Apesar de ser geralmente considerada como um evento do período regencial, Pinheiro (2009, p. 5) propõe um estudo processual da Cabanagem, ou seja, seria necessário “recuperar as diversas práticas de resistências e lutas entabuladas pelos segmentos populares da região que antecedem em muito o movimento cabano“, indicando que mesmo antes da Independência do Brasil, a Província do Grão-Pará vivia conflitos diversos envolvendo diferentes segmentos da sociedade. A Cabanagem seria, então, um movimento que “emerge gradativamente a partir das lutas continuadas que se desenvolveram de alto a baixo no imenso Grão-Pará”. (PINHEIRO, 2009, p. 7).
A população mais humilde, formada por índios, negros e mestiços, vivia em cabanas simples, cobertas de palha. Os chamados cabanos lutavam por melhores condições de vida, enquanto parte da classe média, formada por agricultores e comerciantes, ansiava por maior participação política e econômica na província. Apesar de pertencerem a segmentos distintos da sociedade e de possuírem trajetórias independentes, as duas partes tinham, inicialmente, o objetivo comum de construir um governo livre do domínio português e que atendesse às necessidades da região.
Durante o período regencial, o governo imperial continuava a nomear governantes ligados à elite portuguesa, o que desagradava tanto a população mais pobre quanto aos agricultores e comerciantes locais. Governantes nomeados pelo império eram depostos pela população ou abdicavam do cargo, incapazes de lidar com a insatisfação local com a presença e domínio dos portugueses mesmo após a Independência.
A falta de controle sobre a província diante das constantes revoltas sociais levou o então governador nomeado pelo Governo Central, Bernardo Lobo de Souza, a adotar medidas de repressão cada vez mais violentas contra os revoltosos. Prisões arbitrárias, perseguição a jornalistas, deportação e recrutamento para o Exército Imperial foram algumas das medidas tomadas na tentativa de desestruturar as revoltas. Tais medidas, no entanto, aumentaram ainda mais a insatisfação com o governo, o que culminou em rebeliões generalizadas.
Os cabanos receberam o apoio de integrantes das elites locais, a exemplo de Eduardo Angelim, os irmãos lavradores Francisco Pedro e Antônio Vinagre, o fazendeiro Clemente Malcher, o jornalista Vicente Ferreira Lavor e o padre Batista Campos. Em janeiro de 1835, os cabanos se rebelaram, tomaram Belém, assassinaram o governador Lobo de Souza e nomearam Malcher como novo governador e Francisco Vinagre como líder das tropas.
O primeiro governo cabano, no entanto, não durou muito. Clemente Malcher contava com o apoio da elite dominante que, apesar de contrária aos privilégios dos portugueses, não compactuava com os projetos separatistas dos cabanos mais radicais. Sendo assim, jurou lealdade ao Império e começou a perseguir líderes do movimento que lutavam pela independência. Na tentativa de reprimir os movimentos separatistas, Malcher atacou as tropas lideradas por Francisco Vinagre, mas foi deposto e executado.
Francisco Vinagre assumiu, então, o governo, mas não foi capaz de resolver as divergências ideológicas dentro do movimento. Assim como seu antecessor, Vinagre também foi acusado de traição por ter se declarado leal ao Império e ter ajudado as tropas imperiais a retomarem o controle sobre Belém.
Os cabanos se refugiaram no interior da província e, apesar do enfraquecimento do movimento com a perda cada vez maior do apoio das elites locais, conseguiram se reorganizar. Liderados por Eduardo Angelin, os cabanos retomaram a capital da província e proclamaram a República.
A falta de um projeto de governo estruturado política e economicamente, além de dissidências e conflitos internos, desestabilizaram o governo revolucionário, que não resistiu à nova investida armada enviada em abril de 1836 pelo regente Feijó. Sob o comando do brigadeiro Francisco José de Sousa Soares de Andrea, o governo central retomou a capital da província e capturou o líder cabano Eduardo Angelin.
Os cabanos decidiram abandonar a capital e, apesar da derrota, não se submeteram ao Império e retornaram ao interior, onde tentaram reorganizar o movimento. Em 1840, após três anos de conflitos e repressões violentas, as tropas governamentais conseguiram derrotá-los.
Estima-se que cerca de quarenta mil pessoas morreram nos conflitos durante a Cabanagem, uma das revoltas mais sangrentas do período regencial.
Fontes consultadas
CACIAN, Renato. Cabanagem (1835-1840): rebelião tem fim sangrento no período regencial. In: UOL Educação. 22 jul. 2013. Disponível em: <encurtador.com.br/fxCG9>. Acesso em: 26 maio 2014.
COMISSÃO Pró-Índio de São Paulo. A Cabanagem. Disponível em: <http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/pa/pa_escravidao_cabanagem.html>. Acesso em: 26 maio 2014.
PINHEIRO, Luís Balkar. O ensaio geral da Cabanagem. Manaus, 1832. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25., 2009, Fortaleza. Anais eletrônicos... Fortaleza: ANPUH, 2009. Disponível em:<encurtador.com.br/fpwM2>. Acesso em: 26 maio 2014.
SILVA, Tiago Ferreira. Cabanagem. In: HISTÓRIA Brasileira. 18 dez. 2009. Disponível em: <http://www.historiabrasileira.com/brasil-imperio/cabanagem/>. Acesso em: 26 maio 2014.
SOUZA, Rainer. Cabanagem. In: BRASIL Escola. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/historiab/cabanagem.htm>. Acesso em: 26 maio 2014.
Como citar este texto
MORIM, Júlia. Cabanagem. In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2014. Disponível em:https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/cabanagem/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2021.)