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Quilombos de Oriximiná, Pará

Essas terras têm sentidos e significados que garantem o sentimento de pertencimento e a identidade do grupo.

Quilombos de Oriximiná, Pará

Última atualização: 28/04/2021

Por: Júlia Morim - Consultora Fundação Joaquim Nabuco/Unesco - Cientista Social, Mestre em Antropologia

A força do negro chegou
No Trombetas e no Erepecuru (bis)
Mas eu queria que essa força
Fosse desde o tempo de nossos avós (bis)
Só que naquele tempo
Negro não tinha valor
Na eleição da constituinte
O direito do negro se aprovou (bis).

(Trecho da música Força do Negro, de Rafael Viana)

Apesar de pouco se falar sobre a presença africana na Região Norte, o negro levado como escravo para a Amazônia teve papel relevante para a economia, a política e a cultura da região. Vicente Salles, com o livro O negro do Pará sob o regime da escravidão, de 1971, foi um dos pioneiros a trazer a questão para o debate. Essa presença pode ser verificada pelos números de comunidades remanescentes de quilombos identificadas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Apenas no estado do Pará, até 2013, a Palmares certificou cento e sessenta e uma comunidades remanescentes de quilombos (CRQs) – ou seja, foram reconhecidas pelo poder público enquanto tal — de um total de duzentas e treze identificadas no estado (FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2013). O Pará também é a unidade da federação com maior número de territórios quilombolas titulados, cinquenta e quatro no total (INCRA, 2013). É lá, no município de Oriximiná, que está o primeiro território titulado no País, em 1995: a comunidade de Boa Vista.

A ocupação negra na chamada região de Oriximiná — que engloba os municípios de Alenquer, Monte Alegre, Santarém, Óbidos e Oriximiná (este o quarto maior do país em dimensão territorial) — se deu por escravos fugidos das lavouras de cacau e das fazendas de gado da região, e até de Belém, nas primeiras décadas do século XIX. Estabelecidos às margens dos rios Trombetas e Erepecurú, inicialmente acima das cachoeiras, nas “águas bravas”, seus assentamentos eram chamados de mocambos e seus moradores de mocambeiros. Para eles, a floresta significou liberdade e suporte para a vida. A dificuldade de acesso os protegia das expedições que visavam destruir os mocambos. Segundo Wanderley (2008, p. 6):

O curso estreito dos rios, a floresta densa e as grandes quedas d'água permitiram aos negros adquirirem maior proteção. Essas características físicas do território dificultavam a chegada das milícias, facilitavam a vigilância no sopé das cachoeiras, permitindo que os negros evacuassem os quilombos antes de serem surpreendidos pelas tropas.

No final do século XIX e início do século XX, os negros desceram as cachoeiras a fim de ficar mais próximos da cidade para realizar transações comerciais. Neste mesmo período, as terras do Baixo e Médio Trombetas estavam sendo adquiridas por brancos interessados nos produtos da floresta, notadamente a madeira e a castanha-do-pará. Desde então, o conflito pela terra marca a história das comunidades remanescente de quilombos da região, que chegou a abrigar o que foi considerado o “Quilombo dos Palmares da Amazônia”.

Atualmente, nesta região, há sete territórios quilombolas titulados — o que significa a demarcação da área e a posse coletiva da terra —, onde estão inseridas vinte e nove comunidades, totalizando um mil, cento e sessenta e uma famílias (INCRA, 2013). Mantendo laços de parentesco e comungando de um passado comum, “o território é condição de existência, de sobrevivência física para esses grupos negros do Trombetas, que compartilham a mesma origem e elaboram uma unidade: de ser remanescente de quilombos, com a qual estão identificados ou são identificáveis por outros”. (ACEVEDO; CASTRO, 1998, p.10).

No que tange ao trabalho e à renda, é comum nas comunidades o extrativismo, notadamente a coleta da castanha-do-pará, prática que remonta ao século XIX, período em que os escravos fugidos se estabeleceram nessas matas. Na década de 1990, foi elaborado um plano de manejo, envolvendo aproximadamente quatrocentos castanheiros de trinta comunidades.

Essas terras onde plantam, moram, festejam, trabalham, caçam, coletam é o lugar onde estão seus laços afetivos, onde a sua história e a de seus familiares foram construídas. Essas terras têm sentidos e significados que garantem o sentimento de pertencimento e a identidade do grupo. Entretanto, as comunidades quilombolas vivem sob constante insegurança visto que a região é foco de interesses minerários, de exploração de madeira e do setor de geração de energia elétrica. Há ainda os problemas decorrentes da sobreposição com terras indígenas e unidades de conservação ambiental.

As ameaças sobre seu território se intensificaram com o estabelecimento da Mineração Rio Norte, na década de 1970, e também com a criação de áreas de preservação ambiental, como a Reserva Biológica do Trombetas, à margem esquerda do rio, em 1979. Os quilombolas foram proibidos de pescar, abrir roças e coletar castanhas, enfim foram impedidos de usar recursos existentes na área englobada na unidade de conservação. (ACEVEDO; CASTRO, 1998). Foram alvo de invasões e expropriações por parte de empresas e do poder público.

A condição de vulnerabilidade atinge principalmente aquelas comunidades que não possuem o título ou outro documento que comprove a propriedade da terra, mesmo que este direito seja garantido pelo Artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988.

Para terem seus direitos assegurados, os Filhos do Trombetas se organizaram em associações — a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná (ARQMO), a Associação Comunitária dos Negros do Quilombo do Pacoval de Alenquer (ACONQUIPAL) e a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Óbidos (ARQMOB) — e continuam na luta, tendo conseguido, entre outras coisas, a flexibilização de algumas regras para exploração das reservas florestais.

 

Recife, 11 de maio de 2014.

 

Fontes consultadas

ACEVEDO, Rosa; CASTRO, Edna. Negros de Trombetas: guardiães de matas e rios. 2. ed. Belém: Cejup/UFPA-NAEA, 1998.

COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO. Terras quilombolas em Oriximiná: pressões e ameaças. São Paulo, 2011. Disponível em:
http://media.wix.com/ugd/354210_2d718d4eca064287b6e0ce667daab456.pdf. Acesso em: 16 abr. 2014.

FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Quadro geral de Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQs). Fundação Cultural Palmares, 25 out. 2013. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2013/10/4-quadro-geral-das-crqs-ate-25-10-2013.pdf. Acesso em: 10 maio 2014.

INCRA. Títulos expedidos às comunidades quilombolas. Incra, 27 de dezembro de 2013. Disponível em: http://www.incra.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/quilombolas/file/1792-titulos-expedidos-as-comunidades-quilombolas. Acesso em: 10 maio 2014.

INCRA. Quadro atual da politica de regularização de territórios quilombolas no Incra. Incra, 8 abr. 2014. Disponível em: http://www.incra.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/quilombolas/file/1888-quadro-atual-da-politica-de-regularizacao-de-territorios-quilombolas-no-incra. Acesso em: 10 maio 2014.

WANDEREY, Luiz Jardim de Moraes. De escravos livres a castanheiros “presos”: a saga dos negros no Vale do Trombetas. Disponível em: http://www.idesp.pa.gov.br/pdf/cachoeiraPorteira/DeEscravosLivresaCastanheiros.pdf. Acesso em: 10 maio 2014. 

 

Como citar este texto

MORIM, Júlia. Quilombos de Oriximiná, Pará. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2014. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/quilombos-de-oriximinapa/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)