Libras: Língua Brasileira de Sinais
Última atualização: 28/06/2022
A história da Língua Brasileira de Sinais está diretamente associada à necessidade de “inclusão social”.
E o que é inclusão social? Segundo Pacievitch (2015?) é um termo amplo, que pode ser utilizado em diferentes contextos e, de maneira geral, o termo é utilizado ao fazer referência à inserção de pessoas com algum tipo de deficiência às escolas de ensino regular e/ou ao mercado de trabalho, ou ainda a pessoas consideradas excluídas, ou seja, que não têm as mesmas oportunidades dentro da sociedade por diversos motivos:
- Condições socioeconômicas
- Gênero
- Raça
- Falta de acesso às tecnologias (exclusão digital)
A inclusão social requer atenção em vários aspectos da vida, um deles está relacionado com as deficiências. A pessoa “especial” pode ser portadora de uma deficiência única ou múltipla (que é a associação de mais de uma limitação) que, por sua vez, podem ser de quatro tipos: visual, motora, mental e auditiva.
A inclusão social de pessoas com deficiência era impensável há alguns anos, porém hoje o assunto é atual e relevante. Cada vez mais as pessoas são favoráveis à essa questão, tanto no ambiente escolar, quanto de lazer (considerando também os espaços públicos) e de trabalho, reconhecendo, que uma limitação não impede outras aptidões. E, para tanto, a premissa é a necessidade da sociedade se transformar de modo a permitir a todas as pessoas o exercício pleno da cidadania. “Essa luta pela inclusão é uma forma de ‘garantia’ de afastamento da ‘anormalidade’ e aproximação das minorias, normais embora diferentes”. (SANTANA; BERGAMO, 2005, p. 567).
O processo de inclusão social de pessoas com necessidades especiais, de acordo com Pacievitch (2015?), tornou-se efetivo a partir da Declaração de Salamanca, em 1994, que foi respaldada pela Convenção dos Direitos da Criança - 1988 e pela Declaração sobre Educação para Todos - 1990.
Existem vários projetos de inclusão social, porém, os de maior repercussão foram: a inclusão de pessoas com necessidades especiais nas escolas de ensino regular; a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho (nas empresas com mais de cem funcionários); e o sistema de cotas nas universidades para negros, índios e estudantes oriundos da escola pública.
No caso das pessoas surdas, como em todos os tipos de deficiência existem variações no grau e tipo de surdez. Há os surdos de nascença e aqueles que perdem a audição após terem aprendido a falar e terem sido alfabetizados. São casos distintos, mas, para ambos torna-se útil e/ou necessário utilizar a língua de sinais para a comunicação.
Na História sempre existiram indivíduos com algum tipo de deficiência física, sensorial ou cognitiva. Registros da História Antiga e Medieval apontam que as pessoas com alguma limitação normalmente eram tratadas com rejeição ou sumariamente eliminadas ou tinham por outro lado a proteção piedosa e assistencialista. Na Idade Média, a incapacidade física, problemas mentais ou as malformações congênitas eram sinônimos da ira divina, era um “castigo de Deus”. Durante o Renascimento, período que compreende os séculos XV a XVII, com o avanço da Ciência, iniciou-se um período mais humanista.
A partir desse momento, fortalece-se a ideia de que o grupo de pessoas com deficiência deveria ter uma atenção própria, não sendo relegado apenas à condição de uma parte integrante da massa de pobres ou marginalizados. Isso se efetivou através de vários exemplos práticos e concretos. No século XVI, foram dados passos decisivos na melhoria do atendimento às pessoas portadoras de deficiência auditiva que, até então, via de regra, eram consideradas como “ineducáveis”, quando não possuídas por maus espíritos. (GARCIA, 2011).
Desmistificando a questão da surdez podemos observar que, até a maneira como as pessoas se referiam aos surdos criava uma falsa crença de que eles obrigatoriamente também eram mudos: surdos-mudos. O que de fato acontece é que, na maioria dos casos, a pessoa com deficiência auditiva não experimenta o aprendizado através da voz e, portanto tem dificuldade em pronunciar corretamente as palavras, pois, se sabe que é escutando as palavras que aprendemos a imitar os sons e repeti-los. Existe nesse universo de indivíduos a corrente da “oralidade” que consiste no incentivo para que os surdos forcem o aprendizado das palavras, porém, corroborando com alguns autores, o mais importante em todo o processo de aprendizagem é o respeito do indivíduo como ser único, com suas características pessoais. Respeitar a individualidade e reconhecer que as diferenças podem complementar-se é um fator que beneficia não apenas aos portadores de deficiências, mas, a todas as pessoas.
Os séculos XIX e XX trouxeram muitas mudanças na forma de tratamento das pessoas com deficiência, pois, com o avanço das civilizações houve o surgimento da preocupação com temas ligados aos direitos humanos que gerou uma reflexão maior sobre a inclusão.
Falar em inclusão não provoca hoje as mesmas reações de dez ou vinte anos atrás. É notório que pessoas com e sem deficiência aprenderam – forçosamente ou não – a conviver mais proximamente em diferentes espaços sociais. Isto indica que a convivência entre as pessoas, independente das diferenças (e de algumas resistências), tem sido possível. Todos parecem ser favoráveis à inclusão social de pessoas com deficiência no trabalho, na escola, no lazer, nas ruas, etc., ou seja, aos poucos estamos nos convencendo que, mesmo quando o outro nos parece estranho – e nós perfeitos –, temos tantos limites e potencialidades quanto ele. (SANTIAGO, 2012, p. 2).
A mudança de atitude em relação às deficiências e a aceitação na sociedade é, sem dúvida, crescente, e a inclusão social se torna cada vez mais parte da nossa realidade. Entretanto, é preciso estar atento para que não haja acomodação nem banalização das situações que envolvem o conhecimento do outro e a observância de suas necessidades. Deve-se atentar para o fato de que todos nós somos deficientes em alguns aspectos da vida ou estamos sujeitos a essas limitações, sobretudo a auditiva. Existem estatísticas que comprovam que grande parte da população pode sofrer perda parcial ou total da audição ao longo dos anos por problemas adquiridos ou fatores hereditários. A partir desse entendimento torna-se necessário não apenas apoiar como também participar de iniciativas em prol desse esforço de socialização.
A Conferencia Mundial em Educação Especial organizada pelo governo da Espanha em cooperação com a UNESCO, realizada em Salamanca entre 7 e 10 de junho de 1994, teve como objetivo informar sobre políticas e ações governamentais, de organizações internacionais ou agências nacionais de auxílio, bem como organizações não governamentais e outras instituições no intuito de implementar a Declaração de Salamanca sobre princípios, política e prática em Educação Especial.
Nós, os delegados da Conferência Mundial de Educação Especial, representando 88 governos e 25 organizações internacionais em assembléia aqui em Salamanca, Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994, reafirmamos o nosso compromisso para com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino e re-endossamos a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo espírito de cujas provisões e recomendações governo e organizações sejam guiados.(DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, art. 1).
A Declaração de Salamanca foi um marco para o início do incentivo aos Governos em todos os países a promoverem ações em prol de garantir educação às pessoas com necessidades especiais, garantindo seu direito fundamental à educação, incentivando a implementação de programas educacionais que levassem em conta a vasta diversidade de características e necessidades de aprendizagem.
Segundo Santana e Bergamo (2005), os surdos sempre foram, historicamente, estigmatizados, considerados de menor valor social, pois lhes faltava a característica eminentemente humana: a linguagem oral e as virtudes cognitivas. A língua de sinais era considerada uma mera mímica gestual, gerando, assim, preconceitos em relação ao uso de gestos para a comunicação. Afirmam ainda os autores, que essa discriminação social e profissional ainda ocorre.
Embora ainda hoje os surdos enfrentem muitas dificuldades, a língua dos sinais permite diminuir a distância entre eles e os ouvintes. “A língua de sinais acaba por oferecer uma possibilidade de legitimação do surdo como ‘sujeito de linguagem’. Ela é capaz de transformar a ‘anormalidade’ em diferença, em normalidade”. (SANTANA; BERGAMO, 2005, p. 567).
Essa legitimação do surdo como “sujeito de linguagem” representa na verdade o desejo e a possibilidade de se comunicar que é uma característica inerente ao ser humano. Essa necessidade básica é suprida em parte pela linguagem de sinais que proporciona a interação do indivíduo surdo com o mundo. É o elo com esse universo que antes era desconhecido, pois as pessoas surdas eram tratadas com preconceito justamente pela falta de conhecimento de suas potencialidades já que, de outro modo, não há como se expressarem eficazmente.
Ramos (2002) relata que “É conhecido como o ‘início oficial’ da educação de surdos brasileiros a fundação, no Rio de Janeiro, do Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSM, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos- INES), através da Lei 839, que D. Pedro II assinou em 26 de setembro de 1857”. O interesse de D. Pedro II pela educação das pessoas com essa deficiência, provavelmente provém do fato de que a Princesa Isabel era casada com o Conde D’Eu, que apresentava surdez parcial, e também mãe de um filho surdo. Em 1855, D. Pedro II fundou uma escola e mandou buscar na França um professor, o Conde Ernest Huet, que também era portador da deficiência, para que a educação dos alunos estivesse atualizada com as mais recentes metodologias educacionais. Em consequência disso, naturalmente, a Língua Brasileira de Sinais teve muita influência da Língua Francesa de Sinais já que o Conde adaptou os sinais franceses, dando origem à Libras.
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) somente foi reconhecida um século e meio depois, em abril de 2002, através da Lei nº 10.436/2002, como a língua das comunidades surdas brasileiras. De acordo com Reis (1992), o artigo 4º dessa Lei dispõe que “o sistema educacional federal e sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial [...], em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs[...]”.
A língua de sinais é, segundo Quadros (2006, p. 35), “uma língua espacial visual, pois utiliza a visão para captar as mensagens e os movimentos, principalmente das mãos, para transmiti-la".
No âmbito acadêmico a língua de sinais tem todas as características de uma língua viva, pois é transparente e icônica, e mesmo quem não a domina é capaz de compreendê-la, ao menos em parte.
Para que as Línguas de Sinais tenham chegado ao ponto de serem reconhecidas como línguas naturais, entendendo o conceito natural em oposição a código e linguagem, avaliaram-se, evidentemente, as semelhanças existentes entre as mesmas e as línguas orais. (RAMOS, 2002).
Todas as Línguas de Sinais espalhadas pelo mundo possuem níveis fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático bem como dialetos regionais, portanto, se assemelham às línguas orais. Ramos (2002) chama a atenção para a homogeneidade linguística da Libras, afirmando que, apesar dos "sotaques" regionais, existem apenas algumas variações lexicais que não comprometem a unidade estrutural da língua.
Na Língua de Sinais a comunicação se dá através da gesticulação com as mãos das letras do alfabeto ou utilizando-se dos sinais representativos de cada palavra. A articulação das mãos pode ser combinada com determinado formato em uma parte do corpo ou um espaço em frente ao corpo. Existem os seguintes parâmetros: configuração das mãos; ponto de articulação (o lugar onde incide a mão predominante configurada); movimento: os sinais podem ter movimento ou não; orientação: os sinais podem ter uma direção e sua inversão pode significar ideia oposta; expressão facial e/ou corporal: muitos sinais têm, além dos quatro parâmetros anteriormente citados, um traço diferenciador através da expressão facial e/ou corporal.
Há poucos anos atrás a LIBRAS não existia como disciplina escolar. A regulamentação da Lei nº10.436/2002, através do Decreto-Lei nº5.626/2005, proporcionou uma revisão nos estudos e procedimentos a respeito do ensino da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – no contexto educacional do nosso país. Novos profissionais surgiram no cenário educativo: o professor de LIBRAS e o Intérprete de Língua de Sinais, como figuras imprescindíveis para que o acesso aos conhecimentos fosse possível aos alunos surdos usuários da Língua de Sinais. (BASSO, STROBEL, MASSUTTI, 2009, p. 4).
Embora a legislação indique a necessidade do estudo da Língua Brasileira de Sinais, ainda se faz necessária uma mudança significativa nas bases curriculares para que a língua seja vista como uma disciplina a mais e não apenas um meio de comunicação dos surdos. Ademais devemos incentivar o aprendizado de Libras como acontece com as demais línguas estrangeiras para assim colaborar com Inclusão social de pessoas surdas.
Recife, 4 de janeiro de 2016.
Fontes consultadas
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ARAÚJO, Laine Reis. Inclusão social do surdo: reflexões sobre as contribuições da lei 10.436 à educação, aos profissionais e à sociedade atual. In: E-GOV: Portal de e-governo, inclusão digital e sociedade do conhecimento: 7 março 2012. Disponível em: <http://goo.gl/XpiwvT>. Acesso em: 14 dez. 2015.
BASSO, Idavania Maria de Souza; STROBEL, Karin Lilian; MASUTTI, Mara. Metodologia de ensino de Libras – 1. Florianópolis: UFSC, CCE, 2009. Disponível em: <http://goo.gl/gOPfum>. Acesso em: 23 dez. 2015.
BRASIL. Decreto-Lei n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://goo.gl/15dxS5>. Acesso em: 22 dez. 2015.
______. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10436.htm>. Acesso em: 22 dez. 2015.
DECLARAÇAO de Salamanca: sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Espanha, 1994. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2015.
GARCIA, Vinícius Gaspar. As pessoas com deficiência na história do mundo. 2011. Disponível em: <http://www.bengalalegal.com/pcd-mundial>. Acesso em: 21 dez. 2015.
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PACIEVITCH, Thais. Inclusão social. [2015?]. Disponível em: <http://www.infoescola.com/sociologia/inclusao-social/>. Acesso em: 14 dez. 2015
QUADROS, Ronice Muller. Educação de surdos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
RAMOS, Clélia Regina. Libras: a língua de sinais dos surdos brasileiros. 2002. Disponível em: <http://www.porsinal.pt/index.php?ps=artigos&idt=artc&cat=13&idart=168>. Acesso em: 21 dez. 2015.
REIS, Vania Prata Ferreira. A criança surda e seu mundo: o estado-da-arte, as políticas e as intervenções necessárias. 1992. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 1992.
SANTANA, Ana Paula; BERGAMO, Alexandre. Cultura e identidade surdas: encruzilhada de lutas sociais e teóricas. Educ. Social, Campinas, v. 26, n. 91, p. 565-582, maio/ago. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v26n91/a13v2691.pdf>. Acesso em: 22 dez. 2015.
SANTIAGO, Sandra. A Libras como instrumento de inclusão social. 2012. Disponível em: < http://profasandrasantiago.blogspot.com.br/2012/11/a-libras-como-instrumento-de-inclusao.html>. Acesso em: 04 jan. 2016.
Como citar este texto
VERARDI, Cláudia Albuquerque. LIBRAS: Língua Brasileira de Sinais. In: PESQUISA Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2016. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/libras-lingua-brasileira-de-sinais/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2020.)