Um dos mais famosos pratos da culinária da Região Norte, a maniçoba tem origem indígena e parece, à primeira vista, uma feijoada. A lembrança se deve à utilização de carnes suínas no preparo e à coloração do prato. Mas há algumas diferenças significativas, a começar pela própria constituição. No lugar do feijão preto cozido, a maniçoba é uma iguaria feita com a folha de mandioca, descrita como maniva nos estados do Norte. Seu nome vem do tupi “mandi’sowa”, que significa folha da mandioca. Os primeiros registros dessa palavra remontam ao início do século XVII, época em que os indígenas eram submetidos à catequese dos jesuítas, que por sua vez experimentavam e difundiam os incomparáveis sabores da culinária nativa. Graças a essa apreciação, a maniçoba atravessou séculos e gerações e permanece até hoje como um prato especial e único, um dos patrimônios gastronômicos, afetivos e culturais do Norte.
Seu preparo não é açodado. Sendo a maniva uma folha venenosa, é preciso algumas etapas e muito zelo por parte do cozinheiro para que o prato comece a ficar pronto. Primeiro, a folha é lavada e triturada ou moída e levada a uma panela com bastante água por no mínimo sete dias. Esse processo serve para eliminar o ácido cianídrico presente na folha. Os mais tradicionais, inclusive, indicam que a maniva deve ficar de molho por até duas semanas, até que a ela sejam acrescentados os outros ingredientes e assim se tenha início o processo de cozimento da maniçoba. Carnes suínas e bovinas são adicionadas ao caldo, que a essa altura já perdeu o verde original das folhas e ganhou tons enegrecidos. É importante frisar que uma maniçoba deve, de fato, assemelhar-se à feijoada; caso as folhas ainda estejam esverdeadas, é sinal de que o tempo de cozimento foi inferior a uma semana e, nesse caso, não é recomenda a ingestão do prato.
Item obrigatório nas refeições festivas ou nas celebrações populares que movimentam milhares de pessoas na região, a exemplo do Círio de Nazaré, realizado anualmente no mês de outubro, em Belém, capital do Pará, a maniçoba costuma ser servida com arroz branco, farinha de mandioca e molho de tucupi com pimenta de cheiro. Reza a tradição ainda que o quitute venha à mesa em vasilhas de barro ou em louças. O segundo prato mais conhecido do Norte do Brasil (o primeiro é o pato no tucupi) pode ser temperado com alho, sal, louro e pimenta. Há quem coloque, com o intuito de valorizar o exótico sabor do prato, uma cuia média de leite puro de castanha-do-pará ou castanha-da-amazônia, de preferência recém-colhida.
Outro conselho que os moradores da Região Norte costumam dar é que se aproveite o minucioso processo de feitura para se preparar, de uma vez só, largas porções de maniçoba. Uma receita para muita gente leva os seguintes quantitativos: 2 paneiros com maniva; 2 kg (cada) de toucinho defumado, pé de porco, orelha de porco, língua de porco, rabo de porco, lombo de porco e costela de porco (todos salgados); 1,5kg de paio; 1,5kg de chouriço; 1,5kg de linguiça de porco; 4kg de bucho de boi e outros 4kg de charque.
A maniçoba está para o Norte do País assim como o acarajé está para os baianos, a cajuína está para os piauienses ou a tapioca para os pernambucanos. É mais do que iguaria típica ou um prato marcante no cardápio regional; é um componente da História, é uma recordação dos antepassados, é a prova de que as tradições sobrevivem caso sejam mantidas com carinho e com afeto. Seu preparo, seu consumo e a perpetuação de sua receita, ainda que com eventuais diferenças nos estados da região, indicam a relevância de sua inserção na vida dos moradores. A existência cotidiana da maniçoba é sinal de pertencimento e de orgulho da identidade da Região Norte.
Recife, 28 de maio de 2014.
Fontes consultadas
MANIÇOBA. In: PORTAL da Amazônia. Disponível em:<http://www.portalamazonia.com.br/secao/amazoniadeaz/interna.php?id=921>. Acesso em: 27 maio 2014.
MANIÇOBA, a rainha da mesa paraense. Revista Nosso Pará, Belém. Disponível em:
<http://www.orm.com.br/tvliberal/revistas/npara/edicao8/manicoba.htm>. Acesso em: 27 maio 2014.
MANIÇOBA, o prato típico do Círio de Nazaré. In: R7 Entretenimento. 9 out. 2009. Disponível em: <http://entretenimento.r7.com/receitas-e-dietas/noticias/
manicoba-o-prato-tipico-do-cirio-de-nazare-20091009.html>. Acesso em: 27 maio 2014.
REZENDE, Cláudia Moraes de. Ácido cianídrico, espilantol, tucupi, jambú e maniçoba: a complexa química da cozinha paraense. In: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Instituto de Química. Disponível em:<http://www.iq.ufrj.br/descomplicando-a-quimica/330-acido-
cianidrico-espilantol-tucupi-jambu-e-manicoba-a-complexa-quimica-da-cozinha-paraense.html>. Acesso em: 27 maio 2014.
Como citar este texto
MORIM, Júlia. Maniçoba. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2014. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/manicoba/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)