Quilombo do Catucá: Malunguinho e a resistência escrava em Pernambuco
Última atualização: 25/10/2022
Os locais onde os escravos que fugiam das fazendas e engenhos se escondiam durante o Período Colonial e Imperial tiveram importância crucial na história, pois se tratava de lugares de resistência com a finalidade de acolher pessoas sem discriminar suas crenças e etnia bem como respeitando as diferentes manifestações de fé.
As comunidades de fugitivos, geralmente negros escravizados, foram denominadas de mocambos, principalmente na Bahia, e de quilombos em Minas gerais. Em Pernambuco o termo quilombo apareceu somente a partir de 1681. “Assim, mocambos (estruturas para erguer casas) teriam se transformado em quilombos (acampamentos), e tais expressões africanas ganharam traduções atlânticas entre o Brasil e a África desde o século XVI” (GOMES, 2015, p. 16).
Pernambuco foi palco de inúmeros movimentos políticos revolucionários onde aconteceram muitas rebeliões que tinham como um de seus principais objetivos a reivindicação da liberdade. Considerado o quilombo pernambucano mais importante do século passado, o quilombo do Catucá resultou da luta dos escravos pela liberdade durante o caos político vivido em Pernambuco de 1817 até o final da década de 1830.
Os quilombolas que moravam perto do Recife elaboraram inúmeras estratégias de sobrevivência contando com a colaboração tanto da população negra livre quanto dos escravos de engenhos próximos. Eles se tratavam reciprocamente por “malungos”, nome usado pelos negros que saiam da África no mesmo navio, que significa camarada, companheiro.
De acordo com Carvalho (1996, p.407), como fenômeno histórico, os quilombos são parte de um conjunto mais largo de estratégias de sobrevivência e resistência escrava e, por esse motivo, eles são fenômenos dinâmicos que mudam com o tempo.
O quilombo do Catucá margeava a fronteira agrícola da zona da mata norte, quase subúrbio do Recife, bem diferente da antiga capitania do quilombo que se localizava numa área bem além da fronteira canavieira dos Palmares. Os mais de cem anos que separam aqueles dois quilombos viram a consolidação da ocupação do sertão, o nascimento da cultura algodoeira, a quase total ocupação da costa por engenhos de açúcar, bem como o surgimento de uma população livre de quase meio milhão de habitantes. A sociedade havia se tornado mais fechada, a repressão aos escravos mais eficiente e, consequentemente, a fuga para o mato mais difícil à medida que a agricultura comercial começava a ocupar as áreas mais apropriadas para esconderijo.
Embora a floresta provavelmente tenha sido local de esconderijo de escravos fugidos desde o início da escravatura, a existência do Quilombo do Catucá foi descoberta bem mais tarde.
Pode-se assumir que aquela floresta foi esconderijo de escravos fugidos desde tempos imemoriais. Contudo as fontes só tardiamente se referem especificamente à existência de um quilombo no Catucá. Henry Koster, durante uma viagem ao engenho Timbó, mencionou que as matas do engenho serviam de esconderijo para bandidos e escravos. Contudo, ele viajou de recife a Goiana, descrevendo minuciosamente o percurso, e morou algum tempo em Itamaracá, mas não mencionou quilombolas na área. (CARVALHO, 1996, p. 410).
O empresário e pintor português, filho de pais ingleses, Henry Koster foi um dos primeiros a registrar a existência do quilombo de Catucá. Henrique da Costa, como também era conhecido, veio morar no país no ano de 1809 e aqui se tornou senhor de engenho.
A floresta do Catucá foi incluída por Gilberto Freyre entre os nomes de origem africana na toponímia pernambucana.
...talvez não seja exato dizer que as matas do Catucá fossem efetivamente uma única e bem definida floresta no século XIX. As tropas que combateram os quilombolas andavam distâncias impensáveis para os nossos padrões sedentários e acabaram utilizando o nome quase como um conceito sociológico – como se o Catucá incluísse todas as florestas onde viviam negros aquilombados, desde o Recife até Goiana, então a segunda maior vila da província, próxima da fronteira com a Paraíba. Essas matas eram interrompidas aqui e ali por alguns maiores e mais antigos engenhos da Província, como o Mussupinho, o Monjope, o Utinga, o Araripe, o Pau Amarelo, e outros tantos, num total de mais de cem, que beiravam os rios e riachos, conhecidos com propriedade como “rios de açúcar”. O emprego do nome Catucá nas diligências, portanto, em muito ultrapassa o local apontado nos mapas. Provavelmente , numa época mais distante, era esse o nome de toda a floresta Atlântica entre o Recife e a fronteira com a Paraíba. (CARVALHO, 1996, p. 408).
Estradas que levavam gado e algodão dos Distritos de Bom Jardim, Limoeiro e Nazaré para o Recife ou para Goiana também passavam próximo ao local onde os escravos se escondiam, pois se tratava de uma área comercial importante da Zona da Mata.
Não se sabe ao certo quando o Quilombo de Catucá começou a existir, mas suspeita-se que foi a partir da revolução de 1817 e, posteriormente durante a Confederação do Equador em 1824, que muitos escravos se esconderam nas matas tendo em vista que muitos participantes eram plantadores das áreas circunvizinhas.
O Catucá dos mapas era justamente as matas em cima dos morrotes que saem do Recife, limitado pelo açude Dois Irmãos, ao sul, e pelos altos da Guabiraba, ao norte, em direção a Pau-Ferro, seguindo em frente numa área acidentada bastante extensa até o rio Paratibe. O centro da mata mais próxima ao Recife estaria num local conhecido como Cova da Onça – um vale sufocado por um conjunto de morros, ainda hoje pouco habitados. Em que pese o uso predatório do solo, essa área ainda tem seus olhos-d’água e alguns riachos.( CARVALHO, 1996, p. 410).
A divisão das elites nas crises da história política e social da província levou a uma desorganização dos aparelhos repressivos, resultando no aumento de fugas de escravos e na formação de quilombos.
Os quilombolas assaltavam e matavam nas estradas da Zona da Mata durante a Confederação do Equador e a classe senhorial só posteriormente conseguiu uma repressão mais eficaz contra os quilombolas em abril de 1825 quando o General Lima e Silva, presidente da província, utilizou a mesma tropa que derrotou o governo confederado para combater o quilombo, que apesar disso continuou vivo.
Pela proximidade com Recife, os quilombolas preocupavam as autoridades e, em janeiro de 1826 sofreram outro ataque, dessa vez do comandante das milícias de Igarassu.
Fontes documentais revelam que os quilombolas estavam se preparando para atacar o recife no inicio do ano de 1827 e ao descobrirem a trama as autoridades conduziram outra diligencia de porte, com a ajuda dos senhores de engenho e seus corpos de ordenanças (tropas).
Alguns registram contam que em uma perseguição ao chefe dos malungos, o Mestre Malunguinho teria sido ferido e quase morto, mas, conseguindo escapar, se escondeu na mata e foi curado por índios com ervas. Durante o tempo que ficou entre eles Malunguinho teria aprendido o poder da cura pelas ervas que, sem sombra de dúvidas, era extremamente importante para a sobrevivência nas matas. Outra questão em torno desse episódio é a crença de que não teria sido por acaso essa passagem pela aldeia, pois teria uma finalidade espiritual: ele teria sido escolhido pela jurema (religião de matrizes indígenas) como guardião de sua chave para tomar conta dos caminhos, com a responsabilidade de destrancar as estradas, se tornando o desbravador na linha da jurema para fazer a ligação entre o mundo dos vivos e os ancestrais da floresta.
Um dos movimentos de maior representatividade foi o dos negros do Quilombo de Cacutá (considerados exímios guerreiros), localizado nas terras conhecidas atualmente, como Engenho Utinga, no município de Abreu e Lima. Entre os anos de 1814 a 1837, os quilombolas implementaram diversas ações contra o poder local constituído e desenvolveram técnicas de guerrilha, conhecidas até hoje, como estrepes, que se tratavam de lanças de madeira muito afiadas que eram enterradas em buracos nas matas para conter os invasores dos quilombos.
O assassinato de João Batista em 18 setembro de 1835 em uma emboscada na cidade de Abreu e Lima decretou não apenas o fim de um dos maiores líderes da história da resistência negra mas também o fim do Quilombo de Catucá.
No Brasil, ainda existem comunidades negras rurais remanescentes dos quilombos, frutos de um processo social que nunca foi estático e que enfrenta até hoje inúmeros desafios no que se refere à cidadania e identidade cultural. Gomes (2015) organizou em um quadro por ordem alfabética as comunidades quilombolas reconhecidas e certificadas no Brasil considerando os estados da federação no qual estão identificadas 174 comunidades em Pernambuco conforme se observa no quadro a seguir:
PERNAMBUCO
Município X Quantidade de comunidades quilombolas:
Afogados da Ingazeira: 4
Afrânio: 1
Agrestina: 3
Águas Belas: 3
Alagoinha: 2
Arcoverde: 11
Betânia: 6
Bezerros: 2
Bom Conselho: 6
Brejão: 2
Buíque: 2
Cabo de Santo Agostinho: 2
Cabrobó: 5
Capoeiras: 5
Carnaíba: 4
Carnaubeira da Penha: 3
Casinhas: 1
Catende: 1
Cupira: 1
Custódia: 18
Floresta: 2
Garanhuns: 8
Goiana: 1
Iati: 1
Ibimirim: 1
Iguaraci: 1
Inajá: 1
Ingazeira: 2
Itacuruba: 3
Lago dos Gatos: 2
Lagoa do Carro: 1
Lagoa Grande: 1
Mirandiba: 13
Olinda: 1
Orocó: 5
Panelas: 2
Passira: 3
Pesqueira: 1
Petrolândia: 1
Petrolina: 2
Quixaba: 1
Recife: 1
Rio Formoso: 1
Salgadinho: 2
Salgueiro: 5
Saldá: 1
Santa Maria da Boa Vista: 3
São bento do Una: 9
São José do Egito: 1
Sertânia: 8
Terra Nova: 2
Triunfo: 5
Vicência: 1
O sonho de liberdade que nutria esses quilombos deixou um legado cultural e religioso que resiste até os dias atuais expressado na luta desses remanescentes dos quilombos por um lugar na sociedade.
Recife, 16 de março de 2020.
Fontes consultadas
CARVALHO, Marcus Joaquim M. de. O Quilombo do Catucá em Pernambuco. Caderno CRH, n. 15, p. 5-28, jul./dez., 1991. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/viewFile/18823/12193. Acesso em: 9 jul. 2019.
CARVALHO, Marcus Joaquim M. de. O quilombo de Malunguinho, o rei das matas de Pernambuco. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 14 ed. rev. São Paulo: Global, 2003.
GOMES, Flávio dos Santos. Mocambos e quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2015.
MATAS do Catucá. [Foto neste texto]. Disponível em: http://www.cultura.pe.gov.br/canal/culturapopular/juremeiros-e-juremeiras-encontram-se-no-xii-kipupa-malunguinho/. Acesso: 25 jul. 2019.
Como citar este texto
VERARDI, Cláudia Albuquerque. Quilombo do Catucá: Malunguinho e a resistência escrava em Pernambuco. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2020. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/quilombo-do-catuca-malunguinho-e-resistencia-escrava-em-pernambuco/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2009.)