Imagem card

Revolução Pernambucana de 1817: a “Revolução dos Padres”

A Revolução pernambucana, assim como  outros movimentos revolucionários, foi influenciada pelos ideais liberais da Revolução Francesa.

Revolução Pernambucana de 1817: a “Revolução dos Padres”

Última atualização: 25/10/2022

Por: Cláudia Verardi - Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco - Doutora em Biblioteconomia e Documentação
Lara Nogueira - Monitora da Fundação Joaquim Nabuco

A Revolução pernambucana, assim como  outros movimentos revolucionários, foi influenciada pelos ideais liberais da Revolução Francesa. Ao tempo em que aconteciam as guerras napoleônicas, as colônias espanholas iniciaram também seus motins. O Haiti (no Caribe) conquistou sua Revolução de Independência em 1803.

 

De acordo com Figueiredo (2017), em 1808, a  ameaça napoleônica na Europa fez o Rei português mudar-se para o Brasil. A vinda da família real para o Rio de Janeiro, gerou altos custos para a população e o aumento de impostos para sustentar a Coroa.

 

A abertura dos portos no Brasil em 1810 refletiu diretamente no comércio português alterando completamente toda a sua conjuntura. Essa liberação do comércio favoreceu as relações comerciais entre o Nordeste brasileiro e outras nações.

 

A capitania de Pernambuco sendo a mais lucrativa era também a mais solicitada no pagamento de impostos. Alguns impostos tornaram-se muito impopulares, como por exemplo, a tributação sobre os produtos comercializados, principalmente os alimentos. Os pernambucanos também se incomodavam com os gastos extravagantes para custear a Corte no Rio de Janeiro. Todas as esferas sociais eram atingidas pelo problema fiscal gerando descontentamentos e tensões que foram se agravando conforme aumentava o endividamento dos colonos ao aparelho administrativo português.

 

A rivalidade entre os portugueses e os pernambucanos nasceu das divergências entre os ricos senhores de Engenho de Olinda e os comerciantes portugueses (chamados Mascates) devido à baixa do açúcar no mercado internacional e da concorrência do açúcar produzido nas Antilhas. Durante a crise os mascates começaram a emprestar dinheiro aos senhores olindenses cobrando juros altíssimos e, consequentemente, ocasionando grandes endividamentos. Os rebeldes mais empolgados, em sua maioria, pertenciam às classes mais abastadas da época e muitas vezes ocupavam cargos de milícias e ordenanças, porém,

 

Afirmavam permanecer na condição de escravos, ao contrário dos europeus que aqui se estabeleciam e enriqueciam a custa deles; naturais da Terra, que fôra conquistada aos holandeses graças a bravura dos seus antepassados nas memoráveis batalhas dos Guararapes e a doaram a El-rei, mediante certas exigências a que ele não vinha dando a devida importância (SFERA, 1965, p.44).

 

Antes de a rebelião tomar as ruas, algumas casas particulares e as sociedades secretas já realizavam reuniões objetivando tramar contra o Governo. Essas reuniões aconteciam na casa do comerciante Domingos José Martins para traçar os planos de ação da Revolução. Outras reuniões de revoltosos aconteciam com muita frequência na residência do Padre João Ribeiro Pessoa, de Luís José Cavalcanti Lins (Vigário de Santo Antônio), e de Antônio Gonçalves da Cruz (conhecido como Cabugá).

 

Alguns autores confirmam que a principal justificativa para que houvesse a Revolução estava baseada justamente no descumprimento do pacto feito à época da Batalha dos Guararapes:

 

Como justificativa do levante, os revolucionários acusavam a Coroa de descumprir um velho pacto com a Capitania. Tal “contrato” ancorava-se no mito da restauração do domínio português no distante ano de 1654, quando, à custa de muita perda de sangue e de fazenda de seus antepassados, conquistaram Pernambuco aos holandeses e devolveram-no ao soberano. Em contrapartida, pela lealdade, passou a Coroa a oferecer isenções fiscais, administrativas e outras regalias aos pernambucanos, o que, naquele momento, não vinha sendo observado (CABRAL, 2015, p. 25).

 

As lideranças rebeldes buscando justificar a revolução pelo interesse em resgatar esse “acordo” e exigindo do soberano um tratamento condizente, fez a Revolução de 1817 autoproclamar-se a ”segunda restauração de Pernambuco” (a primeira teria sido a que expulsou os holandeses). 

 

O desejo dos conspiradores era a libertação do domínio português. Em busca dessa liberdade a conspiração se desenvolvia tendo além de militares destemidos movidos por esse sentimento, alguns padres de mentalidade liberal encabeçando-a e ficou, dada a participação do clero católico, também conhecida como “A Revolução dos Padres”. Outro fator a ser considerado nesse aspecto foi a fundação do Seminário de Olinda, filiado a ideias iluministas, pois ali proliferavam os ideais da Revolução Francesa que visavam desmoronar as velhas monarquias absolutistas europeias.

 

O governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, apesar de ter recebido denúncias a respeito da conspiração, demorou a tomar providências. Os dias se passaram; os planos continuavam a serem arquitetados e os ânimos estavam cada vez mais exaltados.

 

Conhecendo já os nomes que encabeçavam a revolução, o governador resolveu então convocar uma reunião com os comandantes da tropa para decidir sobre o destino dos conspiradores. No dia 6 de março de 1817 por volta das 11 horas da manhã, de acordo com Cabral (1978, p. 23), o Governador tendo sido avisado que um motim estava para acontecer, ordenou de imediato a prisão de alguns suspeitos.

 

Foi ordenada a prisão de Domingos José Martins, do padre João Ribeiro, e de Antônio Gonçalves da Cruz conhecido como “O Cabugá”.

 

No Forte das Cinco Pontas, após as prisões, ocorreu um levante dos próprios militares envolvidos com a revolução dentro do quartel, que resultou na morte de um oficial de alta patente. Os oficiais revolucionários não se subordinariam às ordens do governador e o capitão José de Barros Lima, conhecido como Leão Coroado, nesse levante, reagiu à prisão matando com golpes de espada o comandante do regimento Barbosa de Castro. Na companhia de outros militares rebelados “Leão Coroado”  tomou o quartel e ergueu trincheiras nas ruas vizinhas para impedir o avanço das tropas fiéis à monarquía. O alvoroço causado culminou com a soltura dos presos civis pelo tenente Antônio Henrique Rabelo já que ele percebeu que não havia munições e efetivo suficientes para combater os revolucionários.

 

O Governador que havia se refugiado no Forte do Brum foi capturado e obrigado a se afastar de Pernambuco. Com a saída dele foi restaurada a tranquilidade, Pernambuco passara a ser uma República independente.

 

No dia 7 de março de 1817, foi instalado um Governo provisório encabeçado por: Padre João Ribeiro Pessoa de Melo Negromonte, Domingos José Martins (representante do Comércio); José Luís de Mendonça (responsável pela Magistratura); Manuel Correa de Araújo (responsável pela Agricultura) e, por Domingos Teotônio Jorge Martins Pessoa (responsável pelos militares). Gervásio Pires, um dos maiores comerciantes do Brasil, foi convidado para assumir a contabilidade do governo revolucionário por ser um brilhante homem de cálculos e grande estadista.

 

A meta do governo revolucionário era o sistema republicano que parecia melhor encaixar-se aos ideais locais. Uma carta escrita pelo Padre João Ribeiro no final de março de 1817 à junta paraibana, explicava que a Revolução havia sido feita para o engrandecimento de Pernambuco e tinha a intenção de unir as províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, pois como estavam ligadas entre si através de interesses e identidade não poderiam separar-se, deveriam formar uma só República cuja capital poderia ser a Paraíba, abrigando a sede do Congresso e do Governo.

 

Provavelmente o modelo federal norte-americano rondava o pensamento do padre João Ribeiro e parecia ser, segundo Cabral (2015, p. 27) mais conveniente à tradição autonomista pernambucana. Uma Carta escrita em 12 de março pedia o reconhecimento do movimento ao governo de Washington, assegurava para aquele país liberdade absoluta de comércio e anunciava que a revolução em curso havia se espelhado naquela nação. As mensagens foram enviadas por Charles Bowen (comerciante inglês), que partiu de Recife no dia 13 de março a bordo do navio de “Rowen” com destino à America do Norte.

 

Bowen chegando ao seu destino, anunciou a vinda de Cabugá e procurou algumas autoridades e redações de várias gazetas locais comunicando o andamento da revolução e explicando seus objetivos. A revolução teve assim repercussão não apenas nos Estados Unidos, mas na Europa e nas colônias espanholas da América do Sul, que, nessa época, também lutavam por sua independência.

 

Antônio Gonçalves da Cruz (o Cabugá) foi nomeado em 27 de março de 1817 ministro plenipotenciário (com plenos poderes)  para atuar junto ao governo de Washington nos Estados Unidos onde a representação diplomática da Revolução teria mais força de ação. Dentre as recomendações recebidas, ele deveria contatar as famílias de grande representatividade que pudessem ser intermediárias junto às autoridades, porém ao chegar ali se deparou com a Lei das Neutralidades (3 de março de 1817) que deixava o país numa posição neutra em relação aos movimentos rebeldes no continente. Cabugá para não perder a oportunidade, segundo Cabral (2015, p. p.33) foi até Baltimore com o objetivo de comprar armas, fretar navios e recrutar homens para lutarem em Pernambuco, além de ter ido à procura de autoridades do país para tratar de assuntos de mútuo interesse.

Nos Estados Unidos, as ações de Cabugá foram muito importantes, pois conseguiu acordos, contratos e armamentos além da divulgação do andamento da revolução na imprensa norte-americana. Com a ajuda dos seus “irmãos” maçons e de sessenta contos de réis que possuía, comprou dez mil fuzis e os despachou para Pernambuco. Sendo um ferrenho defensor das “ideias francesas” (Liberdade, Igualdade e Fraternidade) e pelo fato de Portugal ser partidário da Santa Aliança, a liga de países europeus que vencera Bonaparte, ele convenceu alguns militares franceses exilados na América do Norte (após a derrota de Napoleão Bonaparte em Waterloo em 1814) a vir treinar os soldados brasileiros que lutavam contra os portugueses. Em troca receberiam uma pequena esquadrilha para tentar resgatar o Imperador que estava preso numa Ilha no meio do Oceano Atlântico e trazê-lo para Pernambuco.

Todo o apoio recebido do estrangeiro, porém, não correspondeu às expectativas. Apesar de todos os esforços a vitória dos pernambucanos durou apenas 74 dias.

D. João para combater a revolta enviou vários soldados a Pernambuco, a fim de retomar a cidade. O Porto do Recife havia sido bloqueado, as tropas baianas decidiram atacar por terra, apesar de resistirem e se defenderem, devido à forte repressão os revoltosos foram derrotados. Alguns revolucionários foram executados e outros conseguiram fugir.

 

Chegara ao fim a vez dos pernambucanos; uma frota fôra enviada por ordem de D.João VI, para bloquear Pernambuco. Os pernambucanos ainda procuraram resistir tenazmente, mas, a esquadra do reino, era poderosa e seus oficiais bem adestrados. Todas as esperanças revolucionárias se dissiparam para renascerem mais tarde, em ocasião mais propícia. (Spera, 1965, p. 45).

Os principais líderes da revolução foram capturados, julgados e condenados à morte como Teotônio Jorge, Padre Souza Tenório, Antônio Henriques e José de Barros Lima, no entanto o padre João Ribeiro suicidou-se. Em 1818, Dom João foi coroado rei, quando a repressão diminuiu.

A violência contra o povo pernambucano fez com que os brasileiros aumentassem o desejo de ser independente de Portugal.

De acordo com Sfera (1965, p. 45), “aquietaram-se os espíritos revolucionários, mas, todo esse poder discriminatório do império jamais arrefeceu as tendências de libertação do povo pernambucano” e os mesmos ideais mais tarde se manifestariam outra vez na chamada Confederação do Equador que “igualmente levaria pernambucanos ilustres para a imolação no altar da liberdade”.

Os revolucionários em menos de três meses conseguiram estremecer a confiança de D. João VI  uma vez que seus súditos demonstraram que não eram imunes às ideias de subversão da antiga ordem na Europa e, portanto, poderiam tramar novamente contra seu poder.

 

CURIOSIDADES:

1. A Bandeira de Pernambuco foi idealizada pelos revolucionários de 1817 e oficializada, anos depois, pelo então Governador Manuel Antônio Pereira Borba (1915-1919).
A cor azul do retângulo superior simboliza a grandeza do céu pernambucano; a cor branca representa a paz; o arco-íris em três cores (verde, amarelo, vermelho) simboliza a união de todos os pernambucanos; a estrela caracteriza o estado no conjunto da Federação; o sol é a força e a energia de Pernambuco; e, por fim, a cruz representa a fé na justiça e no entendimento. A única modificação da bandeira original foi a retirada de duas das três estrelas inseridas acima do arco-íris.

2. Devido à sua atuação nos Estados Unidos, Cabugá, que estava residindo na Filadélfia, foi nomeado cônsul-geral pelo imperador D. Pedro I em 1823, um ano após a independência do Brasil. Representando o Império do Brasil junto ao governo de Washington, com jurisdição sobre todo o país, ele foi o primeiro Embaixador brasileiro. Ele permaneceu na carreira diplomática até 1833 quando faleceu, na Bolívia. Hoje, dá nome a uma importante avenida que liga o Recife a Olinda: Avenida Cruz Cabugá. 

 

 

Recife, 10 de abril de 2017.

 

Fontes consultadas

BANDEIRA de Pernambuco. [Foto neste texto - 2]. Disponível em: https://verbodeligacao.files.wordpress.com/2014/07/pernambuco.jpg. Acesso em: 23 mar. 2017.

 

A BENÇÃO das bandeiras - realizada pelos revolucionários em 2 de abril de 1817 (Relembrada pelo artista João Parreiras em 1924) [Foto neste texto - 1]. Disponível em: goo.gl/diqyM4. Acesso em: 03 abr. 2017.

 

CABRAL, Flavio José Gomes. Dimensões internacionais da Revolução Pernambucana de 1817: a Missão Diplomática de Cabugá nos Estados Unidos da América. Revista de História Municipal, Recife, a. 38, n. 11, p. 23-41, 2015.

 

FIGUEIREDO, Bruno. 200 anos da Revolução Pernambucana de 1817. In: Esquerda Online, 06 mar. 2017. Disponível em: goo.gl/JihC0O. Acesso em: 21 mar. 2017

 

RAMOS, Jefferson Evandro Machado. Revolução Pernambucana: resumo, o que foi, causas, objetivo. In: História do Brasil, 2005. Disponível em: http://www.historiadobrasil.net/resumos/revolucao_pernambucana.htm. Acesso em: 21 mar. 2017.

 

MELLO, Evaldo Cabral de. Um Imenso Portugal: História e historiografia. São Paulo: Editora 34, 2002.

 

SFERA, Arnaldo. A Revolução de 1817. In: Anuário de Olinda, Olinda, a. 1963/64, n. 15-16, p. 44-45, 1965.

 

SILVA, Tiago Ferreira da. Revolução Pernambucana. Disponível em: http://www.historiabrasileira.com/brasil-colonia/revolucao-pernambucana/. Acesso em: 03 abr. 2017.

 

Como citar este texto

VERARDI, Cláudia Albuquerque; NOGUEIRA, Lara. Revolução Pernambucana de 1817: a “Revolução dos Padres”. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2017. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/revolucao-pernambucana-de-1817-a-revolucao-dos-padres/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)