A música popular nordestina deriva de processos técnicos muito simples e, em geral, não está vinculada a qualquer espécie de teorização. Seu nascimento, difusão e duração estão ligados, intrinsecamente, às atividades e interesses da população e, caso possua aceitação social, a música vai se propagando com o passar do tempo. Ela representa, em verdade, os sentimentos, os desejos, os medos, os preconceitos e a bagagem cultural das pessoas.
De acordo com estudiosos do assunto, a música popular provém de criação anônima, mas é usada de forma coletiva. Em outras palavras, os autores não são conhecidos e, portanto, ninguém pode exigir o pagamento de direitos autorais ao cantá-las e/ou difundi-las. Ela é transmitida de geração em geração por meios práticos - normalmente, por via oral - e, é a memória, seu principal canal de difusão e conservação
O siriri - uma música ligeira de autoria desconhecida - é também uma dança de roda infantil no Nordeste. O termo deriva do vocábulo Osiriri, que pertence ao dialeto tupi e significa foge, corre. A música é composta do refrão abaixo:
Ô siriri, ô meu bem, ô cirirá,
roubaro (roubaram) o meu amor
e me deixaro (deixaram) sem amar,
eu agora arranjei outro
e quero vê (ver) você tomar
Após se cantar o refrão, canta-se uma trova, com a mesma melodia do refrão. Retorna-se depois ao refrão, a seguir canta-se uma trova diferente e continua-se, dessa maneira, até o cansaço vencer a brincadeira.
Cabe esclarecer que a trova - uma composição lírica – origina-se da quadra popular dos colonizadores lusos, e representa o único gênero literário exclusivo da língua portuguesa. Ela pode ser definida como um pequeno poema de quatro versos, com rima e sentido completo.
As trovas mais populares do siriri são as seguintes
Minha mãe chama-se Caca, Da tua casa pra minha
Minha avó Caca Maria, corre um riacho no meio,
Em casa, tudo era caco, tu de lá dá um suspiro,
sou filho da cacaria. e eu de cá suspiro e meio.
A folha da bananeira As estrelas no céu correm
de tão verde amarelou, correm tudo em carreirinha,
a boquinha de meu bem mesmo assim corre um beijinho
de tão doce açucarou. da tua boca pra minha.
Minha mãe me chamou feia Açucena dentro d’água
me chamou mal-amanhada, a durar quarenta dias,
eu então chamei a ela um amor longe do outro
velha da cara engelhada. chora de noite e de dia.
Cajueiro pequenino Lá detrás da minha casa
carregado de fulô (flor) tem um pé de papaconha,
eu também sou pequenina quem quiser tirar um galho,
carregadinha de amor. é descarado e sem-vergonha.
Sete e sete são catorze As flores também se mudam
com mais sete, vinte e um, do jardim para o deserto,
tenho sete namorados de longe também se ama
e não me caso com nenhum. quem não pode amar de perto.
Quem me dera dera dera, Menina dos olhos verdes,
Quem me dera dera só, sobrancelhas de veludo,
me deitar em tua cama, o teu pai não tem dinheiro,
me cobrir com teu lençó (lençol). mas teus olhos valem tudo.
Menina se quer ir vamos, Por debaixo d’água passa,
não te ponhas a maginar (imaginar), duas tesouras de ouro,
quem magina (imagina) cria medo uma pra cortar ciúme
quem tem medo não vai lá. e outra pra cortar namoro.
Caco caco caco caco, Sete e sete são catorze,
caco de torrar café, com mais sete, vinte e um,
tu inda (ainda) fala comigo, teu pai é ladrão de bode
cara de porco baé. tua mãe de jerimum.
Lá detrás da minha casa, Um sabonete cruzado,
tem um pé de mororó, na mala quem tem sou eu,
quem quiser “mangar” de mim, aproveite, desgraçado,
vá “mangar” de sua avó. um amor que já foi teu.
Se tiver raiva de mim, Bananeira bota cacho,
E não puder se vingar, e também bota um galhinho,
meta o dente na parede um rapaz pra ser bonito
coma terra até inchar. tem que usar um bigodinho.
Nunca vi carrapateira, A laranja de madura,
botar cacho atravessado, caiu n’água e foi ao fundo,
nunca vi quem é solteiro triste de quem é solteiro
namorar quem é casado. e casa c’um (com um) vagabundo.
Lá vem a lua saindo, Lá detrás da minha casa,
por detrás do leque-leque, passa boi passa boiada,
filho de branco é menino, e também passa amarelo,
filho de preto é moleque. Do bucho de panelada.
Cajueiro abaixa o galho, Tô (estou) chorando, tô chorando,
deixa o meu gado passar, tô chorando por você,
ele vem de lá de longe, se você não acredita,
do sertão do Ceará. vou chorar pra você ver.
Minha mãe me chamou feia, Lá vem o carro apitando,
de bonita que ela é, cheio de cana crioula,
ela é o pé da rosa esses rapazim (rapazinhos) de hoje,
e eu sou a rosa do pé. vestem calça sem ceroula.
O siriri necessita da produção de trovas, a mais popular das formas poéticas, para poder existir. E, mesmo sem intenção, os trovadores, ao ria-las, expressam suas filosofias de vida, preconceitos, dúvidas, certezas, alegria e bom humor, ressaltando os valores que estão incrustados na cultura popular nordestina.
Recife, 3 de janeiro de 2007.
Fontes consultadas
ALVARENGA, Oneyda. Danças, recreação, música. In: MAYNARD, Alceu Araújo. Folclore Nacional. São Paulo: Melhoramentos, 1967. v. 2.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1954.
Como citar este texto
VAINSENCHER, Semira Adler. Siriri. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2007. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/siriri/. Acesso em: dia mês ano. (Ex: 6 ago. 2009.)