[...] Massangana ficou sendo a sede do meu oráculo íntimo: para impelir-me, para deter-me e, sendo preciso, para resgatar-me, a voz, o frêmito sagrado, viria sempre de lá [...]
Joaquim Nabuco, Minha formação.
O engenho Massangana tem suas origens no início da colonização portuguesa no século XVI. Situado nas margens do rio Ipojuca, no município pernambucano do Cabo de Santo Agostinho, a cerca de 40 quilômetros do Recife, tem como provável fundador Tristão de Mendonça, que recebeu as terras de Duarte Coelho, primeiro donatário da Capitania de Pernambuco.
Palavra de origem africana, possivelmente oriunda de Angola, massangana na sua forma masculina massangano (massanganu), significa “confluência; foz; lugar onde dois rios se juntam num só”, uma designação apropriada para a localização do engenho, em cujas terras se unem os riachos Massangano e Algodoais.
A história do Massangana é semelhante à de diversos outros engenhos da região da mata de Pernambuco. A área era uma floresta habitada pelos índios. Os colonizadores portugueses a conquistaram, desmataram e construíram o engenho para fabricar o açúcar mascavo e exportá-lo para a Europa.
Com uma arquitetura típica da época, o engenho é um patrimônio arquitetônico representativo da sociedade rural do Nordeste do Brasil. Possui também um significativo valor histórico, uma vez que fez parte da infância do abolicionista e homem público Joaquim Nabuco, que foi batizado na sua capela, pelo vigário do Cabo, no dia 8 de dezembro de 1849, e lá viveu seus primeiros oito anos de vida.
No seu livro Minha formação (1900), Nabuco dedica um capítulo ao Massangana, fazendo uma descrição física do local, na época um engenho bangüê pertencente a sua madrinha Dona Ana Rosa Falcão de Carvalho:
[...] A terra era uma das mais vastas e pitorescas da zona do Cabo... Nunca se me retira da vista esse pano de fundo que representa os últimos longes de minha vida. A população do pequeno domínio, inteiramente fechado a qualquer ingerência de fora, como todos os outros feudos da escravidão, compunha-se de escravos, distribuídos pelos compartimentos da senzala o grande pombal negro ao lado da casa de morada, e de rendeiros, ligados ao proprietário pelo benefício da casa de barro que os agasalhava ou da pequena cultura que ele lhes consentia em suas terras. No centro do pequeno cantão de escravos levantava-se a residência do senhor, olhando para os edifícios da moagem, e tendo por trás, em uma ondulação do terreno, a capela sob a invocação de São Mateus. Pelo declive do pasto árvores isoladas abrigavam sob sua umbela impenetrável grupos de gado sonolento. Na planície estendiam-se os canaviais cortados pela alameda tortuosa de antigos ingás carregados de musgos e cipós, que sombreavam de lado a lado o pequeno rio Ipojuca. Era por essa água quase dormente sobre os seus largos bancos de areia que se embarcava o açúcar para o Recife; ela alimentava perto da casa um grande viveiro, rondado pelos jacarés, a que os negros davam caça, e nomeado pelas suas pescarias. Mais longe começavam os mangues que chegavam até a costa de Nazaré... Durante o dia, pelos grandes calores, dormia-se a sesta, respirando o aroma, espalhado por toda parte, das grandes tachas em que cozia o mel. O declinar do sol era deslumbrante, pedaços inteiros da planície transformavam-se em uma poeira de ouro; a boca da noite, hora das boninas e dos bacuraus, era agradável a balsâmica, depois o silêncio dos céus estrelados majestoso e profundo. De todas essas impressões nenhuma morrerá em mim. [...] Eu por vezes acredito pisar a espessa camada de canas caídas da moenda e escuto o rangido longínquo dos grandes carros de bois [...]
Em 1870, por iniciativa do sobrinho e herdeiro de Dona Ana Rosa, Paulino Pires Falcão, o Massangana foi reconstituído – já era um engenho de fogo morto (não fabricava mais açúcar) –, tornando-se plantador e fornecedor de cana-de-açúcar à usina Santo Inácio. Posteriormente, por problemas de endividamento, passou para o controle da Santo Inácio.
Em 1972, foi desapropriado pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) que, depois de restaurá-lo, inaugurou no local o Museu Massangana, doando-o, em 1983, ao Estado de Pernambuco.
Em 1984, visando a sua preservação, o Governo do Estado tombou o Massangana, declarando-o Monumento Histórico de Pernambuco e, no mesmo ano, o então governador Roberto Magalhães passou para a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), em regime de comodato, a administração do engenho.
Foi tombado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) como Parque Nacional da Abolição Engenho Massanganae, na década de 1990, a Fundaj transformou-o no Centro Científico e Cultural Engenho Massangana (CCEM), onde eram desenvolvidos três projetos:Engenhos da Ciência, da Invenção e da Cultura, num espaço destinado à pesquisa científica e à educação patrimonial. O Centro contava com um auditório para 36 lugares, com cabine de som, ar-condicionado, televisor, retroprojetor, projetor de slides, videocassete, telão e outros equipamentos para realização de cursos e seminários; uma biblioteca; uma sala de reuniões; acomodações para 28 pessoas (14 apartamentos com duas camas, uma pequena sala para estudo, banheiro e ar-condicionado) e um refeitório.
Aberto à visitação pública das 8h às 17h, recebia estudantes dos ensinos fundamental e médio, especialmente de escolas públicas, para atividades lúdicas e pedagógicas sobre a história social de Pernambuco, especialmente da abolição da escravatura e da luta do abolicionista Joaquim Nabuco. Dispunha ainda de uma pequena biblioteca, destinada às pesquisas escolares, denominada Sala de Leitura Dona Ana Rosa e de uma moenda do século XIX, atualmente desativada.
O engenho conserva a casa-grande colonial, construída numa encosta, com água-furtada, enormes salões e um terraço que vai até a área de serviço; a capela, sob a invocação de São Mateus, situada no alto, e, na parte mais baixa, o arruado, que foi transformado em acomodações para hóspedes, na época do Centro Científico e Cultural Engenho Massangana.
Atualmente, em processo de reestruturação e restauração física das suas instalações, o engenho deverá em breve voltar a promover atividades culturais e de educação patrimonial.
Recife, 30 de junho de 2008.
Fontes consultadas
ANDRADE, Manuel Correia de. Presença de Massangana. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 1996.
ENGENHO abre a porta ao turista. Diario de Pernambuco, Recife, 19 jan. 1994. Caderno E, p. 6.
GALVÃO, Sebastião de Vasconcellos. Diccionario chorographico, historico e estaiístico de Pernambuco. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1908.
MASSANGANA, no Cabo: o engenho da ciência. Jornal do Commercio, Recife, 4 ago. 1992. Ciência/Meio Ambiente, p. 4.
NABUCO, Joaquim. Minha formação. São Paulo: Instituto Progresso Editorial; 1949.
SILVA, Leonardo Dantas. Massangana. Noticia Bibliográfica e Histórica, Campinas, São Paulo, ano 33, n. 182, p. 226-230, jul./set. 2001.
Como citar este texto
GASPAR, Lúcia. Engenho Massangana. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2008. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/engenho-massangana/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)