar essa frequência como bastante expressiva.
Para chegar à Exposição, a Tramways, companhia que explorava os transportes no Recife na época, disponibilizou uma linha especial de bondes, que circulava com o letreiro “Exposição”, deixando o visitante no portão principal de entrada do edifício. Os que vinham dos Estados vizinhos, Paraíba e Alagoas, tinham várias opções a escolher, pois horários especiais e trens extraordinários foram disponibilizados para atender à demanda dos que desejavam visitar a feira. Em sua grande maioria, os frequentadores pertenciam às camadas médias e famílias das elites de Pernambuco e Estados vizinhos. As propagandas da época refletem a movimentação do comércio local em função do evento. Lojas de moda feminina, como A Deusa da Moda, e a loja Stella, anunciavam a chegada das últimas novidades, para atender à procura das senhoras e moças das famílias mais abastadas, agitadas com a escolha dos trajes que usariam nas visitas à Exposição.
Mas, só as elites frequentaram a Exposição? Percebe-se, a partir da estrutura do evento e das determinações da Comissão Organizadora, que a festa não era aberta à participação irrestrita de todos. Eventos específicos, como: a Festa dos Operários, a Festa dos Alunos das Escolas Municipais, promoção de tardes de brincadeiras para as crianças pobres, eram oferecidos, para possibilitar a presença controlada desses “outros” personagens na feira. Enquanto as elites circulavam e desfrutavam de todos os recintos da mostra, as camadas populares tinham acesso limitado aos espaços da Exposição. Além dos preços dos ingressos e do alto valor pago pelas comidas e diversões, que por si só já os excluía da festa, havia também as medidas explícitas de controle impostas pela organização da feira. Estas determinações podem ser observadas a partir da nota publicada no Jornal A Província, que divulgava a existência de uma comissão especial, responsável pela seleção dos frequentadores do “Pavilhão de Danças”:
A Direção do Pavilhão de Danças torna público que, sendo este um divertimento onde assiste a nossa sociedade distinta, ao ingresso do mesmo presidirá o critério de rigorosa seleção, fiscalizada também por uma comissão de distintos membros da nossa melhor sociedade, ficando, dessa forma, reservado o direito de vedar a entrada no mesmo a quem julgar conveniente.
Além dos quase três mil produtos e serviços produzidos pelos municípios pernambucanos, expostos em 32 salões dos dois andares do futuro Quartel da Força Pública do Estado, a Exposição oferecia uma programação intensa e diversificada. Diariamente, eram anunciados festas, comemorações e diversos eventos, como: conferências, palestras, exposições de pintura e escultura, exibição de flores e mostras de livros.
Mas, era do lado de fora do edifício que estava um dos maiores atrativos da feira: a luz elétrica. Os jornais não se cansavam de noticiar “a feérica iluminação”, a “suntuosa e artística distribuição de lâmpadas”, os “grandes holofotes que projetam raios luminosos”, destacando o fascínio que a novidade causava no público. A Revista de Pernambuco publicou fotos do evento à noite, para mostrar que na Exposição, tal qual magia, a noite virava dia!
Além da iluminação, o parque de diversões e as apresentações artísticas eram as atrações que mobilizavam um grande público. Eram shows de grupos musicais e de dança, retretas, barracas de prenda, jogos e apostas, pastoril, corso, batalhas de flores, desfile de automóveis ornamentados, queima e fogos, desafio de repentistas, que faziam a alegria dos frequentadores.
O parque de diversões instalado pela empresa americana Coney Island, com suas modernas diversões movidas à eletricidade, despertava a curiosidade do público pelas novas sensações que causavam: a velocidade deslumbrava as pessoas. A roda-gigante, o carrossel, o chicote, o carro de loucos e o aeroplano faziam o público delirar. Você pode avaliar o impacto dessas novas diversões assistindo ao filme A Exposição Geral de Pernambuco, produzido pela Pernambuco Films, em que o cinegrafista nos dá uma mostra dessas emoções, filmando seu “atordoante passeio” pela roda-gigante e pelo aeroplano.
Enquanto os autofalantes espalhados pela feira retransmitiam as músicas e notícias de estações de rádio do Rio de Janeiro e de Buenos Aires, o cinema da Exposição exibia para os expectadores imagens da natureza e do progresso de Pernambuco, além de películas que exaltavam as realizações do Governo Sérgio Loreto. Mas, o “Pavilhão de Cinema” não servia apenas para a projeção de filmes. No seu palco, também eram apresentados números de variedades, como mágicos e ilusionistas, além de shows de música e dança, a exemplo do Pastoril da Torre, que fazia sucesso com as cançonetas “picantes” do Velho Bahu. De acordo com o Jornal Pequeno, em alguns dias, o Pavilhão do Cinema recebeu um público de mais de mil pessoas!
Vale destacar que, em tempos de valorização da cultura local, a programação da Exposição sofreu forte influência do chamado Movimento Regionalista, formado por um grupo de intelectuais pernambucanos, tendo à frente Gilberto Freyre. Integrante da Comissão Organizadora dos eventos artísticos da Exposição, Freyre defendia a ideia de uma programação voltada para a valorização da cultura do Estado. Assim, nos jantares oficiais serviam-se apenas pratos da cozinha pernambucana e bebidas locais. A orquestra oficial da Exposição, chamada de “orquestra típica”, regida pelo maestro Nelson Ferreira e composta por músicos pernambucanos, executava uma seleção de “músicas puramente pernambucanas”, segundo o jornal A Província. O cinema da Exposição, como já destacamos, exibia basicamente películas filmadas em Pernambuco, exaltando as belezas e riquezas do Estado. Manifestações tradicionais, como os repentistas José Duda e Severino Pinto, o já mencionado Pastoril da Torre e brincadeiras, como pau de sebo e cabra cega, também faziam parte da programação oficial e faziam sucesso entre os visitantes.
Mas, a Exposição não agradou a todos. Se o tom de exaltação e entusiasmo com o evento prevalecia na maioria das notícias publicadas pela imprensa local, as reclamações não deixaram de ser divulgadas por alguns periódicos, sobretudo os que se opunham ao Governo Sérgio Loreto. As críticas eram muitas: os altos preços das atrações do parque de diversões da empresa Coney Island; os prêmios não pagos por algumas barracas de prenda; a falta de pagamento dos salários de funcionários; o cancelamento de eventos que constavam da programação oficial, dentre outras. Uma das queixas mais constantes se referia à limitada oferta de comidas e bebidas. A opção da Comissão Organizadora de seguir as orientações de Gilberto Freyre e de outros intelectuais ligados às ideias regionalistas, prestigiando os “comes e bebes” da tradicional culinária pernambucana, desagradou a muitos.
Nos bares e no restaurante não se encontra o que se pede. Alegam que está fora de produtos pernambucanos o que se deseja, sendo assim proibitiva a sua venda. Pensamos haver forçosamente um engano.
Assim, na Exposição Geral de 1924, exibiu-se uma mescla do antigo com o novo. O progresso, a racionalidade e a ciência foram mostrados junto às tradições da cultura local e à magia do pitoresco e exótico. Encantando uns e assustando outros, ao expor o que se considerava “as grandezas e riquezas do Estado”, a Exposição revela o imaginário de progresso e civilização das elites pernambucanas, ocultando cenários e sujeitos que não correspondiam a essas ideias.
Recife, de agosto de 2021
Fontes consultadas
Jornal do Commercio,17 de outubro de 1924.
Acta da sessão de inauguração da Exposição dos Productos Agricolas, Industriaes e Obras D’Arte de Pernambuco em 1866. Ibero American Library – Catholic University of America. Oliveira Lima Library. Acesso on-line, em 25/03/2015.
CORD, Marcelo Mac. Antonio Benvenuto Cellini: a trajetória de um escultor da escravidão à liberdade. Recife/Rio de Janeiro, século XIX. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. nº8, 2014, p.402. In: http://wpro.rio.rj.gov.br/revistaagcrj/antonio-benvenuto-cellini-a-trajetoria-de-um-escultor-da-escravidao-a-liberdade-reciferio-de-janeiro-seculo-xix/ Acesso em 28/09/2020.
Diario de Pernambuco, 14/09/1924. Coluna Exposição Geral de Pernambuco, p. 2.
Jornal Pequeno, 20/10/1924. 2º Aniversário do Governo Sérgio Loreto, p. 1.
Jornal A Província, 21/10/24. Destaques meus, p. 3.
Para avaliar um pouco o impacto que essas novidades causaram nos habitantes do Recife, você pode acessar o link abaixo e ver o filme A Exposição Geral de Pernambuco, produzido pela Pernambuco Films, https://www.youtube.com/watch?v=yo6PVly9-eE
Jornal Pequeno, 21/10/1924. Coluna Exposição Geral de Pernambuco.
Diario de Pernambuco, 16/09/1924. Coluna Ainda sobre a Exposição Geral de Pernambuco.
A Província, 14/09/1924. Coluna Exposição Geral de Pernambuco.
Jornal Pequeno, 21/10/1924. Coluna Exposição Geral de Pernambuco. O êxito do brilhante Certamen.
Jornal Pequeno, 20/10/1924. Coluna Cousas da Exposição, p. 1.
Como citar este texto
COUCEIRO, Sylvia Costa. A Exposição Geral de 1924. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2021. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/exposicao-geral-de-1924/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)