Mucamas eram escravas negras de estimação que auxiliavam nas tarefas domésticas ou acompanhavam pessoas da família, principalmente as sinhás-donas (as donas de casa) e sinhás-moças (as filhas moças da família), na época da escravidão no Brasil.
As mucamas ou mocambas, normalmente jovens e bonitas, não tinham uma função muito definida. Podiam fazer diversos serviços domésticos, tomar conta de crianças, fazer companhia às senhoras da casa ou acompanhá-las quando saíam, o que era mais raro.
As mucamas de confiança tinham ainda entre as suas tarefas a vigilância constante das suas amas, principalmente das sinhás-moças.
Nas casas mais ricas, suas funções eram mais precisas. Serviam de damas de companhia para senhoras e moças, as ajudavam a se vestir e também nas suas costuras e bordados.
Os escravos domésticos, como mordomos, governantas, camareiros e camareiras, amas de leite, amas-seca (babás) e mucamas eram mais bem tratados, melhor vestidos e alimentados.
Escravos havia em quantidade. O conjunto de servos de um sobrado tipicamente patriarcal compunha-se, no Brasil dos meados do século XIX, de cozinheiros, copeiros, amas de leite, carregadores d´água, moleques de recado, mucamas. Estas dormiam nos quartos de suas amas, ajudando-as nas pequenas coisas da toalete, como catar piolhos, por exemplo. Às vezes, havia escravos em exagero. [...] (FREYRE, 1977, p. 67-68).
Muitas mucamas eram empregadas como babás dos filhos pequenos dos seus donos. Chamadas de amas-secas, algumas eram treinadas pelos seus senhores, que chegavam a lhes ensinar francês e inglês, como o objetivo de alugá-las ou vendê-las para famílias europeias que vinham residir no Brasil.
Para algumas mucamas que davam à luz, era destinado o emprego de amas de leite. Excluídas de qualquer tarefa doméstica mais pesada, eram obrigadas a dividir seu leite com os filhos das senhoras, que não tinham condições ou não queriam amamantá-los. Por um período, as amas de leite dedicavam-se unicamente à amamentação. Dava-se preferência a amas de leite jovens e de boa aparência, por acreditar-se que possuiam melhor leite. As amas de leite eram mais bem vestidas do que as outras escravas, o que para alguns seria um indicador de riqueza da família.
As amas-secas e as amas de leite ficaram conhecidas na memória e nas tradições do brasileiro como mães-pretas e mães de leite. Muitas vezes, a mesma mucama que amamentava o sinhozinho ou a sinhazinha passava a cuidar dele e de outras crianças da casa.
Jornais brasileiros nas décadas de 1830 a 1870, trazem diversos anúncios de vendas de mucamas, amas-secas e amas de leite, exaltando as qualidades estéticas, de índole e a versatilidade nas tarefas domésticas, como ser perfeita em costurar, bordar, engomar, lavar, cozinhar de forno a fogão, vestir senhoras, fazer serviços de enfermagem, servir um chá. No caso de amas-secas e amas de leite, “ser carinhosa com crianças” e ter “muito bom leite”, respectivamente.
No seu livro, Vida social no Brasil nos meados de século XIX, Gilberto Freyre traz a seguinte informação sobre o tema:
Vários são os anúncios, nos jornais da época, de “mulatas de bonita figura”... “próprias para mucamas”; de “mulatinhas” que, além de coser “muito bem limpo e depressa” e de saber engomar com perícia, sabiam pentear “uma senhora”; de “mulatas com habilidades”; de “mulatos embarcadiços” e de “cabrinhas próprios para pajens”, alguns tão caros que os vendedores concordavam em vendê-los “a prazo”; de “mulatinhas” não só “recolhidas e honestas” como tão bem-educadas para mucamas que sabiam falar francês; [...] (FREYRE, 1977, p. 46).
As relações e a convivência dos escravos domésticos, especialmente as mucamas com seus senhores, nas casas-grandes e sobrados patricarcais no Nordeste brasileiro, são ainda abordadas em diversas outras obras de Gilberto Freyre, principalmente em Casa-grande & senzala:
A casa-grande fazia subir da senzala para o serviço mais ítimo e delicado dos senhores uma série de indivíduos – amas de criar, mucamas, irmãos de criação dos meninos brancos. Indivíduos cujo lugar na família ficava sendo não o de escravos mas o de pessoas de casa. Espécie de parentes pobres nas famílias européias. (QUINTAS, 2005, p. 248).
Histórias de casamento, de namoros, ou outras, menos românticas, mas igualmente sedutoras, eram as mucamas que contavam às sinhazinhas nos doces vagares dos dias de calor; a menina sentada, à mourisca, na esteira de pipiri, cosendo ou fazendo rendas; ou então deitada na rede, os cabelos soltos, a negra catando-lhe piolho, dando-lhe cafuné; ou enxotando-lhe as moscas do rosto com um abano. [...] (QUINTAS, 2005, p. 168).
A negra ou mulata para dar de mamar a nhonhô, para niná-lo, preparar-lhe a comida e o banho morno, cuidar-lhe da roupa, contar-lhe histórias, às vezes para substituir-lhe a própria mãe – é natural que fosse escolhida dentre as melhores escravas da senzala. Dentre as mais limpas, mais bonitas, mais fortes. Dentre as menos boçais e as mais ladinas – como então se dizia para distinguir as negras já cristianizadas e abrasileiradas das vindas há pouco da África; ou as mais renitentes no seu africanismo. (QUINTAS, 2005, p. 164).
Ainda segundo Freyre (1977), havia mucamas especializadas em retirar bichos-de-pé das crianças, o que faziam delicadamente, com mãos leves e ágeis, extraindo-os com alfinete. A “revista” era feita por ocasião da lavagem dos pés, antes das crianças irem dormir.
Na literatura brasileira há mucamas como personagens de romances, a exemplo da mucama Lucinda, de Joaquim Manoel de Macedo, e a mucama Felicidade, de Machado de Assis. Algumas são representadas como heroínas, conselheiras das filhas dos seus senhores, outras como lascivas e perniciosas. Castro Alves também tem uma poesia sobre o tema:
Maria
Castro Alves
Onde vais à tardezinha,
Mucama tão bonitinha,
Morena flor do sertão?
A grama um beijo te furta
Por baixo da saia curta,
Que a perna te esconde em vão...
Mimosa flor das escravas!
O bando das rolas bravas
Voou com medo de ti!...
Levas hoje algum segredo...
Pois te voltaste com medo
Ao grito do bem-te-vi!
Serão amores deveras?
Ah! Quem dessas primaveras
Pudesse a flor apanhar!
E contigo ao tom d’aragem,
Sonhar na rede selvagem...
À sombra do azul palmar!
Bem feliz quem na viola
Te ouvisse a moda espanhola
Da lua ao frouxo clarão...
Com a luz dos astros – por círios,
Por leito – um leito de lírios...
E por tenda – a solidão!
Recife, 11 de março de 2013.
Fontes consultadas
FREYRE, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. 2. ed. Rio de Janeiro: Artenova; Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1977.
LITERATURA brasileira, 2005. Disponível em: <http://www6.pucrs.br/vestibular/paginas/2005-2/literatura20052.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2013.
QUINTAS, Fátima (Org.). As melhores frases de Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Atlântica, 2005.
SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Faperj; 7 Letras, 2007.
Como citar este texto
GASPAR, Lúcia. Mucamas. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2013. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/mucamas/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)