No início do século XX, o Alto José do Pinho, inicialmente conhecido como Alto do Munguba — árvore de pequeno porte, abundante na área –, era apenas um morro íngreme no portal de entrada do bairro de Casa Amarela. Recoberto de capim nativo, com árvores baixas e poucos casebres de taipa praticamente sem água, desabastecido de alimentos e sem nenhuma assistência social aos moradores, permaneceu assim até o ano de 1940, quando sua população começou a crescer, com pessoas que chegavam, tanto de Casa Amarela, como de vários lugares de Pernambuco, para trabalhar na Fábrica da Macaxeira, vindo também da Paraíba e de Alagoas, em decorrência da seca e da falta de emprego no campo. A área do Alto media 41,5 hectares e pertencia aos herdeiros da família do Sr.Pantaleão de Siqueira, do extinto Engenho São Pantaleão do Monteiro. O tempo passava e a população crescia. Chegavam para morar pintores, mecânicos, sapateiros, agricultores e bordadeiras. Era cobrado aos moradores, pelos mocambos em que viviam, o foro do terreno, e a numeração das ruas se fazia em ordem crescente, para facilitar esta cobrança. O Alto passou a se chamar Alto José do Pinho em 1988, porque havia um antigo morador, boêmio e tocador de violão, que se tornou um exímio fabricante de violões, feitos de madeira de “puro pinho”; assim, as pessoas o procuravam muito por José do Pinho. Há quem diga que ele foi também um cobrador muito conhecido do foro de chão, aluguel dos mocambos.
As pessoas viviam uma vida sem luxo, morando em casebres de chão batido, sem água, sem luz e sem feiras livres e mercados. Ocorriam muitos incêndios, pois os casebres eram feitos de madeira e capim seco, o fogão era à lenha e também havia candeeiros; desta forma, eram lançadas fagulhas incendiárias. A população frequentava a feira de Casa Amarela, da Encruzilhada e de Água Fria, ou se dirigia ao Centro do Recife, para abastecer suas moradias do que fosse essencial à sua sobrevivência. Havia também os “miudeiros”, profissionais que subiam e desciam ladeiras, levando à comunidade tabuleiros de miúdos (vísceras de boi), estes abatidos no Matadouro de Peixinhos. Estivadores, figuras muito importantes para donos de bar, mercearias e padarias, começam a existir, como apoio braçal ao comerciante. Pessoas vendiam muitos produtos, oferecendo-os de porta em porta. E não podemos deixar de referenciar as parteiras, sempre de prontidão para orientar os nascimentos do Alto José do Pinho, já que não havia médicos, nem hospitais.
O Alto José do Pinho começa a ser pavimentado, a partir dos anos 1950. Vão surgir ônibus atendendo à população, telefone público (1952), fundação da Escola Dona Maria Teresa Corrêa (1956), cinema (1949) e uma grande praça chamada “04 de Outubro” (1953). O centro do bairro era o local de encontros importantes e de lazer, terminal de ônibus e posto de polícia. A iluminação pública se deu em 1960. Chafarizes foram criados para fornecimento de água à população – primeiro os particulares e depois os chafarizes públicos. Neste cenário, os “mocambeiros”, que antes levantavam mocambos, agora faziam casas de alvenaria, e a comunidade lutava para se livrar dos aluguéis dos terrenos e melhorar suas condições financeiras.
Hoje, a comunidade recorda toda a luta vivida ao longo destes anos, para melhorar a vida neste bairro tão querido. O grande Clube Bom Sucesso ainda serve de esteio à história viva do bairro e, desde 1989, todos os anos faz as reuniões da Associação Amigos do Alto José do Pinho e estampa nos seus espaços um grande acervo de fotografias, jornais e depoimentos sobre a história do Alto, tudo isto sob o olhar cuidadoso e afetivo do Sr. Marcos Simão, fervoroso fã do seu bairro. Há ainda uma chama viva, nos corações dos antigos moradores, de um concurso com o nome de Meu Bairro é o Maior, que a TV Jornal patrocinou no ano de 1976, tendo o Alto se consagrado campeão, por três anos consecutivos (1976, 77 e 78). Este reconhecimento fez explodir de felicidade o coração da comunidade. Em todos estes acontecimentos, não podemos deixar de louvar a presença do Comissariado do Alto José do Pinho, na figura do Sr. Mizael Correia e depois com o Sr. Biu Guarda (Severino Antônio Bezerra), que representava o poder e a ordem e o fazia com compreensão e respeito.
O Alto José do Pinho conta hoje com duas grandes instituições escolares: a Escola Dona Maria Teresa Corrêa, mantida pelo Governo do Estado, formando jovens no Fundamental – anos finais, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos, com 733 alunos e 40 professores; e a Escola Municipal Santa Maria, que funciona desde 1977 dentro dos espaços físicos do Centro Social Dom João da Costa, mantido pelas Damas Cristãs, há 50 anos. A Escola Municipal Santa Maria conta com 642 alunos e 26 professoras, atendendo crianças da Educação Infantil até o 5° ano do Fundamental – anos iniciais. Maria de Lourdes dos Santos (irmã Leonarda) esteve à frente da direção da escola, durante 42 anos. Hoje, a direção se encontra sob os cuidados da professora Suleide Farias de Souza.
O Centro Social Dom João da Costa funciona sem fins lucrativos e atende 200 crianças em situação de risco da comunidade, oferecendo-lhes apoio pedagógico, psicológico e escolinhas educativas, como de música, dança e esportes. Já para os adultos, são ofertados cursos profissionalizantes e ainda uma assistência jurídica de apoio aos problemas sociais, assistência esta orientada pela Faculdade das Damas Cristãs. Nos últimos anos, a coordenação do Centro Social é feita pela irmã Luiza Cordeiro e outras irmãs fazem parte do conjunto assistencial: irmã Valéria e irmã Margarida. No passado mais distante, houve também a irmã Denize, que deu nome ao Posto de Saúde da comunidade e deixou grandes recordações da sua atuação no bairro. As irmãs das Damas Cristãs, em 1994, também fundaram a Capela São José Operário, na Rua 11 (Acaiaca), rua principal do bairro.
Hoje, temos muitas casas comerciais, lojas variadas, gráficas, pequenas escolinhas, padarias, mercados, armazéns de construção, farmácias e centros diversos de estudos e práticas culturais, como maracatus, afoxés, caboclinhos, escolas de samba, entre outros. A comunidade participa ativamente desta vida cultural, que se estende também às festas escolares da localidade. O teatro, a poesia, a dança e a música existem no imaginário deste povo, que reproduz estas manifestações de geração em geração.
A partir do movimento cultural Gestos, Atitudes e Rock’n’Roll, em 1992, iniciou-se o reconhecimento das bandas do Alto José do Pinho, que já tentavam se afirmar desde o fim dos anos 1980. Foi um período de grande sucesso, e algumas bandas ficaram conhecidas em vários países. Uma das que se destacam até hoje é Devotos (antes Devotos do Ódio), formada por Cannibal, vocal e baixo, Celo, bateria, e Neilton, guitarra. Além de demonstrar talento e originalidade, ao longo de 30 anos de carreira, a banda fundou uma organização social (ONG) — Alto Falante — para dar suporte ao trabalho que desenvolvia. A ONG passou a intermediar as relações entre bandas, os agentes públicos e as empresas e inaugurou a rádio comunitária, trazendo informações para debater os problemas diários, que afligem os moradores, além de promover oficinas e torneios de futebol de rua e articular polos festivos em parceria com a Prefeitura do Recife. É hoje referência de trabalho social no bairro, tendo sido homenageada em 2019 pela Assembleia Legislativa de Pernambuco, pelos 30 anos de atuação e pelo sucesso da banda.
Recentemente, surgiu um movimento no Alto José do Pinho nomeado Alto Sustentável, idealizado pelo biólogo Hamon Dennovan, filho da líder comunitária Jussara Santos. Este projeto é voltado para o cuidado com o meio ambiente e para a inclusão social, trabalhando em várias frentes, com a educação ambiental e o descarte adequado do lixo. Acontecem dentro deste projeto mutirões de reciclagem, que envolvem toda a comunidade e que contam também com oficinas de grafite, reciclagem e serviços para a população, como cortes de cabelo.
Com isto, vimos que o Alto tem uma história cultural, de lutas de grupos sociais por direitos (civis, políticos e sociais) e de posteriores conquistas, através do trabalho e da arte. Há um forte apreço dos moradores por sua história e pelos antigos líderes do bairro, que são memória-viva, fazendo parte da história do local. Trata-se de uma comunidade do bem, de pessoas delicadas, solícitas, que sobretudo amam a sua história e vivenciam no dia a dia cada recanto do bairro, realçando e mantendo a tradição do carnaval autêntico e organizado, e que dizem em “alto e bom tom” que o melhor bairro que conhecem é este, onde moram e vivem, o Alto José do Pinho.
Recife, 25 de novembro de 2019
* Este texto faz parte do projeto Interagindo com a História do Seu Bairro, uma parceria da Fundação Joaquim Nabuco com o Programa Manuel Bandeira de Formação de Leitores.
Fontes consultadas
LEITE, Ricardo (org.). Aqui do Alto a história é outra: a narrativa dos moradores do Alto José do Pinho. Recife: Magis, 2009.
Como citar este texto
PIRAUÁ, Isabela Cabral de M. Dantas; SOBRAL, Maria Bernadete. Alto José do Pinho (Bairro, Recife); In: Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2019. Disponível em: https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/alto-jose-do-pinho-bairro-recife/. Acesso em: dia mês ano. (Ex.: 6 ago. 2021)