Quilombolas de Alcântara, Maranhão
Última atualização: 03/05/2021
A Constituição Federal do Brasil, de 1988, assegura aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à propriedade das terras ocupadas (Artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Desde 1995 até abril de 2014, foram titulados no País cento e cinquenta e quatro territórios quilombolas, ou seja, foram emitidos cento e cinquenta e quatro títulos para uma ou mais comunidades, o que inclui a demarcação da área e a posse coletiva da terra (INCRA, 2014). De 2004 até outubro de 2013, duas mil e sete comunidades remanescentes de quilombo foram certificadas, ou, em outras palavras, foram reconhecidas pelo poder público enquanto tal (FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2013).
Depois do Pará, o Maranhão é o estado do Brasil com o maior número de terras quilombolas tituladas: trinta e cinco no total. Todavia, no município de Alcântara, localizado a 22 quilômetros da capital, São Luís, comunidades quilombolas travam há algumas décadas uma luta pelo reconhecimento e pela posse de sua terra.
O município de Alcântara, fundado em 1648, teve sua economia fundamentada na cultura de algodão, no século XVIII; e na da cana-de-açúcar, no século XIX, com base no trabalho escravo. Com a falência desse modelo econômico, em dois momentos distintos, os fazendeiros abandonaram suas propriedades, onde escravos e alforriados se estabeleceram num modelo de campesinato de agricultura de subsistência, caracterizado pelo uso comum das terras. Posteriormente, passaram a produzir farinha e arroz, chegando a fornecer para toda a região. Vivendo próximos ao mar e a rios, em terras férteis, praticavam a agricultura, a pesca, a caça e o extrativismo.
Aquela população negra que se instalou nas antigas fazendas manteve relações de parentesco, compadrio e vizinhança sob uma série de normas construídas ao longo das décadas, sem interferência oficial. Contudo, nos anos 1980, trezentas e doze famílias, de trinta e um povoados foram obrigadas a sair das terras, ocupadas desde o século XVIII, para a implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), da Aeronáutica, uma vez que a localidade é considerada excelente para lançamentos espaciais. As famílias foram assentadas em sete agrovilas, administradas pela Aeronáutica, em um território onde não podem realizar novas construções sem autorização, o que implica em ir morar na periferia de São Luís e de Alcântara quando a família se amplia. Além disso, enfrentam problemas para plantar, pois os terrenos são pequenos em comparação à realidade anterior, e o solo é ruim para a agricultura. Por estarem longe do mar, encontram dificuldades para a prática da pesca. Um projeto de expansão do CLA pode atingir outros cerca de um mil e quinhentos quilombolas que permanecem em suas terras, mas terão que ser deslocados (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO).
Em 1999, foi fundado o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE), representante das comunidades quilombolas na luta por seus direitos e pela reversão dos danos causados pela implantação do CLA. A denúncia de violação de direitos sofrida pelos quilombolas fez com que o Ministério Público Federal (MPF) iniciasse inquéritos e impetrasse ações civis públicas para resguardar os direitos garantidos constitucionalmente e apurar o ocorrido, inclusive questionando os estudos realizados antes da implantação do CLA. A pedido do Ministério Público Federal (MPF), um laudo antropológico foi elaborado demonstrando que aquele é um território étnico e que a remoção compulsória acarretou em prejuízos para o grupo. (ALMEIDA, 2006).
Em conjunto com diversas outras organizações — Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão, o Centro de Cultura Negra do Maranhão, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, a Justiça Global, o Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos — os quilombolas de Alcântara vêm exigindo seus direitos. Em 2001, o caso foi levado a instâncias internacionais: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A tensão e a insegurança fazem parte do cotidiano dos quilombolas de Alcântara que travam batalhas diárias para permanecerem em seu território.
De acordo com Almeida (2006), na área pretendida pelo CLA, a qual se configura como metade da superfície do município de Alcântara, há noventa povoados e oito mil, trezentos e noventa e oito habitantes. Os quilombolas exigem a liberação de acesso a suas roças e o livre trânsito nos espaços tradicionalmente ocupados, de modo a manter o estilo de vida construído por gerações. Demandam, principalmente, que o Governo Federal supra o débito histórico com a população negra efetivando a titulação das terras remanescente de quilombo em consonância com o que estabelece a Constituição Federal.
Enfim, os quilombolas de Alcântara trabalham para manter o que os antepassados conquistaram — a posse da terra e do direito de viver uma forma de vida própria, autônoma, caracterizada por intensas relações de troca de produtos agrícolas, extrativos e artesanais; por relações de parentesco entre membros de diferentes comunidades, pelas tradições religiosas e festivas e pelo uso comum dos recursos naturais. (PROJETO..., 2007, p.5).
Recife, 12 de maio de 2014.
Fontes consultadas
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombolas e a Base de Lançamento de Foguetes de Alcântara: laudo antropológico. Brasília: MMA, 2006. v. 2.
COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO. O conflito com o Centro de Lançamento da Aeronáutica. Comunidades Quilombolas do Estado do Maranhão. Disponível em: http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/ma/alcantara/alcantara_conflito.html. Acesso em: 11 maio 2014.
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Quadro geral de comunidades remanescentes de quilombos (CRQs). Fundação Cultural Palmares, 25 out. 2013. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2013/10/4-quadro-geral-das-crqs-ate-25-10-2013.pdf. Acesso em: 10 maio 2014.
INCRA. Títulos expedidos às comunidades quilombolas. Incra, 27 dez. 2013. Disponível em: http://www.incra.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/quilombolas/file/1792-titulos-expedidos-as-comunidades-quilombolas. Acesso em: 10 maio 2014.
INCRA. Quadro atual da politica de regularização de territórios quilombolas no Incra. Incra, 8 abr. 2014. Disponível em: http://www.incra.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/quilombolas/file/1888-quadro-atual-da-politica-de-regularizacao-de-territorios-quilombolas-no-incra. Acesso em: 10 maio 2014.
PROJETO Nova Cartografia Social da Amazônia. Quilombolas atingidos pela Base Espacial de Alcântara. São Luís: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, 2007. (Série Movimentos sociais, identidade coletiva e conflitos). Fascículo 10. Disponível em: http://novacartografiasocial.com/?wpdmact=process&did=MzAuaG90bGluaw. Acesso em: 30 abr. 2014.
Como citar este texto
MORIM, Júlia. Quilombolas de Alcântara, Maranhão. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2014. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/quilombolas-de-alcantarama/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)